Alexander Rodchenko, On the Pavement, 1930 |
sábado, 31 de dezembro de 2022
Simulacros e simulações (42)
quinta-feira, 29 de dezembro de 2022
Um executivo à beira da implosão
As novas demissões no governo de António Costa, de onde sobressai a do poderoso ministro Pedro Nuno Santos, mostram um executivo à beira da implosão, que nem um primeiro-ministro hábil na manobra política parece capaz de suster. A maioria absoluta, dispensando os socialistas de negociar continuamente as soluções, está a funcionar como um revelador eficaz da cultura do partido que ocupa o poder. Três notas sobre essa cultura.
1. Do ponto de vista político, os socialistas estão esgotados. Nada têm para oferecer ao país enquanto solução para a situação em que nos encontramos. Este nada tanto pode ser encarado de uma perspectiva de esquerda como de direita. Nem um estado mais eficaz no assegurar dos mecanismos que permitam uma maior igualdade social, nem a capacidade de criação de um ambiente propício ao mercado e capaz de atrair fortes investimentos para o país. Por norma, os socialistas louvam-se na sua aptidão ideológica para compatibilizar ambos os objectivos. O que se passa, porém, mostra-os incapazes seja do que for.
2. A relação dos socialistas com o poder é conflituante com uma sociedade que tem uma capacidade de escrutínio constante. Os socialistas, ao longo de décadas, foram desenvolvendo uma cultura de domínio das instituições, como modo de manter o poder e de controlo das sucessivas situações desagradáveis (um eufemismo para designar os diversos problemas com a justiça ou com a moral pública que diversos actores socialistas enfrentam). Essa capacidade desapareceu no novo mundo das redes sociais. Qualquer político que se aproxime do poder fica na mira e, caso haja a mais leve suspeita, tornar-se-á um alvo contínuo, até que caia. Só uma sobranceria inominável, produtora de uma cegueira persistente, explica que o primeiro-ministro escolha ou aceite escolhas de pessoas que serão alvos fáceis a abater.
terça-feira, 27 de dezembro de 2022
A persistência da memória (19)
Francesca Woodman, Space 2, 1976 |
domingo, 25 de dezembro de 2022
Nocturnos 95
Edward Burne Jones, Night, 1870 |
sexta-feira, 23 de dezembro de 2022
Cadernos do esquecimento 49 Desolação
Johan Hagemeyer, “Corrosion” - Death Valley from Zabriskie Point, 1940 |
quarta-feira, 21 de dezembro de 2022
A constituição e o parlamento
O que significa abolir uma constituição? Significa abolir as regras fundamentais que orientam a vida em sociedade e o documento que estrutura não apenas o poder político, mas também os limites a que esse poder deve obedecer. É esta limitação do poder, é este freio à discricionariedade de quem o ocupa, ou pretende ocupar, que irrita muita gente que pensa ter chegado a altura de se retornar ao absolutismo, agora, porém, sem monarcas por direito divino, mas com um qualquer trampolineiro que consiga cavalgar a onda de irracionalidade que atinge parte dos eleitores. O que disse Trump é uma confissão do que lhe vai na alma. Compreendeu que a existência de uma constituição escrita é um obstáculo não só para o seu desiderato de ocupar o poder de qualquer forma, mas também para a pretensão de nele fazer o que desejar. Sem constituição qualquer cidadão fica nas mãos do déspota do momento.
É também
sintomático o desejo de atacar o parlamento alemão. Todos os que odeiam a
democracia têm por um dos alvos predilectos o parlamento. Por vezes,
ingenuamente, as pessoas reduzem o parlamento à sua função mais notória, a de
produzir a lei. Ora, o parlamento é muito mais do que isso. É o lugar onde os
representantes eleitos dirimem, através das palavras e segundo regras
estipuladas a priori, os conflitos que existem dentro da sociedade. Em
vez de as pessoas se matarem entre si, elegem representantes para que estes discutam
de modo civilizado. O parlamento está no lugar da guerra civil ou da ditadura,
que é uma forma de guerra civil, em que uma parte tem as armas e a outra está
desarmada. São estes dois pilares do Estado de direito e da democracia liberal
que os extremistas pretendem destruir, para poderem submeter as pessoas ao seu
arbítrio.
domingo, 18 de dezembro de 2022
Ensaio sobre a luz (95)
Charles Job, Abend an der Arun, 1907 |
sexta-feira, 16 de dezembro de 2022
O presépio de Belém
O cristianismo talvez seja a mais estranha de todas as religiões. É marcada por um exercício de humilhação, como se esta fosse a condição de possibilidade de uma exaltação numa outra vida. Estamos perante uma religião que nasce da ideia de que Deus encarnou, viveu uma vida humilde e morreu na cruz, a mais humilhante das formas de morte daqueles tempos. A questão começa de imediato no nascimento do Messias. Não nasce num palácio, nem nos círculos do poder religioso judaico. Nasce num estábulo, como se quisesse identificar, na Terra, a humildade como a marca daquilo que é divino.
Se há virtude que, nos dias de hoje, tem má fama, essa é a da humildade. Não há quem não queira afirmar-se, mostrar-se como o melhor, o mais forte, o mais sedutor, o mais poderoso. A vida social e a educação dos neonatos convergem para a afirmação da subjectividade, como se cada uma fosse o centro do universo, o ponto em torno do qual tudo deve girar. O Natal simboliza o contrário. O mais poderoso é o mais frágil e humilde. A encarnação da divindade não vem para mostrar um poder, mas para servir até à ignomínia da cruz. A descristianização da sociedade significa que o modelo crístico deixou de ser há muito o ideal regulador do homem. O Natal, para a nossa cultura, é um anacronismo e, ao mesmo tempo, uma provocação.
Essa provocação
cresce quando se contrapõe a pobreza do presépio de Belém e o ideal social que
nos rege. Ter mais, consumir mais, aceder ao maior número de experiências
possíveis. O próprio festejo natalício já não é o da pobreza do Menino Jesus,
mas da capacidade que se tem de distribuir presentes, uma afirmação de que não
se é pobre. O cristianismo, com o nascimento e morte do Cristo, é um exercício de
desapossamento de si e dos bens materiais. Ora, isso é totalmente estranho aos
valores pelos quais nos regemos. Nada há de mais incompatível com o actual
espírito natalício, como o encaramos, do que a terrível frugalidade do presépio
de Belém.
quarta-feira, 14 de dezembro de 2022
O progresso moral da humanidade (10)
Wilhelm Brasse, 14 year old Polish girl, Auschwitz concentration camp, 1942 |
domingo, 11 de dezembro de 2022
Nocturnos 94
Henri Cartier-Bresson, Paris and the Eiffel tower, 1985 |
sexta-feira, 9 de dezembro de 2022
Meditações melancólicas (90) O coração das trevas
Albert-Edouard Drains, Éclaircie, 1897 |
segunda-feira, 5 de dezembro de 2022
Nocturnos 93
António Carneiro, Nocturno, 1911 |
sábado, 3 de dezembro de 2022
Jogos com a liberdade
2. Perigo presidencialista (1). A abertura de um processo de revisão constitucional traz com ele a manifestação de um desejo, de certos sectores políticos, de pôr em causa o regime político português. Num primeiro momento, visa-se, com o aumento tanto da duração do mandato do Presidente da República como dos seus poderes, virar o regime para o presidencialismo. Uma espécie de nostalgia do sidonismo da primeira República. Num segundo momento, pretende-se a completa subversão da Constituição e a destruição do regime de democracia liberal nascido com o texto constitucional de 1976, para levar o país, de forma paulatina, em direcção a um regime autoritário. Não é plausível que isso aconteça no processo de revisão agora aberto, mas não deixa de ser sintomática a existência de projectos para subverter a Constituição e destruir a liberdade.
3. Perigo
presidencialista (2). Apesar do Vice-Almirante Gouveia e Melo afirmar que
não pretende entrar na vida política, percebe-se a existência, em largas
camadas do eleitorado, de uma disponibilidade para apoiar a sua candidatura à
Presidência da República. Esse eleitorado quer Gouveia e Melo por ele ser um competente
homem de acção. Ora, do ponto de vista constitucional, os Presidentes da
República têm pouco poder de acção. A situação apresenta duas vertentes
desagradáveis. Por um lado, mais uma vez, a nostalgia do sidonismo ou o desejo
de um homem forte. Por outro, caso Gouveia e Melo concorra e seja eleito, a
possibilidade de um conflito persistente entre um Presidente, que será eleito para
agir, e as regras constitucionais que concentram parte substancial da acção
política no governo e no parlamento. Um conflito que poderá dilacerar o regime
democrático e destruir as liberdades.
quinta-feira, 1 de dezembro de 2022
Direitos humanos, é melhor esquecer
O futebol é um desporto que exerce enorme fascínio sobre os cidadãos. Nele existem duas características que marcam as sociedades actuais. Por um lado, representa, ao seu mais alto nível, uma exemplificação das sociedades de mercado alicerçadas no mérito dos concorrentes. O futebol é um exemplo da meritocracia que o pensamento liberal julga dever ser uma característica central das relações humanas. Tudo no futebol é concorrência e ganham os que tiverem mais mérito. Esta faceta liberal do futebol, todavia, combina-se com uma outra muito pouco liberal, o tribalismo. Este tribalismo tem duas facetas. O tribalismo clubista, onde as tribos de diversas cores se defrontam, e tribalismo nacionalista. Em alguns países este tribalismo é o único lugar onde o nacionalismo se manifesta. Noutros, será uma ostentação da patologia nacionalista reinante.
Esta combinação
de meritocracia liberal e de tribalismo nacional não é apolítica. Pelo
contrário. Marcelo Rebelo de Sousa – assim como Augusto Santos Silva e António
Costa – agem por interesse político. O futebol mobiliza demasiadas paixões,
para que os políticos tenham coragem de afirmar aquilo que deveriam afirmar:
que o futebol, na sua organização internacional, deve ser penalizado pela
escolha feita. Os agentes políticos democráticos deveriam não só excluir a sua
presença nos jogos, como terem uma atitude crítica sobre a realização do
Mundial nas circunstâncias que se conhecem. Contudo, o interesse político local,
a necessidade de não perturbar os eleitores com coisas desagradáveis e de
confrontá-los com o irracional da sua paixão, leva a que um Presidente de um
país democrático diga, sem pudor, “enfim esqueçamos isto”. Para que a bola role
sem perturbação, há que limpar a memória. Talvez mesmo formatar o disco onde estão
guardados os direitos humanos.