Anónimo chinês - Escola e educação
Os educadores [naquela região, Xangai] compreenderam que a economia mundial
vai recompensar a excelência e já não valoriza as pessoas pelo que elas sabem mas
pelo que conseguem fazer com o que sabem (Andreas Schleicher).
Os resultados obtidos pelos alunos da região chinesa de Xangai no PISA deixaram muita gente perplexa, nomeadamente os norte-americanos. Argumentou-se que alguma coisa estaria errada e que, naturalmente, os alunos chineses conseguiriam bons resultados apenas nas tarefas rotineiras, aquelas que podem ser treinadas nas escolas. No entanto, a realidade parece ser radicalmente diferente. Por exemplo, as tarefas matemáticas mais exigentes, que testam a capacidade dos alunos para conceptualizar, investigar e aplicar conhecimentos a novos contextos, são realizadas apenas por 2% dos alunos americanos e 3% dos europeus. Contudo, a percentagem de alunos de Xangai que consegue realizar essas tarefas complexas é de 30%. Três notas sobre esta tragédia ocidental.
Em primeiro lugar, toda a retórica sobre a economia do conhecimento, a importância das aprendizagens, o valor do saber, retórica que infestou os sistemas de ensino ocidentais, com destaque para o português, levou-nos a esta situação. O experimentalismo político, a deficiente formação de professores e a indisciplina dos alunos, bem como uma cultura de desprezo pela esforço, rigor e exigência, muito enraizada nos alunos e, em Portugal, nas famílias, só pode produzir resultados destes.
Em segundo lugar, estes resultados sinalizam claramente para onde se está a deslocar o poder mundial. Os povos asiáticos levaram a sério a questão da economia do conhecimento e perceberam, contrariamente aos ocidentais, onde a sobrevivência e o poder se vão jogar nos próximos decénios. Em vez de jogos florais, trataram de levar muito a sério os sistemas de ensino e os resultados na educação. Acima de tudo, não destruíram a cultura de esforço e de disciplina necessária às aprendizagens mais complexas, às aprendizagens que exigem a aliança entre conhecimento e criatividade.
A terceira nota serve para sublinhar, a partir da citação em epígrafe, o fim de uma cultura da erudição. O que está em jogo não é aquilo que as pessoas sabem, mas aquilo que fazem com o saber que dispõem. A derrota da erudição, porém, não significa uma vitória dos aspectos práticos da existência sobre a produção teórica. Pelo contrário, significa a exigência de elevada capacidade de teorização e, ao mesmo tempo, de estabelecimento de conexões com o mundo da vida, para que teoria e praxis se inter-animem num jogo sem fim. Tudo coisas que o sistema educativo português está longe de conseguir fazer.
Esta notícia deixa-me intrigada e deixa-me apreensiva. Vou ter que pensar um bocado nisto pois tem razão: acho que ainda não percebemos bem o que está a acontecer a todos os níveis.
ResponderEliminarUm post muito oportuno e muito inteligente este. Deixa-nos a pensar - pelo menos a mim deixa.
A situação é, de facto, muito mais grave do que pode imaginar. E a gravidade dela é aumentada exponencialmente pela ausência de consciência do que se está a passar. A questão da educação das novas gerações é uma questão política central - das mais centrais - e nós estamos a desinvestir, tanto economicamente como intelectualmente. Há pouco pensamento pertinente sobre a situação educativa, embora exista muito lixo cognitivo a falar do assunto.
EliminarTrata-se de uma temática que me transcende, não por alheamento mas sim por impreparação.
EliminarPelo pouco que sei, creio que os "modelos nórdicos" são os mais equilibrados.
Abraço
Os modelos nórdicos estão em retrocesso, mesmo a Finlândia desceu bastante no ranking. A Suécia está já atrás de Portugal.
EliminarAbraço
A única surpresa é a surpresa dos americanos, ainda este ano estivo com o director de admissões de uma escola especializada ( tecnologia 3d, VFX) de Los Angeles e ele confirmou que os melhores alunos eram chineses, aliás até nas universidades os melhores alunos, nos EUA são Asiáticos.
ResponderEliminarO que me deixa a pensar é que os chineses se estão a formatar adequadamente para o sistema vigente, mas pode ser que o sistema mude, e não é uma profecia, é a leitura da realidade. A escola está num limbo, não pode competir com a velocidade de outros meios de aquisição de informação e não os incorpora de forma crítica. Em Portugal a escola é um laboratório de intermináveis dr jekil.
Não creio que os chineses se estejam a formatar para o sistema vigente. São eles que apresentam os melhores resultados naquilo que é mais plástico, menos rotineiro. Parece-me, mas isto é visto a partir de um olhar superficial dos resultados, que eles estão a educar-se para terem maior maleabilidade intelectual e poder de adaptação. Mas, como disse, não estudei as provas nem o relatório. Vi apenas os resultados.
EliminarAgradeço a informação. Reconheço que estou desactualizado e, sobretudo, "influenciado". Pensava que a Finlandia, a Dinamarca e a Noruega, além da Austrália, Cuba e Nova Zelândia estavam no topo.
ResponderEliminarJulgo que Cuba não fez parte do estudo. Pode-se aceder aos resultados das várias áreas aqui: http://www.oecd.org/pisa/keyfindings/pisa-2012-results-volume-i.htm
EliminarAceder às tabelas excel dos capítulos 2, 4 e 5. Os resultados são interessantes. Uma coisa curiosa é que os desempenhos de topo são mais numerosos em matemática do que na língua materna.
Gostei de ler esta perspetiva, mais informada e mais alargada do que a minha, num post recente. Eu, do que havia lido, tinha-me horrorizado com a rotina mecânica da escola de Xangai e a ser verdadeira continuo a horrorizar-me. Por tudo o que explico lá. Mas li pouco sobre o assunto. Acredito que os resultados e a competitividade fazem a diferença mas a que custo, também, interrogo-me. Não sou fã das sociedades mecânicas, seja lá de que forma for. Bom fim de semana,
ResponderEliminarNós acabamos por ter imagens muito estereotipadas dos povos asiáticos, bem como das suas instituições. É evidente que haverá muito trabalho de mecanização, mas isso é necessário em todos os processos de aprendizagem sérios. Só depois dessa mecanização é que se libertam as forças criativas comprimidas. Julgo que é isso que se está a passar no Oriente.
EliminarBom fim-de-semana