sábado, 25 de setembro de 2021

A disciplina de Ciência Política


Na retórica dos decisores políticos, no âmbito da Educação, nunca falta uma hiperbólica referência à educação cívica dos alunos, assim como a lamentação contínua sobre a indiferença de muitos jovens pela política ou, noutras circunstâncias, o queixume pelas opções radicais. Uma das estratégias que o actual governo tem seguido é a de invadir o espaço curricular dos outros saberes para transmitir aquilo que denomina de educação para a cidadania. Uma estratégia que provoca imenso ruído nas escolas, claramente megalómana e que, não poucas vezes, parece raiar a catequização para certas formas de compreender a realidade.

Desde o ano lectivo de 2016/17, apenas com uma interrupção no ano passado, tenho feito uma experiência, enquanto professor, muito interessante. Lecciono a disciplina de opção, no 12.º ano, de Ciência Política. Tem um programa muito bem elaborado, que foca os principais temas do funcionamento da política de forma objectiva e sem fazer catequese ideológica. Em Ciência Política, o professor ajuda os alunos a olhar o fenómeno político de forma ampla e distanciada. Não para os manter afastados da cidadania e da política, mas para lhes dar uma compreensão profunda desse mundo e, assim, torná-los cidadãos mais competentes e, caso o decidam, actores políticos com uma preparação mais elevada. Se os Ministérios da Educação dos diversos governos estivessem realmente interessados numa formação cívica não catequética dos alunos, teriam na Ciência Política, tornando-a obrigatória no 12.º ano, um instrumento de alta qualidade.

Haveria, contudo, que ter em consideração alguns aspectos essenciais. Em primeiro lugar, a garantia contínua da cientificidade do programa, sem permitir que ele se tornasse catequese partidária. Se queremos formar cidadãos e jovens políticos, então há que ensinar-lhe a olhar objectivamente a política. Em segundo lugar, tornar a disciplina não em mais uma que está sujeita a exame e aos rituais tradicionais de avaliação e transmissão de conhecimento, mas num lugar de novas experiências pedagógicas, onde os alunos desempenhassem um papel importante na forma como se trabalha o currículo e como este é ligado à realidade. Em terceiro lugar, uma séria formação dos professores capazes de leccionar a disciplina. Formação técnico-pedagógica, formação científica, formação política e formação ética. A disciplina de Ciência Política, no 12.º ano, altura em que os alunos estão a atingir a maioridade, seria um instrumento curricular poderoso na formação cívica das novas gerações. Objectiva e sem catequese ideológica.

sábado, 11 de setembro de 2021

Qual o perigo da direita populista?


Quando se fala do perigo da direita populista ou radical, já com representação nacional, estamos a falar de quê? Que perigo para a democracia essas forças representam? Uma tentação, em certos sectores da esquerda, é de falar em retorno ao fascismo. Apesar de se poderem encontrar fascistas nessas áreas, a acusação tem pouco impacto e, na verdade, não ajuda a compreender o perigo que essas forças representam, nem as suas ambições, nem o ideal que as rege. 

O que torna a democracia liberal um regime virtuoso é o facto de o poder estar dividido e de todos os responsáveis políticos estarem submetidos à lei. O poder democrático está divido em legislativo, executivo e judicial. Apesar de haver uma relação de proximidade entre os poderes legislativo e executivo, a questão central está na completa independência do poder judicial. Nenhum governante tem capacidade para perseguir por motivos políticos um opositor ou qualquer outra pessoa – onde se inclui o leitor – utilizando o poder judicial. 

Se queremos perceber o que pretendem estes movimentos da direita radical, o primeiro sítio para onde devemos olhar é para o Absolutismo, onde o Rei concentrava nas suas mãos todos os poderes. A democracia e o Estado de direito nasceram contra o Absolutismo. Não é que estes movimentos sejam monárquicos, mas pretendem concentrar nas mãos do líder todos esses poderes, através de um processo de desgaste contínuo das instituições democráticas. Este é o ideal regulador de todos os movimentos populistas, à direita e à esquerda. 

Se o Absolutismo político é uma realidade distante, encontramos exemplos de como certos regimes políticos actuais aniquilaram ou reduziram drasticamente a divisão de poderes que permite aos cidadãos viver em paz e sem medo. Rússia, China, Irão, Venezuela, Coreia do Norte, Turquia, etc. Os problemas que têm surgido com a Polónia e a Hungria estão relacionados com tentativas de submeter o poder judicial ao executivo. Os ataques de Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal pertencem à mesma estratégia. 

Quando em Portugal se fala em pôr fim ao regime ou se louva um putativa IV República é disto que se trata. Encaminhar o país para uma situação em que o detentor do poder político consiga dominar os poderes legislativos e judiciais, em que o líder esteja acima da lei. Sempre que isto acontece, existem perseguições, violência, eliminação de direitos civis e políticos. Instaura-se uma ditadura, mesmo que haja um simulacro de democracia. Os defensores desses movimentos deveriam estudar o que lhes pode acontecer. Uma das coisas que os tiranos mais gostam é de eliminar quem os ajudou a chegar ao poder.

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

E alterar drasticamente o estilo de vida?


O conjunto de catástrofes naturais dos últimos tempos tem trazido, mais uma vez, para o debate público a questão das alterações climáticas de origem antropogénica. Uma das estratégias dos beneficiários do actual modo de vida foi lançar a dúvida sobre se a acção humana tem um papel central na degradação do clima e do ambiente da Terra. A dúvida transformou-se em negacionismo e tudo isto se politizou, criando dois campos em conflito. Seria ilusório, porém, pensar que o grande trunfo dos que querem manter o actual modo de vida da espécie humana se encontra nos negacionistas e na politização do problema. Encontra-se em todos nós, com graus diferenciados de responsabilidade.

As alterações climáticas e a degradação ambiental devidas à acção humana estão directamente ligadas ao estilo de vida que se tornou prevalecente no mundo. Se olharmos para os países ricos, nenhum partido que queira ganhar eleições se propõe baixar o nível de vida dos cidadãos, diminuir a riqueza produzida, tornar as pessoas menos aptas a consumir. Pelo contrário, aquilo em que os cidadãos votam é no crescimento económico, no aumento dos rendimentos individuais, na democratização plena dos consumos. Ninguém vota sequer numa democratização do empobrecimento, que afectaria todas as classes sociais. Quanto aos países pobres, os seus cidadãos desejam copiar os dos países ricos e assim consumir segundo o desejo de cada um. Todas as promessas governamentais de combate às alterações climáticas são falsas. Os governos não têm capacidade para fazer aquilo que ninguém quer: alterar drasticamente o estilo de vida.

Há ainda um outro problema. Expressa-se na seguinte proposição: as alterações climáticas são inevitáveis, muitas zonas da Terra podem tornar-se inabitáveis ou com condições de vida muito rigorosas, então há que tomar posse dos lugares onde a vida humana poderá ainda ser vivida sem grandes incómodos. Este tipo de pensamento nunca é expresso. Contudo, ele dirige já a acção de muitos seres humanos, fundamentalmente das classes privilegiadas e com maior responsabilidade no aquecimento global. Iremos assistir a uma intensificação da luta de classes, não no sentido da tradição marxista, mas de uma forma muito mais radical. Não se trata agora de uma disputa sobre meios de produção e rendimentos, mas de uma autêntica guerra sobre os melhores lugares para viver, aqueles que estarão mais abrigados dos efeitos destrutivos das alterações climáticas, deixando para os perdedores os lugares onde a vida será cada vez mais infernal. Estamos a caminhar para tornar as distopias ficcionais em realidade viva.