quinta-feira, 19 de junho de 2025

Avatares, Influencers e Seguidores


Como estamos a destruir os nossos modelos de sociabilidade? O núcleo central dessa destruição parece residir nas redes sociais e nas suas estratégias algorítmicas. Contudo, há duas realidades que merecem uma atenção especial. Por um lado, o uso de avatares; por outro, o par influencers – seguidores. Ambos são modalidades que põem causa o modo como construímos a relação com os outros. Estas realidades virtuais têm um enorme potencial destrutivo, pois transitam facilmente do mundo digital para o mundo real, quando não o substituem de modo radical. Há dois problemas morais que estas realidades colocam.

O avatar é usado para manter o anonimato e esconder o rosto da pessoas por uma imagem simbólica. O rosto, segundo o ensinamento do filósofo Emmanuel Lévinas, não é apenas um conjunto de traços físicos, a composição de uma figura determinada pela lotaria genética e a interacção com o meio. O rosto do outro é manifestação  de uma diferença absoluta em relação a mim. É uma presença que me interpela e questiona. Mas também é a revelação de uma vulnerabilidade. Contudo, é essa vulnerabilidade que traz com ela um apelo dramático: não matarás! Quando se esconde o rosto através de um avatar, esconde-se a vulnerabilidade, mas também a injunção: não matarás! A qual está nos alicerces da nossa sociabilidade.

Se o Iluminismo nos trouxe alguma coisa de fundamental, foi não apenas o reconhecimento de que somos seres racionais, mas que isso tem consequências no campo moral e político. Seres racionais pensam por si próprios – mesmo quando se colocam no lugar do outro. Esse pensar por si é a marca da autonomia e da dignidade humana. O par influencers – seguidores é a subversão da ideia iluminista da autonomia da pessoa. O seguidor submete a sua opinião à opinião do influencer, aliena a sua autonomia de pensamento e com ela a dignidade que deve ser a essência de um ser dotado de razão.

Nada disto é inócuo. Nem a praga dos avatares, nem epidemia de influencers com os seus rebanhos de seguidores. Exploram a fragilidade humana, desarticulam o respeito pelas instituições da vida comum, abrem brechas na sociabilidade que permite vivermos uns com os outros. Os regimes democrático-liberais fundam-se no respeito que o rosto do outro me exige e na concepção de que temos uma dignidade porque somos seres que conseguem pensar por si mesmos. São estes pilares que estão a ser, visivelmente, corroídos. Uma situação para a qual, as democracias parecem não saber como lidar com ela.

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