sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A doença das democracias liberais


Em curta entrevista concedida este ano ao Estadão de S. Paulo, o cientista político Yascha Mounk, especialista na crise das democracias liberais, afirmava temer que não se esteja perante um mero episódio de populismo, mas a entrar numa era populista. Os líderes populistas ocupam já parte significativa dos governos em países ocidentais e quando os eleitores percebem que esse tipo de políticos é bem pior que os tradicionais, não volta às opções moderadas mas opta por populistas ainda mais radicais.

O romancista Amós Oz oferece duas razões plausíveis para a emergência desta crise universal das democracias. Uma primeira é a redução da política ao entretenimento. As pessoas votam porque querem divertir-se, excitar-se, querem novidade e escândalo, desligando o voto daquilo que vem a seguir. Se aceitarmos o argumento de Oz, podemos procurar as fontes que promoveram o entretenimento a factor cultural determinante das condutas políticas. A televisão e as redes sociais são uma dessas fontes, pois transformaram tudo em entretenimento, tornando-o no modelo da vida social. Outra vem da própria educação e da retórica contínua que a visa modernizar, substituindo o esforço e a superação pela busca de prazeres fáceis e recompensas imediatas, isto é, pelo entretenimento.

Uma segunda ideia do escritor israelita prende-se com a grande complexidade do mundo actual. A globalização ou a questão climática, por exemplo, são de tal maneira intrincadas que os eleitores não as compreendem. Os níveis de literacia do cidadão médio são insuficientes para lidar com a sociedade em que vive. A consequência é a eleição de políticos que oferecem soluções simples. Por norma, esses políticos escolhem um bode expiatório e acusam-no de todos os males que atormentam as pessoas. Esta mentira é agradável aos eleitores e estes, sem instrumentos para pensar e avaliar a realidade, optam pelo mais fácil e o que lhes parece mais agradável.

É possível que estejamos a entrar numa fase de persistente retracção dos valores democráticos. O mais preocupante é que parece haver pouca capacidade para deter esta onde de irracionalidade. Assistimos a um teste dos mais difíceis que se podem colocar às democracias representativas. Serem vítimas já não de golpes militares ou revoluções, mas dos seus próprios resultados. Os eleitores escolhem democraticamente aqueles que pervertem ou perverterão os regimes democráticos, como se o conjunto de direitos civis e políticos que estes regimes asseguram fossem irrelevâncias que se podem dispensar.

[A minha crónica no Jornal Torrejano]

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Pretérito Imperfeito 8. Esperança

Albert Gleizes, Composición octogonal, 1922

8. Esperança

Sombras da tarde.
Um toldo de Verão,
restos de calcário,
a esperança vinda
no vinho bebido
pelo copo vazio
do meu coração.

[Pretérito Imperfeito, 1981]

domingo, 20 de outubro de 2019

Portugal, um país a dissolver-se

Daqui
O retrato de Portugal, baseado num conjunto diversificado de estatísticas do Pordata, não é animador. Envelhecido, média de idade das mães no momento do nascimento do primeiro filho e média de filhos por mulher muito pouco animadoras, poucas habilitações literárias, com grandes gastos em saúde (5,4% do rendimento familiar contra 0,4% da média europeia). Vale a pena ver os resultados, alguns são inusitados como Portugal, um país com crónica falta de médicos, ser o terceiro país da União Europeia com mais médicos. Também a instituição casamento já teve melhores dias, pois 54,9% das crianças nasce fora do casamento. Há coisas positivas com o baixo índice de mortalidade infantil, por exemplo. Seja como for, tendo em conta os dados, Portugal parece estar lentamente a desistir de si próprio, num haraquíri silencioso. Ora o principal problema político de uma comunidade é assegurar a sua persistência no tempo, a sua continuidade. Todos os outro problemas - onde se incluem o da justiça distributiva - estão, ou devem estar, subordinados a esse. É incompreensível como esse não é um dos temas centrais do debate político. Um país a dissolver-se.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

A Catalunha de novo

Gerda Taro, Crowd outside morgue after air raid,Valencia, Spain, 1937
O problema da Catalunha não está no independentismo, está na própria Constituição. Ao bloquear a possibilidade de se mostrar, através de um referendo legal, aquilo que os catalães querem, a Constituição espanhola torna impossível uma solução. Muito provavelmente, um referendo na Catalunha daria a vitória à continuidade e seria uma pesada derrota para o nacionalismo catalão. Este alimenta-se do nacionalismo castelhano. Agora são as condenações que dinamizam a mobilização popular. Amanhã será outra coisa. Ironicamente a situação da Catalunha está mais próxima do Curdistão - onde os curdos não se podem pronunciar - do que da Escócia, onde a possibilidade dos escoceses poderem escolher está assegurada, já o tendo feito e escolhido ficar no Reino Unido. O normal seria a Espanha estar mais próxima de Inglaterra do que da Turquia, mas as democracias ibéricas são demasiado imaturas para permitir a livre escolha das comunidades e dos indivíduos.

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

A manutenção de Brandão Rodrigues

Martins Barata, A lição de Salazar. Cartaz distribuído nas escolas em 1938
António Costa não é pessoa para tomar decisões sem as calcular. Quando escolheu Tiago Brandão Rodrigues para ministro da Educação pensou-se que era um erro de casting, uma daquelas escolhas que os primeiros-ministros fazem para dar um ar mais independente ao gabinete. O ministro desde cedo tornou evidente que não fazia a mínima ideia do que tratava a pasta que lhe tinha sido atribuída. Durante quatro anos, foi de uma absoluta irrelevância. Deixou a rédea larga a quem tinha planos mais pessoais ou mais mirabolantes, isto é, aos secretários Alexandra Leitão e João Costa. Se o ministro não sabia nada no início do mandato, a situação não melhorou no fim. Pessoas generosas podem ter pensado que António Costa não o substituiu para não fazer um favor à oposição e aos sindicatos de professores.

Com a recondução do ministro, toda a gente ficou a perceber que a escolha de Costa fora, desde a primeira hora, deliberada. Quis uma figura fraca num ministério que quis e quer fraco. Contrariamente ao que pensam muitos professores e sindicatos, não se trata de um particular azedume com os docentes. Trata-se antes de uma visão da educação enquanto política pública. A retórica do tempo de Guterres, com a sua paixão serôdia pela educação dos indígenas, passou de moda há muito. Para os socialistas, tal como o mostrou Sócrates, mas também para a direita, a educação é uma enorme encrenca, onde se dilapidam com gente sem mérito os recursos necessários para outros lados. Quando se escolhe para ministro alguém que não sabe nada da área, que nem sequer é um ministro político, a explicação é simples. Quer-se vincar a pouca importância que essa área deve ter nos negócios políticos da nação.

Enquanto se ganha tempo para entregar toda a educação não superior, incluindo o professorado, nas mãos dos municípios ou na dos privados pagos pelo erário público (não se iludam com a reversão dos contratos com os colégios privados, pois tudo é uma questão de tempo e de oportunidade, isto é, percentagem de votos), faz-se baixar o peso político da área, para que esta não incomode demasiado. Que política é esta? É uma política clara e distinta. Quem tem dinheiro põe os filhos nos colégios privados, caso viva em sítio onde existam, ou paga generosamente a explicadores, se tiver a infelicidade de viver em sítios onde não os há. E os outros? Os outros, os que não têm dinheiro, não contam. Para esses há a flexibilização curricular, as medidas de inclusão, as escolas dos projectos, das articulações curriculares e de outros jogos florais que, desde o tempo de Cavaco e Roberto Carneiro, as elites governativas tentam impingir às escolas, sempre com a acintosa resistência do professorado. O importante é que os alunos sejam felizes, mesmo que não saibam nada. Uma figura irrelevante é a escolha mais sensata para uma pasta que se quer irrelevante. É este o pensamento educativo dos socialistas, como o é, de outra maneira, o da direita.

domingo, 13 de outubro de 2019

O papel da classe operária

Ipsos Sopra-Steria, Fractures Françaises 2019
Quando Jean-François Lyotard veio falar no fim das grandes narrativas - ou metanarrativas - meio mundo caiu sobre ele. O filósofo francês já morreu há mais de 20 anos, mas basta olhar para a tabela acima para compreender como uma das metanarrativas políticas mais influentes e persistentes no século XX foi reduzida a estilhaços, o que parece dar-lhe alguma razão. Refiro-me ao comunismo. Talvez ainda se lembrem do glorificado papel do proletariado como vanguarda que faria a humanidade transitar da opressão capitalista para a sociedade comunista, onde a abolição da propriedade privada, através da acção daqueles que nada têm (os proletários), nos conduziria a uma sociedade sem Estado e, por isso, sem dominação e opressão.  A classe operária encarnava a vanguarda da história.

O quadro apresentado é desolador. Em todos os itens, os operários franceses, em comparação com outros estratos sociais de França, são aqueles que possuem as posições mais retrógradas (melhor, reaccionárias), e as mais ameaçadoras para a existência de uma vida civilizada. São os que mais defendem a reintrodução da pena de morte, são os únicos que, maioritariamente, acham que o Rassemblement Nationale (de Marine Le Pen) é capaz de governar o país. Também é entre o operariado que aqueles que julgam que há outros sistemas que podem ser tão bons como a democracia são maioritários. Isto para não falar na rejeição da mundialização e na relação com os estrangeiros. São também os que mais aceitam a violência dos coletes amarelos, com uma taxa de rejeição inferior a 40%.

Percebe-se que um velho comunista possa sentir-se desolado e amargo. No entanto, aquela história da vanguarda proletária da humanidade nunca passou de uma ficção. O discurso de vanguarda revolucionária foi sempre e essencialmente uma narrativa de intelectuais iluministas radicalizados, os quais arrastaram alguns elementos das classes operárias também com propensões intelectuais e aspirações iluministas. Em muitos países as classes operárias foram reformistas, na melhor das hipóteses, e conservadoras, para não dizer reaccionárias (ver os EUA e a eleição de Trump). Em alguns momentos e lugares, julgaram poder abrigar-se num regime de ditadura do Partido Comunista, mas não por serem revolucionárias, mas por sentirem necessidade de protecção. 

Agora os operários aderem às soluções iliberais e reaccionárias pelos mesmos motivos, por necessidade de protecção de um mundo que não compreendem e que temem com não pouca razão. Na verdade, as classes operárias foram e são essencialmente passivas, embora se possam revoltar aqui e ali (veja-se o apoio aos coletes amarelos). O que mais temem é a iniciativa, pois esta torna-lhe o mundo um lugar  permanente de desconforto. Talvez o grande sonho do operariado - um sonho de que os operários terão uma percepção muito difusa - seja o retorno à situação prévia à Revolução Industrial, ao mundo protegido pela estratificação social em que viviam, onde apesar de tudo tinham um lugar que era o deles. Talvez seja este o significado do seu amplo apoio à política de Marine Le Pen. Isto está a chegar a Portugal, com o atraso habitual.

sábado, 12 de outubro de 2019

Pretérito Imperfeito 7. Ânsia

Emma Fernández, El Bosque, 1996

7. Ânsia

Que fizeste da ânsia 
com que aos dias
te entregavas?

Morreu-te o instinto 
e tudo é sombra
sobre a água do rio,
caminho perdido
onde caem loucos 
os loucos animais.

[Pretérito Imperfeito, 1981]

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Das eleições, leituras


1. APESAR DO PRÓPRIO PARTIDO. O PS teve um bom resultado, mas não excelente. Não conseguiu penetrar significativamente na esquerda e alienou, em campanha, uma parte do centro para o PSD. A governação era propícia para chegar a uma maioria absoluta. No entanto, os portugueses desconfiam do PS. Não foi apenas o reinado de Sócrates. São as ligações familiares, os negócios de ocasião, a forma como parece enrolado em Tancos. Para acabar, até o sagaz António Costa se deixou envolver numa querela sem sentido com um alegado militante do CDS. Se há partido que precisa de uma grande reforma (moral), esse é o PS.

2. UM NINHO DE VÍBORAS. O discurso de domingo de Rui Rio cheirou a desculpa de mau pagador, a uma tentativa de descobrir uma vitória onde houve uma derrota pesada. PSD e PS são duas máquinas vorazes de poder. Fora dele, sem o ter à vista, tornam-se autênticos ninhos de víboras, ainda mais o PSD que o PS. Rui Rio, no seu discurso, não evitou ser viperino. Fez uma boa campanha, ajudado pelo desnorte do PS, mas até ela sempre foi um líder sofrível. O PSD vai discutir lideranças. É inevitável, mas mais do que isso precisa de discutir a sua armadura ideológica e o que quer para a sociedade em que vivemos.

3. O FIM DA JUVENTUDE. O Bloco de Esquerda perdeu cerca de 50 mil votos. Essa, porém, não foi a sua maior perda. Começa a parecer-se com os partidos do arco da governação. Abandonos, cisões, imposições vindas de cima, o BE perdeu a inocência e, apesar de se ter afirmado como terceiro partido nacional, está a dissipar o encanto que arrastou – e ainda vai arrastando – uma juventude idealista e contestatária. Está a transformar-se, mais depressa do que se suspeita, num partido velho e de gente velha.

4. MERCADOS EM RETRACÇÃO. O CDS e a CDU sofrem do mesmo mal, a retracção do seu mercado eleitoral. O mal do CDS é que a sua imagem está colada ao que se poderia chamar um partido de betos. Enquanto não largar essa imagem, as suas possibilidades de crescer são muito limitadas. A CDU, melhor, o PCP sofre de um mal idêntico, embora de sinal oposto. As fronteiras do seu mercado eleitoral são fechadas, o partido não tem capacidade de penetrar fora das paredes de vidro que o fecham numa fortaleza onde ninguém entra, mas de onde os eleitores se vão escapando. CDS e CDU parecem reminiscências de um mundo que acabou.

5. O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO. Grande resultado do PAN, uma nulidade política baseada no animalismo, pintalgado de ambientalismo e sem consistência política. Sinal da natureza disruptiva do tempo que vivemos. Sinal do tempo é também o Chega. Vai-se estruturar politicamente, a partir da Assembleia, e vai explorar o ressentimento que há por aí. Pode não ser coisa passageira. Iniciativa Liberal e Livre são a expressão do cosmos lisboeta, das jovens elites anglofilizadas e embasbacadas com um liberalismo que nunca existiu em Portugal, o primeiro, e a representação da natureza multicultural da capital do país, o segundo. Os quatro são frestas para espreitar o futuro.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Chega, uma voz para o ressentimento

Dos novos partidos que chegaram agora à Assembleia da República, o Chega é aquele que me parece ter uma perspectiva mais auspiciosa de crescimento. A principal razão é a de se alimentar do ressentimento. Podemos encontrar dois tipos de ressentimento no país. Por um lado, o ressentimento de camadas sociais mais baixas, completamente despolitizadas, sem iniciativa tanto na vida pessoal como na cívica, perdidas num mundo que parece não ter sido feito para elas. Um discurso como o do Chega explora com facilidade a inveja latente nestes estratos, que poderão encontrar nas simplificações de André Ventura umas verdades sobre as elites políticas democráticas, a quem não amam e nem sequer temem, e que poderão desejar castigar. Não é este, todavia, o único ressentimento que se pode aninhar no Chega. Há franjas das classes médias que têm uma imensa saudade não propriamente do salazarismo mas da ordem existente num mundo que muita gente desses meios não conheceu mas que imagina a partir das narrativas laudatórias com que foi educada. Votaram durante muito tempo no CDS e no PSD, mas nunca se sentiram representadas por esses partidos, demasiado democráticos e respeitadores de uma ordem onde a esquerda política e uma visão liberal dos costumes podem estar integradas. Em caso de crescimento, será a esta camada que o Chega irá buscar os quadros e os ideólogos. O partido de André Ventura pode vir a casar esses dois tipos de ressentimento social aparentemente antagónicos através do uso do Estado. Ao mesmo tempo que pretende limitar certos direitos liberais - civis e políticos - não desdenha de usar os direitos sociais para anestesiar a deriva iliberal. Descurar o poder do ressentimento na vida política pode ser um erro trágico para uma democracia representativa e liberal.

sábado, 5 de outubro de 2019

O 5 de Outubro

Francesca Woodman, From Angel Series, Rome, Italy, September 1977
Poderia falar da República que faz hoje 109 anos, mas o sábado não me parece propício para tal peroração. Há pouco a rua era percorrida por um vento desagradável, pouco conveniente, a lembrar que apesar dos termómetros o Outono já chegou. Talvez as repúblicas sejam regimes outonais, ao contrário das monarquias. Essa porém é um suposição sem sentido. São muitas as coisas sem sentido que me ocorrem em dias como o de hoje, determinado por lei a ser um dia de reflexão. Também eu me coloquei defronte do espelho para ver se reflectia. Nele, nada vi que me lembrasse de mim. Se havia alguma coisa reflectida não era eu. A data de 5 de Outubro é quase perfeita. Os monárquicos podem comemorá-lo, pois foi a 5 de Outubro que monarquia portuguesa começou. Na mesma data acabou a monarquia e começou a República, o que alegrará os republicanos. Só os anarquistas não têm razão alguma para deitar foguetes no dia de hoje, embora possam correr para apanhar as canas. O sol quando nasce não é para todos.

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

O crescimento do hooliganismo político


Um dos efeitos colaterais do surgimento das redes sociais é o da expansão do hooliganismo político. Jason Brennan, no seu livro Contra a Democracia, classifica em três tipos os cidadãos dos estados democráticos. Uns são hobbits. Não têm interesse pela política, não possuem opiniões políticas fortes e permanentes. Ignoram factos, instituições, processos e a história política da comunidade a que pertencem. São politicamente passivos. A segunda categoria é a dos hooligans. Possuem opiniões políticas fortes e permanentes. Defendem com ardor as suas posições, mas são incapazes de articular argumentos contra posições adversas. A sua relação com as suas crenças políticas e a dos adversários é enviesada. Ignoram ou desprezam toda a pesquisa científica que contrarie as suas opiniões. A última categoria é a dos vulcanos, possuem uma visão científica e crítica da política. Fundam as suas opiniões na evidência empírica. Possuem um interesse marcado pela política, mas olham-na de forma desapaixonada.

Por norma, aqueles que fazem política e a vivem, desde a militância até ao suporte partidário ocasional, inscrevem-se na categoria de hooligans. O que parece passar-se, a partir do crescimento das redes sociais, é que parte dos hobbits se está a deixar atrair para discursos radicais, reproduzindo-os, tornando-se fonte de emissão de opiniões professadas pelos hooligans. A polarização política que as redes sociais têm fomentado ajuda a explicar este crescimento do hooliganismo político. Um caso interessante é a reacção à figura de Greta Thurnberg. Encontra-se não apenas nos jornais tradicionais como nas redes sociais uma campanha de ódio contra a adolescente sueca. Não examinam as suas razões ou o sentido da sua causa para as rebaterem de forma racional, mas lançam uma terrível campanha contra a pessoa. Campanha essa que é partilhada por muita gente que, noutros tempos, seria indiferente ao assunto.

A prática política – e a questão climática tem uma clara dimensão política – nunca foi o reino dos vulcanos. No entanto, as democracias representativas cresceram e consolidaram-se num equilíbrio tenso entre as pulsões dos hooligans políticos e um conjunto de virtudes sociais que implicavam o respeito pelo outro, a ideia de que há limites para aquilo que fazemos e dizemos. São estas virtudes sociais que estão a ser dinamitadas deixando o hooliganismo político sem freios e contrapesos. Com a ajuda das redes sociais, o crescente hooliganismo político está a escavar os alicerces que suportaram as democracias ocidentais, baseadas num reconhecimento tácito dos adversários e numa forma de vida civilizada. Não me parece uma boa notícia.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Pretérito Imperfeito 6. Anoitecer

Mark Rothkovich. N.º 15, 1957

6. Anoitecer

Entre vestígios de cal
o espaço bravio
onde te pego nos dedos
com a luz do coração.

E a tarde corre
para o anoitecer e
apaga o fogo
que nascia então.

[Pretérito Imperfeito, 1981]