terça-feira, 10 de setembro de 2013

Andar no escuro

Paul Klee - La muerte por la idea (1915)

Houve um tempo em que amei as ideias e, acima de todas, a Ideia. Olhava de viés para quem não tinha ideias, e muita gente não as tinha. Que estranho prazer o de conter o pulsar das coisas numa gaveta do entendimento. A vida, porém, é feita de decepções e de cansaços. Cansei-me das ideias e a Ideia decepcionou-me. Não consigo perceber quem se bate por ideias e ainda menos quem mata ou morre pela Ideia. Na verdade, não consigo perceber-me a mim mesmo quando amava as ideias e esperava da Ideia a revelação definitiva.  Era um idealista, agora nem sei o que sou. Um cego, talvez. Resta-me aprender a andar no escuro. 

10 comentários:

  1. Em vez de cego porque não "apenas" céptico?

    Abraço

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    1. Mas um céptico não é um cego que se reconhece enquanto tal?

      Abraço

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  2. Que belo post... Não anda sozinho, garanto-lhe. Sou - era - também uma idealista. Mas vejo que as ideias dividem e cansam(-me). Venham mais os afetos...

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    1. No meu caso não se trata de trocar as ideias pelos afectos. Trata-se de não ter ilusões sobre o poder das abstracções, de ver o pensamento menos cristalizado na ideia e no princípio da não contradição, mas olhá-lo como um ser vivo que flui como um rio, que se contradiz, que se engana, que ensaia, que se dá à errância. Qualquer dia falo dos afectos (talvez isso não seja mais que uma mera ideia, talvez.

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  3. Talvez, se ele admitir que "existe" alguma coisa para ser vista.

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    1. Existir alguma coisa para ser vista deve existir, mas mesmo que a vejamos bem (isto é, com boa vista) isso não quer dizer que seja vista adequadamente.

      Abraço

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  4. Olá!

    Talvez o caminho seja assim mesmo, umas vezes iluminado, outras sombrio. Talvez que não sejamos nós que mudamos mas apenas o caminho que é diferente. E nós vamo-lo percorrendo. Se calhar agora não vê, não porque esteja cego mas porque o tempo é de trevas, o caminho escureceu. Não sei. Não sou dada a este tipo de pensamentos.

    Mas admito que mais à frente já está iluminado. Mas temos qu eo percorrer para o descobrir.

    Sabe? Sempre comprei o tal livro de poesia em francês. Publiquei agora um post sobre ele. (Deu-me uma trabalheira e está todo desformatado, uma irritação, e eu que gosto de ver as coisas minimamente arrumadas).

    Mas escolhi uns poemas que, por acaso, até têm um pouco a ver com o seu estado de espírito (je n'ai plus d'interieur, de passion, de chaleur')

    Mas sabe quais são os dois últimos versos do último poema do livro?

    C'est l'hommage rendu à l'absolue clarté
    la racine de l'amour, le coeur aperceptif.


    "Qualquer dia falo dos afectos", diz também você. Fico à espera.

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    1. Não conheço a poesia do Houellebecq, mas fiquei curioso. Quanto aos afectos, um dia destes... Mas digo já que pertenço a um tempo em que os afectos eram coisa da esfera privada e que era de bom tom poupar os outros das nossas afecções.

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  5. Admiro a beleza do seu texto, este, como outros da sua autoria, tocou profundamente, talvez por traduzir algo que eu também sinto e ainda não tinha conseguido pensar. Obrigada.

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