Será o liberalismo um conjunto de ideias negativas, das quais devemos
fugir como o diabo foge da cruz? Em teoria, o liberalismo é uma ideia
moralmente aceitável. Não é injusto pensar que a distribuição de encargos e de
recompensas sociais deva ser regulada por contratos que seres humanos livres,
racionais e iguais estabelecem entre si. Identifico-me completamente com esta
ideia. Em teoria, sou um liberal. Por que motivo me oponho com tanta veemência
às políticas governamentais e ao actual rumo liberalizante de Portugal? Por
dois motivos.
Para começar, o problema está em que, mesmo numa sociedade livre, nem
todos possuem o mesmo grau de liberdade, incluindo de liberdade negativa, a de
não se ser coagido por terceiros. Por outro lado, o grau de racionalidade dos
seres humanos também é diferenciado, havendo seres humanos, ainda que dentro
dos limites da legalidade, tiram vantagens imorais do uso estratégico e
instrumental da sua razão, condenando outros, racionalmente mais débeis, a
situações desfavoráveis. Por fim, os contratos estão, muitas vezes, longe de
ser um acordo estabelecido entre pessoas livres e iguais. São, antes, o
resultado de um conflito dissimulado em que o mais forte impõe as suas
condições ao mais fraco.
O segundo motivo, derivado do primeiro, liga-se à natureza da
sociedade portuguesa. Basta ver um telejornal para perceber a fragilidade de
parte substancial dos portugueses. Sem competências para actividades complexas,
desprovidos de capital simbólico, habitando num mundo que já acabou, presos a
uma enorme fragilidade social e individual, muitos e muitos portugueses estão
longe de encarnar a racionalidade livre que o liberalismo pressupõe. Como
poderiam eles, em todos os campos da sua existência, enfrentar uma sociedade
plenamente liberal? Não poderiam. E essa impotência condená-los-ia à pura
exclusão social, à sua transformação em párias.
Se não somos, à partida, todos iguais e se a nossa sociedade é muito
frágil, o liberalismo apenas pode ser um ideal regulador da acção da
comunidade. As novas gerações devem ser educadas para a racionalidade, para que
cada um tenha poder suficiente para viver livre e racionalmente. Isso, porém, exige
a solidariedade da comunidade. Ora essa comunidade tem os seus instrumentos de
decisão, aos quais damos o nome de Estado. O Estado não é apenas um dispositivo
para manter a ordem e a segurança. Deve ser também um mecanismo que assegure a
solidariedade que visa a liberdade de todos e de cada um.
P.S. Talvez o Natal também
exista para que não transformemos grande parte das nossas sociedades em guetos
de párias e de excluídos. Um bom Natal.
Comento depois, mas aqui ficam os votos de um Bom Natal !!!
ResponderEliminarUm Bom Natal para si, também.
EliminarEm teoria (quase) todos os sistemas são bons -os homens é que são maus- mas não estou a ver o liberalismo a aceitar a intervenção do estado.
ResponderEliminarEsperemos que este Natal resulte.
Desejo que o do Jorge seja o melhor possível.
Um abraço
Bem, a parte da intervenção do Estado é aquilo que os liberais rejeitam, mas que é necessário para que a sociedade não se torna num conjunto de guetos.
EliminarSeja como for, não há liberalismo sem a intervenção do estado e a submissão deste à ideologia e aos interesses dos liberais.
Bom Natal para si, caro JRD
Abraço