quarta-feira, 31 de maio de 2023

Cadernos do esquecimento 52 Prioridades

Marcel Duchamp, La partida de ajedrez, 1910

Poder-se-ia começar com uma fenomenologia do esquecimento, com a descrição do fenómeno nas suas múltiplas manifestações, mas seria uma perda de tempo. Elabore-se de imediato uma taxionomia. Temos os esquecimentos passivos e os activos. Os passivos são aqueles que sofremos contra a nossa vontade. As coisas apagam-se ou, no melhor dos casos, ocultam-se, sem que haja uma intervenção da nossa parte. Quando a amnésia é activa não se pense, porém, que existe uma deliberação para esquecer alguma coisa. Isso não funcionaria. Pelo contrário, qualquer deliberação em vez de conduzir ao esquecimento levaria a uma inflação da memória. O esquecimento activo resulta de uma imersão de tal modo intensa numa certa actividade que o resto desaparece do campo de consciência. Os jogadores de Xadrez estão tão presos ao combate que travam que o próprio  amor é abandonado na orla do campo de batalha. O esquecimento passivo dá-nos uma visão do nosso ser biológico, o activo mostra as prioridades que orientam uma vida.

segunda-feira, 29 de maio de 2023

Comentários (8)

Alberto Capmany, A Poesia, 1980

Vindo o momento, tudo aquilo que separou
ciência e poesia deixará
de existir sobre a terra.
Hélia Correia

A poesia será o lugar definitivo da esperança. Esta será uma esperança poética e funda-se na recusa de um divórcio irreparável. Os poetas sonham com o paraíso perdido de uma unidade ancestral, pegam na palavra como um instrumento usado na arqueologia, para escavar o terreno em busca dessa hora na qual tudo se fundia na unidade. Pode, porém, uma mãe sonhar com a hora em que ela e o seu filho formavam uma unidade indistinta? Os cientistas caminham sem parar por dentro do campo da separação. Fazem-no porque essa é natureza das coisas. Fazem-no porque são filhos que resistem ao apelo de voltar para o útero materno. Fazem-no porque o mundo é um lugar de múltiplos discursos que, como galáxias, se afastam sem parar uns dos outros.

sábado, 27 de maio de 2023

Beatitudes (60) Véu da ignorância

William Anckorn, Rêve d'Enfant, 1894
Os sonhos de criança são o reflexo de um mundo onde as possibilidades, as mais inesperadas, parecem estar em aberto. Tudo o que então é desejável paira no coração como necessário, e é isso que torna aqueles dias um tempo de beatitude, onde se caminho pelo paraíso, mesmo se alguém, ao alimentar sonhos e quimeras, saiba que entre o desejável e o necessário há um contencioso sem fim. O silêncio de quem sabe é um tributo aos sonhos que teve na infância e que chegou a hora de os deixar correr na fantasia de quem ainda não deve marcar encontro com a realidade despida do véu da ignorância.

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Cardílio (24 sonetos) 15

Anónimo romano, La primavera derramando flores (Strabies)

Conto teus dedos um a um, pois são
Sílica, pedra roxa, várzeas calmas
Abertas sobre a foz, onde um rio puro,
De água clara, por mim em fogo chama.

Vozes de pedra, casas de minério,
Silêncios de ambrósia do céu caem
Sobre o vendaval vindo da serra,
Sobre a luz da tua sombra solitária.

Deixa vir os relâmpagos, a lua
Fria e mineral. Cantem a luz árida
Das estrelas no sonho descobertas.

Se te toquei no ventre e um incêndio
Alastrou, então deixa que esta mão
Como uma parra em teu seio leve caia.

 

2007

terça-feira, 23 de maio de 2023

Simulacros e simulações (50)

Yoriyasu Masuda, Passado, presente e futuro. Clima, 1994-96

O tempo com as suas dimensões humanas, demasiado humanas, essa ordenação que vai do anterior para o posterior, não passa de um simulacro. O enigma antevê-se na pergunta: simulacro de quê, o que simula a duração? Não a eternidade, como se chegou a pensar, mas algo para o qual não temos nome, nem poder para descortinar. No palco que se esconde por detrás da cortina do tempo representa-se uma peça que os nossos olhos jamais verão e a nossa razão nunca saberá se é uma comédia ou uma tragédia.

domingo, 21 de maio de 2023

Ensaio sobre a luz (102)

Emil Nolde, Marisma con molino de viento, 1936

O peso da luz dissolve lentamente a muralha de nuvens e desenha um alfabeto de sombras lancinantes sobre as águas do pântano. Tudo se suspende na paisagem e a vida, por instantes, hesita entre o passado e o futuro. Então um pássaro canta ao longe, a reverberação cresce em intensidade e tudo o que existe retoma o nome esquecido e a viagem adiada.

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Semipresidencialismo?


Portugal, desde 1976, vive num regime semipresidencial. Em linhas gerais, estamos perante um regime em que tanto o Presidente da República, de modo directo, como o governo, de modo indirecto, dependem do sufrágio popular. Consta que a opção por este tipo de regime se deveu a dois medos, o do parlamentarismo, encarnado na primeira república, e o do presidencialismo, como porta aberta para uma nova ditadura. A constituição pretendeu, desse modo, um regime de equilíbrios, de pesos e contrapesos, onde o Presidente da República acabaria por ter um papel central na estabilidade da vida política. Será que a história, destes anos de regime semipresidencial, confirma esse papel estabilizador do Presidente da República?

Na verdade, encontramos na figura do Presidente da República um elemento desestabilizador da governação. Com Eanes, foram os governos de iniciativa presidencial e a criação de um partido – o PRD – com o seu patrocínio. Mário Soares dissolveu o parlamento enquanto havia uma maioria que poderia suportar um governo. No segundo mandato, agiu quase como chefe da oposição a Cavaco Silva e à maioria existente na Assembleia da República. Jorge Sampaio, talvez o Presidente menos tentado em intervir na governação, dissolveu a Assembleia da República, enquanto havia uma maioria capaz de suportar o governo. Cavaco Silva foi um problema para os governos de Sócrates e tentou limitar a formação do primeiro governo de António Costa. Marcelo Rebelo de Sousa, por seu turno, tem tentado imiscuir-se na área governativa e não se tem inibido de afirmar, como ameaça, que os seus poderes de dissolução da Assembleia estão intactos, apesar de existir uma maioria absoluta.

Os Presidentes da República, quase sem excepção, têm tentado, contra as suas competências, intervir na governação do país. A ideia de que os Presidentes são cooperadores com os governos é uma ilusão. Se não são da sua área, assim que sentem força, tentam desestabilizá-los, de modo mais ou menos sub-reptício, e preparar o caminho para que os seus tomem as rédeas da governação. Todo o drama das relações entre Costa e Marcelo se inscreve neste quadro. O actual Presidente está em linha com a generalidades dos anteriores. Ora, tendo em conta a experiência dos últimos quase cinquenta anos de semipresidencialismo, talvez devesse equacionar-se uma mudança de regime em direcção a uma república parlamentar, com um PR meramente cerimonial, e com um parlamento onde os governos só pudessem ser derrubados através de uma moção de censura construtiva. Temos já tempo suficiente de democracia para não temer o parlamentarismo.

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Nocturnos 102

Júlio Pomar, Cena na Praia, 1959

Existem praias nocturnas, onde a noite desce em manchas de escuridão sobre o ouro das areias. Ali juntam-se aqueles que não suportam o fulgor do dia e entregam-se a grandes libações em honra dos deuses do obscurecimento. Quando chega a aurora, tudo se dissipa, restando apenas a monotonia das areias batidas pelas ondas e o grasnar das gaivotas.

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Cardílio (24 sonetos) 14

Anónimo romano, Cabeça de uma bacante, bêbada e assustada, Vila dos Mistério (Pompeia)

Sinto o vento no rosto e na mão trago
Um trevo iluminado pelo sangue
Que do teu corpo ávido então cai,
Como um cão que cantasse em Setembro.

Que frio aroma férvido é o teu?
O perfume do azeite, o verde mênstruo
Em meu olhar se prende, flor de pétalas
Sôfregas ou roseira amarga e lúgubre.

Penumbra em que repousas a cabeça,
Véu de branda loucura, lua deserta
Onde escondo o fantasma que me habita.

Na treva dos teus passos, eu te sigo,
Cansado de sonhar deuses, esferas,
Sombras de vento ou cálices de pólen.

2007

 

sábado, 13 de maio de 2023

A persistência da memória (23)

E. J. Brooking, Changing Pastures, 1906

Era um tempo mais lento. Visto a partir do agora em que se vive, poder-se-ia dizer que tudo se dilatava, os segundos, os minutos, as horas, os dias. O ritmo dos acontecimentos obedecia à batuta de um maestro sem pressa, concentrado no prazer de reter cada instante para dele desfrutar, encontrando os segredos que ali se podiam ocultar. Os rebanhos, conduzidos por um pastor imortal, cruzavam os caminhos vazios, entregues à romaria da lentidão, sabendo, com uma ciência arcaica, que chegariam ao destino. E tudo isso se inscreveu, silenciosa e secretamente, numa memória que cada um traz consigo, mesmo que o não saiba. É uma memória feita da lentidão das pedras e do aroma das sombras que o crepúsculo anuncia.

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Comentários (7)

Maurice Denis, Paradise, 1912

certos paraísos perderam o brilho é agora
outro o receio que acolhes (...)
João Luís Barreto Guimarães

O destino de todos os paraísos é empalidecer, deixar que a cintilação, com que se apresentavam aos olhos atónitos e temerosos dos fiéis, se vá perdendo com o passar do tempo. Este é o inimigo mais poderoso de um paraíso, talvez porque os paraísos pertençam à esfera da eternidade, e o tempo é como a poeira que suja os vidros mais transparentes daquilo que está além dele. Ou então os jardins do Éden são criações humanas e como estas estão condenados à palidez, ao livor da existência, até que a lividez anuncie a sua morte, como se proclamasse o fim de um universo.
 

terça-feira, 9 de maio de 2023

Simulacros e simulações (49)

Imagem obtida com IA da CANVA

Uma vida povoada de monstros e fantasmas, espectros nascidos no abismo da solidão. Então, procuram-se esses velhos lugares públicos, onde as pessoas simulam comunhões e intimidades, para que as horas e os dias sejam suportáveis, até que a sombra se eclipse e o corpo, num simulacro de estertor, se entregue nos braços da morte.

domingo, 7 de maio de 2023

A crise


(Nota: o texto foi escrito antes da crise das relações entre Primeiro-Ministro e Presidente da República, os pormenores e soluções possíveis tornaram-se anacrónicos, o fundamental do texto permanece actual.)
 

O que se está a passar na área da governação é um sintoma de um mal que atinge os fundamentos da vida política. A oposição à direita está na expectativa de novas eleições, o Presidente da República ameaça com o uso dos poderes para dissolver o parlamento, o presidente do Partido Socialista, ao falar da necessidade de uma remodelação ministerial, passou uma certidão de óbito à actual composição do governo. Independentemente do que vem aí, se uma remodelação do governo, se uma dissolução do parlamento, parece não haver capacidade para ultrapassar o que se passa à superfície e perceber o que, mais fundo, está a originar a crise. 


Durante décadas, um populismo difuso cultivado pelos portugueses, secou em muitas pessoas o desejo de participar na vida política. Um discurso antipolítico, absolutamente destrutivo, mascarado de liberdade crítica, alimentou o afastamento de muita gente boa da vida política. As pessoas não se estão para se sujeitar à vociferação popular, para ver a sua vida arrastada pela praça pública, para serem vilipendiadas apenas porque pensam de uma determinada maneira. Isto já se manifestava no tempo em que não havia redes sociais. Com a vinda destas, tudo piorou.  Como povo, conseguimos afastar os melhores.


Os partidos políticos, todavia, não são inocentes. Os da área da governação tornaram-se estâncias de incompetentes e videirinhos. Sem concorrência de gente competente e com sentido cívico, a vida partidária tornou-se uma árdua luta por lugares e prebendas, para a busca da miserável glória de ocupar lugares nas diversas instâncias do poder. Miserável, não porque o poder político seja algo de indigno, mas porque muitos dos que o ocupam não o fazem para servir o bem comum. Nem uma remodelação governativa, nem uma troca de opções ideológicas mudará alguma coisa. Só a cegueira ideológica achará que uma opção em volta do PSD será, em substância, diferente da actual. 


Temo, na verdade, que não exista uma solução para o problema. O mais plausível é que, com remodelação ou novas eleições, tudo se continue a degradar. Os portugueses, alimentados por uma comunicação social partidarizada e pelo anonimato das redes sociais, insistirão numa cultura onde falta grandeza cívica e onde está ausente qualquer preocupação pela democracia e pelo Estado de direito. Os militantes partidários, cegos pelo desejo de serem alguém, continuarão as suas guerras do Arlequim e da Manjerona, com os seus dramas de faca e alguidar. Até que a ruína destrua o edifício democrático e se entregue o país a um aventureiro disposto a usar o chicote sobre os portugueses.

sexta-feira, 5 de maio de 2023

Cardílio (24 sonetos) 13

Imagem obtida através de IA DALL.E 2 da OpenAI

Quando os archotes ébrios, os teus dedos,

Incendiaram na noite a branca cólera,

Gritaste no silêncio desvairado,

No tormento das horas esquecidas.

 

No teu jardim, as rosas enrugaram.

Os dias aos dias seguiram imperfeitos,

Estátuas dum deus enlouquecido,

Preso em polida pedra calcinada.

 

Não há mãos pelos seios, nem alegria

No súbito cantar. Apenas mágoas

Te recolhem na fístula da tarde.

 

Aí, na flâmula acesa, transfigura-se

Em murmúrio a voz que em ti vacila,

Luz que a noite ao dia sempre roubou.


2007

quinta-feira, 4 de maio de 2023

A fraqueza do discurso forte

Imagem produzida por IA - CANVA

Não fora conhecer o que a casa gasta, ter-me-ia espantado. Ouvi e vi o discurso do Presidente da República e ouvi uma série de comentários. Quem ouvisse os comentadores ficaria convencido de que o Presidente tinha trucidado António Costa, o governo, para além, claro, do ministro Galamba. Uns comentadores – e jornalistas – proclamavam um discurso forte, terrível. Outros abanavam a cabeça em assentimento. Não me espantei, porque descobri há muito que estas pessoas confundem a realidade com os seus desejos. Foi o discurso do Presidente um discurso de força?

Não. Foi um discurso de fraqueza. Lamentou, ralhou, ameaçou. Ora, quem tem força não ralha nem ameaça. Faz, age. Não protela. Responde na hora. Quem espera o momento oportuno, está calado. O discurso do Presidente foi o reconhecimento da posição de fraqueza a que se viu reduzido pela acção do Primeiro-Ministro, uma intervenção para salvar a face. Ora, se António Costa o fez perder a face foi por sua culpa, porque não soube gerir a palavra. Se estivesse calado acerca do ministro Galamba, este teria ido embora. Nenhum primeiro-ministro pode permitir o contínuo imiscuir, em jeito de comentário televisivo ou de ameaça, de um Presidente.

A fraqueza, porém, não fica por aqui. A ameaça de ser mais exigente com o governo é absurda. Será que até aqui não era exigente, não cumpria a sua função? Se sim, qual a diferença? Vai criar instabilidade? Os comentadores, a grande maioria afecta à direita, acham que António Costa vai ser cozinhado em lume brando. Há nesta ideia um equívoco. O Presidente há muito que, com sorrisos, papas e bolos, estava a cozinhar o Primeiro-Ministro em lume brando. A recusa de António Costa de demitir Galamba foi um salto para fora do caldeirão onde o Presidente o estava a cozer.

As coisas mudaram, mas não no sentido que os comentadores, mais ou menos entusiastas, afirmam. António Costa está mais forte. Marcelo Rebelo de Sousa mais fraco. A partir deste momento, António Costa tem a iniciativa. Isso não garante que não se afunde. Garante apenas que é responsável pelo destino do governo. Se as coisas correrem bem, será mérito dele. Se correrem mal, será culpa sua. Isso, porém, foi o que ele veio dizer aos portugueses. Que toda a responsabilidade pela governação assentava nos seus ombros. E isso é um discurso forte, não a arenga admoestadora do Presidente.

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Ensaio sobre a luz (101)

Emil Nolde, Light Sea-Mood, 1901

Com candura, as águas do mar abrem-se à luz descida do céu, e tudo se transfigura. O oceano tenebroso, a terra seca, o céu exausto. As horas passam então mais devagar, para que a inocência cubra tudo o que existe e escreva a tinta indelével o seu nome na planície da memória.

segunda-feira, 1 de maio de 2023

A caminho dos 50 anos

No dia 25 de Abril, Portugal entrou no quinquagésimo ano de regime democrático. A caminho de meio século, a democracia portuguesa está perante um conjunto de desafios que necessita de enfrentar para sobreviver. Alguns desses desafios são comuns às democracias liberais existentes. Desses, o perigo mais claro é aquele que os nacionais-populismos colocam. Seria um erro pensar que podemos estar de volta ao fascismo tradicional. É uma forma simples de pôr o problema. Genericamente, estes movimentos pretendem acentuar aspectos democráticos que as democracias liberais estão longe de aceitar como virtuosos. Há neles um desejo plebiscitário, pretendendo desvalorizar a representatividade popular, trocando-a pela voz directa do povo. É uma visão da democracia que sempre despertou justificados receios, uma espécie de antecâmara do terror.

Estes movimentos populistas pretendem, escudados no voto popular, apagar o carácter liberal da democracia e pôr em causa o Estado de direito. A ideia central não será acabar com eleições, mas restringir direitos, liberdades e garantias, alterar as regras do jogo democrático, de modo a que lhe seja sempre favorável. Fundamentalmente, miram pôr em causa a separação entre o poder político e o poder judicial, transformando os tribunais numa arma política contra os adversários e instrumento de realização de políticas meramente partidárias. Estes movimentos partilham uma característica que os aproxima dos partidos totalitários. Tentam uma mobilização contínua da população. A intervenção que fazem, irracional numa lógica democrática e liberal, pretende, a partir de qualquer pretexto, aquecer continuamente a rua e a indignação popular.

Durante boa parte destes quase 50 anos, a memória da ditadura, da guerra colonial e do atraso de Portugal, assim como as alterações sociais trazidas pela liberdade política e pela adesão à União Europeia, têm servido como vacina contra o autoritarismo. Neste momento, existem dois factos que fragilizam as resistências da democracia liberal. Por um lado, a memória da ditadura está praticamente ausente na maior parte da população. Por outro, a existência de uma camada social muito frágil, incapaz de se integrar nas exigências da economia global e de se adequar, se em idade activa, ao desenvolvimento trazido pelas tecnologias de informação e comunicação e, agora, pela inteligência artificial. Se os partidos democráticos insistirem em não enfrentar estes problemas, então os cantos de sereia dos populistas, alicerçados na vozearia da mobilização contínua da rua, abrirão caminho para uma democracia iliberal e o autoritarismo.