sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Presenças fantasmáticas


A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.

Há dias lembrei-me do filme Império da Paixão (1978), do realizador japonês Nagisa Oshima. A película trata do amor de um homem e de uma mulher, mas um amor assediado pela presença do fantasma do velho marido dela, que eles, para consumarem livremente a sua paixão, tinham assassinado. A recordação deste filme foi desencadeada por dois cartazes da campanha eleitoral para a Câmara de Torres Novas. Em cada um dos cartazes vê-se o candidato a Presidente – Pedro Ferreira (PS), num, Henrique Reis (PSD), no outro – ao lado, na verdade ligeiramente à frente, de uma outra personagem, António Rodrigues e Arnaldo Santos, respectivamente.

Dirá o leitor, e não sem razão, que essas personagens são os candidatos dos respectivos partidos à Assembleia Municipal, e por isso se justifica a sua presença nos cartazes. Dir-me-á também, se conhecer a concelho e tiver uma percepção dos partidos locais, que António Rodrigues e Arnaldo Santos são pessoas com muito peso na sociedade torrejana e, desta maneira, são importantes apoios para os candidatos respectivos. É verdade, mas o problema está todo aí.

Não é que Pedro Ferreira e Henrique Reis, talvez mais o primeiro do que o segundo, não tenham, no concelho, um peso político próprio. Têm, mas… António Rodrigues e Arnaldo Santos foram os últimos presidentes da Câmara e o seu peso político e influência na sociedade local ultrapassa o peso e a influência dos actuais candidatos. Os dois cartazes, aparentemente banais, quando interpretados no contexto do sociedade torrejana ganham conotações absolutamente perversas.

O eleitor atento não vê apenas neles a promoção de uma equipa que se candidata a dois cargos, ou o apoio explícito de alguém que já desempenhou o cargo de Presidente do Município ao seu candidato. De imediato, lhe vem ao pensamento a ideia de tutoria. Pelo seu peso político esmagador, António Rodrigues e Arnaldo Santos surgem como os tutores dos candidatos dos seus partidos. O que fragiliza, ipso facto, as próprias candidaturas de Pedro Ferreira e Henrique Reis.

O perigo maior advém, todavia, do facto de António Rodrigues e Arnaldo Santos se terem tornado fantasmas. No filme de Oshima, o marido assassinado não pode amar a mulher mas aparece aos amantes com dedo acusador, e essa sua presença fantasmática leva-os ao desespero e à perdição. Também António Rodrigues e Arnaldo Santos não poderão exercer o poder municipal, mesmo que o seu partido vença, mas a sua presença fantasmática será mais real do que a presença de qualquer vereador eleito. Terrível é ir viver para uma casa assombrada.

2 comentários:

  1. Não conheço os personagens, mas penso que a situação pode ser extrapolada por esse país fora com ou sem fotos nos cartazes.
    (v.g. Oeiras...)

    Abraço

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