Ernst Ludwig Kirchner, Accordion Player by Moonlight, 1924 |
Kyrie Eleison
domingo, 17 de março de 2024
Beatitudes (66) Música da noite
sexta-feira, 15 de março de 2024
A degradação da paisagem política
Não vale a pena comentar o caos em que as decisões de Marcelo Rebelo de Sousa lançaram o país. Também não vale a pena salientar que o nosso sistema semipresidencial é um problema, devido aos poderes arbitrários dos Presidentes da República. Vale a pena, porém, olhar para o país e para aquilo que estas eleições mostram. Em primeiro lugar, o tradicional centro político (CDS, PSD e PS), embora maioritário no país, já não chega aos 60%. Em 2022, os três partidos somados ultrapassavam ligeiramente os 70%. Uma radicalização que atingiu duramente os resultados do PS, mas que também paralisou o par CDS e PSD, que, como AD, têm mais ou menos a mesma percentagem de votos que em 2022. A rasura do centro é um preocupante sinal de degradação da vida democrática.
A paisagem política mudou radicalmente com os 18% do Chega. O seu crescimento exponencial é outro dado da radicalização do país. Não apenas por ser um partido populista, mas pelo facto de conseguir atrair o eleitorado não tendo qualquer consistência discursiva ou de atitude. Se compararmos o Chega com o Vox espanhol, percebemos de imediato uma diferença significativa. O partido espanhol é altamente estruturado, tanto do ponto de vista ideológico como do comportamento das suas lideranças. O partido português chega a uma votação significativa apenas fundado nas diatribes de André Ventura, no comportamento desrespeitoso perante os adversários políticos, as instituições democráticas da República e os grandes valores do 25 de Abril. Na prática, os eleitores não fazem ideia de quais são as políticas substantivas do Chega. Mesmo assim votam nele, como se houvesse um desejo de destruição, a começar na destruição do PSD – um dos objectivos de Ventura – e a seguir da democracia tal como a entendemos.
Outro sinal da radicalização da nossa
sociedade é a erosão do Partido Comunista. É preciso compreender o papel
central que este partido tem tido no equilíbrio do sistema político. Não tanto
no jogo parlamentar, embora também aí tenha tido papel de relevo, mas no jogo
social, onde o papel do PCP nos sindicatos tem sido central para evitar
contestações anárquicas do regime e tem servido de escape aos sentimentos
negativos que podem atingir parte da população. Neste momento, existem já
movimentos de contestação inorgânicos, que não obedecem a qualquer
racionalidade política, os quais são uma ameaça para a saúde da democracia. A
erosão parlamentar do PCP e a do movimento sindical, que dificilmente será
travada, é um outro sintoma de degradação da paisagem política no momento em
que a transição à democracia faz 50 anos.
quarta-feira, 13 de março de 2024
XI En suspens
segunda-feira, 11 de março de 2024
A tal maioria sociológica de direita
Umberto Boccioni, Agitate Crwod Surrouding a High Equestrian Monument, (1908) |
sábado, 9 de março de 2024
O progresso moral da humanidade (16)
Xaime Quessada, La guerra, 1967 |
quinta-feira, 7 de março de 2024
Cadernos do esquecimento 53 Duplicar a vida
Paul Signac, Women at Well, 1892 |
terça-feira, 5 de março de 2024
Nocturnos 115
Camille Pissaro - Boulevard Montmartre - Night, 1897 |
segunda-feira, 4 de março de 2024
X Der Zauberlehrling
sábado, 2 de março de 2024
A crise das democracias liberais
A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. M. Estlund afirma “A ideia de democracia não é naturalmente plausível”. Recentemente, numa antecipação da sua biografia a sair em Outubro, o senador republicano Mitt Romney afirmava que “A experiência da América com a autogovernação está em luta contra a natureza humana”. De facto, a democracia liberal (a ideia de autogovernação) parece não estar inscrita na nossa natureza. Uma visão próxima de Kant poderá argumentar que a democracia liberal é um projecto da razão para domesticar a nossa animalidade. Não descartando a tese kantiana, prefiro uma outra, a da relação íntima entre democracia liberal e cristianismo.
O cristianismo na sua natureza mais fundamental é uma religião adversa à natureza humana. Se olharmos para outras religiões percebemos que nascem daquilo que os homens são. O cristianismo, pelo contrário, propõem uma visão moral que confronta a nossa natureza, que exige que a superemos. Uma ética fundada em dar a outra face ou em amar os inimigos está em viva contradição com a natureza humana. O cristianismo é um programa de luta contra as nossas pulsões mais vivas, como não se cansou de denunciar Nietzsche. A democracia liberal resulta do próprio cristianismo, mesmo se igrejas cristãs se lhe opuseram. As correntes políticas democráticas – conservadorismo, liberalismo e socialismo – são emanações de diversos aspectos que estavam unidos no cristianismo (a tradição, a liberdade do cristão e o livre-arbítrio, a igualdade perante Deus). A democracia herdou, da sua fonte cristã, esse aspecto contra-natura, de que falam Estlund e Romney.
As democracias modernas liberais tremem porque o cristianismo com os seus imperativos contra-natura está a evaporar-se da consciência dos homens ocidentais, mesmo daqueles (ou em primeiro lugar desses) que se dizem cristãos ortodoxos e advogam um fundamentalismo tradicionalista. A democracia liberal, com as suas regras de reconhecimento do adversário político e da admissão de que ele tem direito a governar, só é possível num mundo onde dar a outra face e amar os inimigos faça sentido e condicione as consciências, mesmo a dos não crentes. Quando isso desaparece, como está a desaparecer, quando a sociedade se converte a um neopaganismo como se está a converter, e como se converteu na Itália fascista e na Alemanha nazi, a democracia liberal perde o seu fundamento e entra na crise a que assistimos.
quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024
Eleições e segurança
O problema da segurança interna não reside em termo-nos transformado num país inseguro. A insegurança nasce do comportamento das próprias forças de segurança, do seu afrontamento ao poder político legitimamente constituído. O caso da manifestação perante o Capitólio, no dia do debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro, foi o sinal decisivo de que a autoridade do Estado está a ser escavada, politicamente escavada. Também a ameaça dos militares entrarem em protestos é um inadmissível desafio à ordem constitucional e à segurança interna. Pode-se compreender que polícias e militares estejam descontentes com as suas remunerações, o que não os diferencia da restante função pública. O que não se compreende é o desafio à autoridade do Estado daqueles que têm a função de velar por ela.
Os
desenvolvimentos geopolíticos trazidos pela invasão da Ucrânia e a possível
vitória de Donald Trump nas eleições de Novembro, nos EUA, estão a pôr em causa
os fundamentos da defesa externa de Portugal, assente na NATO. O fim da NATO,
ou uma versão desta sem empenho dos EUA, tornará toda a Europa, Portugal
incluído, um alvo apetecível de potências inimigas, mesmo daquelas que estão em
silêncio, contidas pela existência da NATO. Que papel, por exemplo, seria o da
Turquia num mundo sem a NATO, a que ela pertence? Que pretensões poderia
acalentar? A questão da segurança externa, aliado à da segurança interna, é o
principal problema que o país enfrenta e não a questão das pensões, dos
salários, dos impostos. Discutir o futuro das Forças Armadas e o da afronta à
ordem pública e constitucional são assuntos vitais para o país, mas aqueles que
querem governar preferem ignorá-las, pois escaldam e não dão votos. Preferem os
jogos florais e a tômbola das promessas.
P.S. O artigo foi escrito ainda antes de Pedro Passos Coelho ter estabelecido relação entre imigração e insegurança, contribuindo desse modo para o crescimento da insegurança.
terça-feira, 27 de fevereiro de 2024
Comentários (16)
Fernando Lemos, Coisas de Vidro, 1949 (Gulbenkian) |
domingo, 25 de fevereiro de 2024
Ensaio sobre a luz (114)
Emil Nolde, Lake Lucerne, 1931-34 |
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024
IX Vertige
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024
Mitt Romney e o autogoverno em perigo
Francis Bacon, Man Turning on the Light, 1973-74 |
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024
Simulacros e simulações (60)
Fernando Azevedo, Composição, 1958 |
sábado, 17 de fevereiro de 2024
Este não é o meu mundo
Esta sensação de não se pertencer ao mundo em que se vive não é inédita. Contudo, cada um tem a sua experiência e é essa que conta para ele. O meu mundo começou antes de eu nascer. Começou em 1945, com o fim da segunda grande guerra. Nasci nele e fui por ele moldado, mesmo se vivi muitos anos num país que estava fora do mundo que existia. Esse mundo que me acolheu fugia de um outro tenebroso. Trazia uma promessa de liberdade, que demorou, como tudo, a chegar a Portugal. Havia nele um conjunto de valores e de perspectivas do que era uma vida digna de ser vivida, tanto ao nível moral como político. Havia também a ilusão, vejo-o agora, de que esse mundo tinha um grande futuro diante de si. Nós que vivíamos nesse mundo fugíamos das trevas e não sabíamos que nos estávamos a dirigir de novo para elas.
Aqueles que
viveram, em 1974, quase trinta anos depois, a chegada do mundo que começara em
1945, lembram-se que as grandes figuras políticas de então, apesar de
defensoras de um regime de liberdade, eram figuras graves. Tinha-se a
percepção de que elas estavam seriamente preocupadas com o rumo da comunidade.
Não sei bem quando isso se perdeu, mas talvez tenha sido no início deste
milénio. Esse mundo da gravitas política está morto. Talvez tenha
morrido quando deixei de ser o senhor Maia e passei a ser o senhor Jorge. Um
mundo em que apenas os clowns fascinam o eleitorado, onde gente sem
programa, a não ser aproveitar a liberdade para a matar, nem ideias sobre o
país é idolatrada pelas novas gerações já não é o meu mundo. Vivemos já, estou
convicto, num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder,
mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede
de sangue e miséria.
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024
O projeto do Chega
Foto encontrada aqui |
Consta que esta foto foi tirada quando o líder do Chega e cerca de uma centena de apoiantes se preparavam para fazer um vídeo, no dia de Carnaval, para a campanha eleitoral nas redes sociais. É possível que nem os simpatizantes, nem os militantes do Chega, nem o próprio André Ventura percebam o que a fotografia diz. Tem duas mensagens políticas muito fortes e pouco agradáveis.
Em primeiro lugar, é a natureza narcísica da liderança do Chega. A política para André Ventura é um espelho para que ele se possa contemplar. Há um culto da personalidade que lembra não apenas Donald Trump, mas figuras como Estaline, Mussolini, Hitler, Mao Tse-Tung ou os déspotas da Coreia do Norte. Mesmo nos políticos democráticos, existe um forte narcisismo, contudo nunca chega ao fomento do culto da personalidade.
A segunda mensagem está relacionada com o modo como o líder do Chega parece ver a sociedade. A sociedade é vista como um terrível, o mais terrível, igualitarismo. A esquerda defendeu, e defende ainda que de forma mais mitigada, um igualitarismo social e económico. Aquilo que vemos na fotografia é um igualitarismo existencial, a anulação da diferença que o rosto de cada um significa. O projeto do Chega é o da eliminação da identidade pessoal, para que todos sejam à imagem e semelhança do querido líder.
terça-feira, 13 de fevereiro de 2024
VIII Fem
Albertina Mântua, sem título, 1958 (Gulbenkian) |
amarelas desenham melodias
onde um anjo trémulo as guarde
nas noites que parecem claros
dias
um mar de cinza silente
abre-se à luz de repente
[Quinze poemas sob música de György Ligeti, 2007]
domingo, 11 de fevereiro de 2024
Nocturnos 114
Aert Van Der Neer, Nocturnal Canal Landscape with Fishing Boats, c. 1645-1659 |
sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024
Uma alucinação
Bartolomeu Cid dos Santos, Velhos guerreiros tentando iludir o medo (Gulbenkian) |