Josef Sudek, Promenade from Kolin island, 1923 |
quinta-feira, 30 de dezembro de 2021
Beatitudes (48) Luz e sombra
terça-feira, 28 de dezembro de 2021
A Garrafa Vazia 75
domingo, 26 de dezembro de 2021
Descrições fenomenológicas 67. Rua com neve
Juan Suárez Ávila, Panorama desde el puente, 1974 |
No fundo da rua, as casas da perpendicular que a termina, deixam que os olhos avistem os telhados. Cobrem-nos uma neve branca, pura, cintilante ao ser batida pelos raios de sol, se a névoa os deixa escapar. Nos muretes das varandas e nos parapeitos das janelas, a mesma neve persiste em equilibrar-se, numa harmonia difícil, num jogo que o vento, por vezes agreste, insiste em desfazer, arrastando para o chão pequenas bolas misteriosas na sua brancura imaculada. A rua, de tão sombria, contrasta com essa visão dos telhados. Também a neve a cobre, mas não passa de uma mistura de gelo, lama e água suja. Não se avistam carros, embora o chão retenha ainda o sulco da sua passagem. As paredes de um dos lados têm janelas com grossas grades de ferro, no rés-do-chão, mas as dos primeiros e segundos andares – é uma rua de casas baixas, indigna, dir-se-á, de fazer parte de uma grande metrópole – não têm defesas contra assaltantes. Os vidros parecem sujos, embora por eles perpasse a existência de vidas no interior dos apartamentos. Uma ou outra janela está aberta e, por vezes, alguém assoma por uma delas, deixa correr os olhos pela rua, abana a cabeça ou encolhe os ombros, enquanto flocos de neve descem para poisar nos candeeiros de iluminação pública, nos passeios, na estrada. Do outro lado, as janelas estão cobertas por tapumes, algumas fechadas com tijolos, outras apresentam vidros partidos, por onde sai, sem pressa, a escuridão que delas se apossou. Ao fundo da rua, um homem aproxima-se da perpendicular e corta à esquerda. Segue-o, a curta distância, outro que pára, hesita, olha para trás, por fim, opta por voltar à direita, com o passo indeciso de quem não sabe onde está nem para onde deve ir. A meio da rua, um casal, já não são novos, caminha indiferente à queda da neve. Vão vestidos com grossos casacos compridos de Inverno. Ele leva um guarda-chuva na mão esquerda, usa-o como se fosse uma bengala, enquanto ela lhe dá o braço, carregando na mão direita uma mala de senhora, talvez de dimensões excessivas para quem anda a pé. Fico a vê-los afastarem-se, em passo comedido para não escorregarem, percebo que trocam palavras. Passam indiferentes à vida de um dos lados da rua e à ruína que vai carcomendo o outro. Tudo neles tem a marca de um longo hábito e nada do que ali possa acontecer os surpreenderá. Depois, esqueço-me deles, da rua sombria, do destino das casas. Os olhos prendem-se, então, à brancura imaculada dos telhados, ao reverberar da neve, à luz cintilante que a ilumina.
sexta-feira, 24 de dezembro de 2021
A persistência da memória (6)
Elliott Erwitt, Confessional, Poland, 1964 |
quarta-feira, 22 de dezembro de 2021
Natal em pandemia
Talvez toda a realidade se tenha tornado ainda mais incerta e o Natal
tenha sido apanhado nessa onda. A realidade, aquela onde as comunidades humanas
levam a sua existência, nunca foi coisa despida de incerteza. A novidade, se é
que existe alguma, residirá no crescimento exponencial dos mecanismos de
segurança e de prevenção de riscos ter sido acompanhado pelo crescimento da
sensação de insegurança e de exposição indefesa perante as mais diversas
ameaças. A pandemia trouxe uma objectivação global a essa sensação de
incerteza. Um tornado, uma catástrofe, mesmo um conflito armado, todas essas
situações de grande risco são localizadas, parecem, se vistas de fora,
excepcionais. A pandemia tornou manifesto, a toda a gente, que os riscos e a
incerteza são presenças diárias e que não há lugares onde se esteja
completamente protegido.
A experiência do Natal do ano passado, acabadas as festividades, não deixou boas recordações, como se pode ver pelo que aconteceu nos primeiros meses deste ano. Todas as sociedades, mesmo aquelas em que a indiferença religiosa é acentuada, se estruturam em torno de tradições provenientes do seu fundo religioso. No mundo onde o cristianismo é ou foi um elemento base da cultura, o Natal é um desses momentos em que a quotidianidade profana se suspende para que a vida encontre um marco referencial e possa prosseguir. Perante a incerteza em que se vive, agora acentuada pela entrada em cena de nova variante do vírus, há duas atitudes perante o Natal que não seriam sensatas. Uma seria fingir que nada se passa e encarar o Natal como se não houvesse pandemia. Outra seria ceder por completo ao medo e fazer do Natal tábua rasa, passar por ele como se não existisse.
Haverá, pelo menos, uma terceira possibilidade. Perceber o Natal como um momento de diálogo com a incerteza que se apoderou da vida dos homens. O Natal é o lugar por excelência da incerteza, da precariedade, da pobreza constitutiva de toda a vida. A incerteza onde o Menino poderia nascer, a precariedade dos meios à disposição da família, a pobreza do presépio como lugar de acolhimento. Na tradição do cristianismo, é nesta simbólica da finitude humana que se manifesta o infinito da divindade, é ali mesmo que a vida triunfa sobre a morte. É neste núcleo simbólico do cristianismo que as sociedades cristãs e, ainda mais, as que se dizem pós-cristãs precisam de encontrar a chave para lidar com o que está a acontecer. O Natal nada nos diz sobre pandemias, mas diz muito sobre como devemos enfrentar a vida, da qual faz parte tudo aquilo que, por incerto, nos perturba.
segunda-feira, 20 de dezembro de 2021
Nocturnos 70
Francesc Català-Roca, Esperando la salida de la ópera, 1950 |
sábado, 18 de dezembro de 2021
A Garrafa Vazia 74
quinta-feira, 16 de dezembro de 2021
Regionalização, Espírito do Tempo e a bílis de Rui Rio
Espírito do tempo. Quem lidou com a filosofia do idealismo alemão conhece bem o conceito de Zeitgeist, o espírito do tempo. O palavrão germânico significa, em linhas gerais, um certo clima intelectual, cultural e social, uma maneira de interpretar o que acontece. Isto vem a propósito de terem ocorrido em 11 e 12 de Dezembro os congressos da Iniciativa Liberal e do Livre. Ambos os partidos elegeram um deputado nas últimas eleições. Quem consultar os jornais e os sites noticiosos descobrirá referência séria apenas à Iniciativa Liberal. Isso deve-se ao tal Zeitgeist. O espírito do tempo gosta daquele punhado de rapazes e – presumo – de raparigas que se dizem liberais e está a fazer com eles o que fez com o Bloco de Esquerda, dar-lhes tempo de antena. O Cotrim Figueiredo veste bem, já o Rui Tavares parece vestir-se de forma inadequada. O Zeitgeist é impiedoso com a forma como as pessoas se vestem.
O azar de Rendeiro e o de Rio. Rui Rio acha que a Polícia Judiciária se move pelo calendário eleitoral. Não houvesse eleições, e Rendeiro poderia estar descansado. Mesmo que Rio pensasse isto, não o deveria dizer. Em primeiro lugar, porque a acção da Polícia Judiciária é das poucas coisas que correram bem em todo este processo. Em segundo lugar, porque todo o aparelho de segurança – forças armadas e polícias – e toda a estrutura judicial são sectores muito sensíveis do funcionamento de uma comunidade. O interesse do país manda que aqueles que o querem governar evitem este tipo de comentários. Rui Rio despiu a pele de candidato a primeiro-ministro e vestiu a de cidadão que descarrega a bílis enquanto bebe uma cerveja. Um azar para Rui Rio ter a bílis perto da boca.
terça-feira, 14 de dezembro de 2021
sábado, 11 de dezembro de 2021
Sonhos numa noite de Verão 31
André Kertész, Place Gambetta, Paris, 1929 |
quinta-feira, 9 de dezembro de 2021
O golpe de misericórdia
segunda-feira, 6 de dezembro de 2021
A Garrafa Vazia 73
sábado, 4 de dezembro de 2021
Resiliências, Rui Rio/PSD, BE e Futebol
Rui Rio e PSD. A vitória de Rui Rio nas eleições internas do PSD é o triunfo de uma visão moderada da política e da necessidade de estabelecer pontes com o outro lado. Uma parte da direita portuguesa, a exemplo do que acontece lá fora, está ansiosa por criar situações de grande polarização, em apostar numa lógica de amigos/inimigos, de nós ou eles. Nestas eleições, essa lógica saiu derrotada. É verdade que Paulo Rangel não é, nem de perto nem de longe, um político carismático. Se o fosse, talvez o resultado fosse outro. Pior para o país. A questão que fica é a de saber por quanto tempo o PSD resistirá à logica de polarização e ao lançamento do país numa onda de divisão e incomunicabilidade entre os actores políticos.
O BE e o Bloco Central. Catarina Martins anda preocupada com a possibilidade de António Costa, caso não consiga uma maioria absoluta, se entenda com o PSD de Rui Rio. Uma preocupação absurda porque tem todo o ar de ser uma falsa preocupação. Catarina Martins e o BE, assim como o PCP, tiveram na mão evitar essa aproximação. Ao chumbar o orçamento e dar oportunidade ao Presidente para dissolver a Assembleia, quebraram as pontes que existia entre o PS e os partidos à sua esquerda, colocaram-se fora das soluções possíveis. Tirando os militantes do BE, pouca gente haverá que leve a sério as preocupações da líder do BE.
Futebol. As acções das polícias e dos órgãos judiciais junto de uma série de clubes de futebol de primeira importância no país mostram aquilo que se sentia há muito. O mundo de futebol teria regras próprias e diferentes das regras que comandam o conjunto da sociedade. Parece que a Justiça acordou para esse problema. Veremos, porém, quem será mais forte. A ordem jurídica ou a irmandade do futebol?
quinta-feira, 2 de dezembro de 2021
Ministério do vício e da virtude
Quando são noticiados homicídios de mulheres ou outras situações de violência doméstica, nunca pensamos que a esses casos corresponde uma linha política e há neles um forte teor político. Esta ocultação, no Ocidente, deve-se à disseminação das ideias do Iluminismo e ao peso que esse tipo de ideias ainda possui nas nossas sociedades. Essa linha política oculta assenta na clara dominação das mulheres pelos homens, na sua subjugação e redução a um animal doméstico, no duplo sentido de o seu lugar ser a domus, a casa, e de estar domesticada, amputada da sua liberdade, a qual surge para os homens como manifestação do selvagem e do ameaçador. Para perceber que esta dimensão política da violência sobre as mulheres é real, o melhor é observar um caso extremado, pois os casos extremados manifestam aquilo que as situações moderadas ocultam.
No Afeganistão, as televisões foram proibidas de exibir dramas ou programas que tenham papéis desempenhados por mulheres. Esta é uma das medidas com que as mulheres afegãs foram agraciadas pelos talibans. Não é desprezível o facto de a proibição ter sido decretada pelo ministério do vício e da virtude. Para nós, vício e virtude, desde que não ponham em causa direitos de terceiros, são questões do foro íntimo. Queira eu ter uma conduta moralmente virtuosa ou viciosa, desde que não cometa crimes, o problema será meu. Contudo, a existência de um ministério do vício e virtude é um sinal poderoso de como a política se intromete duramente não apenas nas questões de igualdade de género, mas também nas questões de cama. O que atormenta os vigilantes da moral dos outros é, em última análise, o sexo. A homossexualidade, claro, mas, fundamentalmente, a sexualidade das mulheres, a sua liberdade.
Os casos de violência doméstica em Portugal, e no mundo Ocidental, são manifestações de nostalgia por um mundo político e social completamente dominado pelos homens, onde as leis eram feitas na pressuposição de que cabe ao homem dominar a mulher e a esta submeter-se, abandonar a sua liberdade e a sua personalidade. Pensarmos que os países ocidentais estão vacinados contra os ministérios do vício e da virtude é enganarmo-nos a nós próprios. O crescimento do radicalismo de direita não está ligado apenas a situações de xenofobia. No seu cerne há um problema com a igualdade e a liberdade das mulheres. Muita gente que se sente atraída por esses quadrantes políticos não se importaria nada que houvesse um ministério do vício e da virtude, um regime político que pusesse as mulheres no seu lugar, isto é, em casa. Um governo que produzisse leis que aceitassem os crimes de honra.
terça-feira, 30 de novembro de 2021
Simulacros e simulações (29)
domingo, 28 de novembro de 2021
Eça de Queiroz, Alves & C.ª
O tema da honra está presente no último romance de Eça de Queiroz
publicado em vida, A Ilustra Casa de Ramires, no qual o protagonista, um
aristocrata, confronta a sua lassidão moral com o culto bravio e sanguinolento da
honra dos seus longínquos antepassados. Em Alves & C.ª, romance
póstumo publicado em 1925, um quarto de século após a morte do autor, Eça
centra-se no mesmo tema, deslocando o ambiente social da velha aristocracia
para o seio da burguesia comercial ascendente na Lisboa dos finais do século
XIX. O caso gira em torno de um adultério e a questão da honra punha-se aos
olhos do marido traído. O sentimento de traição é levado ao paroxismo porque,
além da infidelidade conjugal, há também a traição de uma amizade e de uma
sociedade comercial, pois o amante de Ludovina, a mulher de Godofredo Alves,
era precisamente o Machado, rapaz mais novo, sócio talentoso da firma e amigo
íntimo de Godofredo, que o vira crescer e quase o educara.
A questão que Eça coloca no romance, ao fazê-lo girar em torno da honra, prende-se com a tensão entre uma sexualidade que transborda os limites do estipulado pelas convenções sociais e três instituições centrais da vida burguesa, o matrimónio, a amizade e a sociedade comercial, onde se conjugam os interesses materiais daqueles que se tornaram rivais. Serão as manobras de Eros, com a sua propensão para desestruturar o mundo e lançar a vida no caos, suficientes para pôr em causa instituições tão fundamentais para o mundo burguês triunfante? A expectativa seria que a descoberta por Godofredo, na sua casa e no dia do quarto aniversário do casamento, da sua Lulu nos braços do sócio Machado, levaria à destruição do casamento, ao fim de uma profunda e quase paternal amizade e, não menos importante, à desagregação da sociedade comercial.
Godofredo da Conceição Alves, o nome do personagem central do pequeno drama, é todo ele um programa narrativo. Aos banais apelidos, a mãe, senhora dada à leitura de romances, por certo românticos, antes de se dedicar ao culto do Senhos dos Passos, decidiu antepor um nome de outros tempos, um nome godo, como se ela quisesse ver no filho o aristocrata que ela não era. Esta ironia queirosiana é fundamental para a compreensão do romance. Perante o ultraje, Godofredo sente ânsias de lavar a honra em sangue, de matar o Machado ou de morrer ele, mas libertar-se assim do peso que o adultério da mulher lhe punha nos ombros. Depois de ideias e propostas bizarras, vai ter com dois amigos, um deles experiente em coisas da honra, para resolver o assunto. O que vai descobrindo, todavia, é que o caso não exigiria cometimentos tão drásticos. Os padrinhos de ambos os lados manobram até que se chegue à conclusão que nada há a fazer. Duelos relativos a questões de honra exigem mais que uma mera peripécia do deus Eros. Por exemplo, ser escarrado na face. Isso sim é grave para a honra de um homem.
A instituição da honra já não pertencia àquele mundo habitado por burgueses, era coisa de uma velha aristocracia que tinha desaparecido. Um qualquer Conceição Alves, mesmo que Godofredo, não tem honra a defender, até porque o motivo seria pura e simplesmente irrisório, num mundo em que as histórias de maridos traídos e mulheres adúlteras seria a norma. Eça liberta o Eros da sua relação com o sangue e a morte, mas não o faz como um pensador libertino. Pelo contrário, o importante é outra coisa. Importante é que o matrimónio não se desfaça, que as amizades permaneçam, apesar da intromissão da deslealdade, e que as sociedades comerciais prosperem. A honra, essa é uma coisa que não se deve intrometer no bom funcionamento das instituições burguesas. Godofredo, apesar do nome, não era um aristocrata. A vida, a sociedade, o Machado, a Ludovina e o seu coração exigem outra coisa dele, exigem que não tome a excepção como a regra e não desfaça o mundo laboriosamente tecido, um mundo apontado à prosperidade e às aparências, para que a vida decorra segundo a nova visão do mundo, a daqueles que já substituíram no comando das coisas a velha aristocracia, cujos valores são agora inúteis. A virtude central não é a honra, mas a prudência, pensada a partir do cálculo da utilidade dos actos.
sexta-feira, 26 de novembro de 2021
A Garrafa Vazia 72
quarta-feira, 24 de novembro de 2021
Nocturnos 69
segunda-feira, 22 de novembro de 2021
O progresso moral da humanidade (4)
Ernst Haas, Homecoming soldier, Vienna, 1946-1948 |
sábado, 20 de novembro de 2021
Vírus, clima, PSD e futebol
1. O vírus resiste. Depois de uns meses de acalmia, volta o espectro do confinamento. Isto apesar da vacinação em Portugal ter corrido muito bem. O problema é que a vacinação, embora sendo uma condição necessária para combate à COVID-19, não é suficiente. A etiqueta introduzida pela pandemia – lavagem frequente das mãos, uso de máscara e afastamento entre pessoas – continua a ser necessária. Veremos se este ano, com as festividades do Natal e do Ano Novo, não se cometem os erros que se cometeram o ano passado. O vírus não está derrotado. Resiste.
2. Cimeira do clima. Sempre que há uma cimeira referente aos problemas do clima deparamo-nos com uma enorme expectativa inicial e uma desilusão no fim. A deste ano não foi excepção. Os países mais populosos do mundo precisam de carvão. Sem ele, muito provavelmente, os respectivos regimes políticos implodiriam. A implosão dos regimes chinês e indiano poderia ser também uma enorme catástrofe. Talvez valesse a pena congregar esforços e dinheiro na ciência e na tecnologia – tal como aconteceu com a vacina contra a COVID-19 – para apressar a eficiência e a disponibilidade de energias menos sujas que o petróleo e o carvão.
3. O PSD. Olha-se de fora para o principal partido da oposição e um dos construtores do regime democrático e fica-se perplexo. Tanto Rui Rio como Paulo Rangel acabam por ser estranhos figurantes. Rio é um actor que, ao fim de todos este tempo, ainda não encontrou o seu papel. Rangel, por seu lado, está convencido de ter um papel, mas não parece ter dimensão para o que deseja. Não haverá mais ninguém no PSD para dar rumo ao centro-direita? Quem se ri é André Ventura. O seu grande inimigo, de momento, é o PSD. Depois de ter dizimado o CDS, sonha fazer o mesmo ao PSD. É possível que o aumento exponencial que se espera de deputados do Chega seja feito à custa da bancado do PSD.
4. Portugal – Sérvia. Uma confissão, para começar. Não percebo grande coisa de futebol. Em tempos gostei do jogo, hoje é-me quase indiferente. A meio da primeira parte do Portugal-Sérvia, decidi abrir a televisão e ver a partida. Fiquei sempre com a sensação de que a Sérvia tinha mais três ou quatro jogadores que Portugal. Onde estivesse a bola, havia muito mais sérvios que portugueses. Depois, ao contrário dos portugueses, os sérvios queriam mesmo ganhar o jogo. Só vi uma selecção em campo, a que ganhou. Embora não baste, para ganhar é preciso ter vontade de o fazer. Nunca percebi isso nos jogadores portugueses.
quinta-feira, 18 de novembro de 2021
A persistência da memória (5)
Irving Penn, Four Guedras (Morocco) 1971 |
segunda-feira, 15 de novembro de 2021
A Garrafa Vazia 71
sábado, 13 de novembro de 2021
Simulacros e simulações (28)
Alexej Titarenko, Saint Petersburg, 1999 |
quarta-feira, 10 de novembro de 2021
Ensaio sobre a luz (92)
segunda-feira, 8 de novembro de 2021
Nocturnos 68
Robert Frank, Fourth of July, Coney Island, 1958 |
sábado, 6 de novembro de 2021
Quem paga a conta do chumbo do orçamento?
Julgo que os eleitores tanto do BE como do PCP não compreendem as razões
que levaram ao chumbo do Orçamento de Estado. Quando falo em eleitores desses
partidos não me estou a referir aos militantes e simpatizantes partidários que
rodeiam esses militantes, mas às pessoas que votam nesses partidos não por fé
ideológica, mas porque acham que eles são instrumentos para a defesa dos seus
interesses e do bem comum. Nos eleitores de esquerda, incluindo os do PS, havia
a expectativa da continuidade do governo, de uma gestão equilibrada do período
pós-pandemia, se é que estamos em período pós-pandemia, e o que menos queriam
era eleições. O orçamento, tal como estava, não representava um ónus para as
classes populares e médias. Pelo contrário.
Nunca haverá consenso sobre quem teve a culpa da ruptura. Os socialistas dirão que se esforçaram o máximo para satisfazer as exigências à sua esquerda, dentro dos apertados limites impostos pela situação do país, mas que os partidos à sua esquerda colocaram os interesses partidários à frente dos do país. BE e PCP argumentarão que, no fundo, as eleições são desejadas por António Costa, pois este almeja uma maioria absoluta. É irrelevante saber quem tem razão. Como o professor Salazar muito bem sabia, em política aquilo que parece é. E aquilo que parece, a narrativa, para usar uma expressão em moda, mais forte é aquela que tende a dizer que o orçamento foi chumbado – e vamos a eleições, como avisou o PR – por culpa do BE e do PCP. Isto pode não ser completamente verdade, mas parece que é. E é isso que conta.
Do ponto de vista eleitoral, há duas incógnitas relativas ao comportamento dos eleitores. Estes limitar-se-ão a penalizar os aparentes culpados do chumbo do orçamento, BE e PCP, ou tenderão a penalizar a esquerda no seu conjunto, oferecendo uma vitória à direita, mesmo que esta esteja desconjuntada? Uma coisa esta história já assegurou, a não ser que haja um milagre. O Chega vai tornar-se o terceiro partido em peso eleitoral. Veremos até que ponto os eleitores se lembram dos tempos de Passos Coelho. É um facto que Rui Rio não é Passos Coelho, tem uma disposição mais social e poderá ser mais cauteloso na penalização dos mais frágeis e das classes médias. Nada assegura, todavia, que seja Rui Rio o chefe da direita nas próximas eleições. É possível que o PSD se entregue a Rangel e com este virá toda a tralha ultraliberal de que a geringonça nos tinha libertado. Se a direita ganhar as eleições, o BE e o PCP terão contas muito desagradáveis a prestar aos seus eleitores e ao povo de esquerda, digamos assim.
quarta-feira, 3 de novembro de 2021
A Garrafa Vazia 70
segunda-feira, 1 de novembro de 2021
Orçamento, uma convergência à esquerda
O BE talvez imagine que poderá recuperar a sua antiga imagem de partido jovem, rebelde e movido por causas. O PCP imaginará que voltará a adquirir o seu estatuto anterior à geringonça e apagar a imagem de muleta do PS. Os socialistas fantasiam que mais vale ir a eleições agora, enquanto o PSD está à procura de rumo, do que daqui a um ano, com a direita com a casa arrumada. Pensam ainda que poderão ter o bónus de se livrarem da companhia do PCP e do BE. Não se sabe, no cálculo dos partidos, quanto há de ilusório, mas só um ingénuo acreditará que o chumbo do orçamento se deve ao orçamento.
Se a crise nada tem a ver com o orçamento, o chumbo deste mostra uma outra coisa. A impossibilidade de a esquerda, na sua pluralidade, oferecer uma política coerente para governar o país nas condições em que ele se encontra. E que condições são essas? Pertença à União Europeia e ao Euro, compromissos drásticos com a dívida e uma orientação do mundo para uma visão liberal da economia e das relações laborais. Seis anos não foram suficientes para a esquerda, na sua pluralidade, oferecer um projecto viável para reformar o país. A experiência de 2015 salda-se, deste modo, num rotundo fracasso e mostra aos eleitores que não há um projecto das esquerdas para a governação.
Apesar de a direita estar à procura de rumo, pode acontecer que os cidadãos fiquem zangados com a esquerda, os seus jogos florentinos, a sua real impotência, e a castiguem, como aconteceu nas autárquicas de Lisboa. Pode acontecer que o mirífico Plano de Resiliência e Recuperação mude de administrador, o que daria à direita uma perspectiva de muitos anos na governação. À esquerda brinca-se aos feitiços, mas nada garante que estes não se virarão contra os feiticeiros. Ninguém pode prever, neste momento, a resposta do eleitorado, nem o sentimento de decepção e desânimo que o chumbo do orçamento trará aos eleitores de esquerda, que se sentirão traídos. A traição aos seus eleitores, eis a autêntica convergência das esquerdas nacionais.
sábado, 30 de outubro de 2021
O amor ao clima
Pedro González, Carros, 1995 |
quinta-feira, 28 de outubro de 2021
O gato de Schrödinger e o chumbo orçamental
terça-feira, 26 de outubro de 2021
Nocturnos 67
Elliott Erwitt, Arkansas, 1954 |
domingo, 24 de outubro de 2021
A Garrafa Vazia 69
sexta-feira, 22 de outubro de 2021
Orçamento, um triste espectáculo
Vale a pena lembrar dois acontecimentos. O primeiro é o caso Syriza, na Grécia. Chegou ao poder para introduzir um conjunto de rupturas com o Euro, a União Europeia, etc. No momento em que tiveram de tomar uma decisão de rompimento, os dirigentes perceberam que a alternativa seria uma catástrofe para os gregos, muito pior do que as exigências de Bruxelas. Tiveram o bom-senso de compreender a realidade e de se adequar à máxima de que a política é a arte do possível. Num mundo global não existe lugar algum, a não ser o inferno, como alternativa àquele onde se está. Essa ideia do socialismo como alternativa ao capitalismo está morta há muito. A certidão de óbito foi passada em 1989, e nessa altura há muito que o cadáver cheirava mal.
O segundo acontecimento é recente e passou-se em Lisboa, nas eleições autárquicas. A divisão das esquerdas ofereceu a câmara da capital à direita, dando-lhe uma plataforma para reanimação e, muito possivelmente, saída do estado catatónico em que se encontrava. Existe em largos sectores da esquerda a crença ilusória de que ela será sempre maioritária no país, que haverá sempre uma geringonça para evitar dores de cabeça. É uma crença falsa. Os eleitores cansam-se e procuram novos caminhos. É a virtude da democracia.
O triste espectáculo actual em torno do orçamento pode muito bem ser o prelúdio de que as coisas estão a mudar e não há vontade nem imaginação para encontrar um caminho sólido à esquerda. Os socialistas esperam que os dinheiros de Bruxelas os ajudem a manter-se no poder. Não aprenderam com Lisboa. À sua esquerda parece não haver uma política para o país, mas apenas um conjunto de reivindicações sectoriais e linhas vermelhas que servem para a barganha orçamental, uma tentativa de segurar eleitorados, mas não são uma ideia realista para Portugal. Tudo isto se paga.
quarta-feira, 13 de outubro de 2021
Um olhar sobre as eleições concelhias
Antes das últimas eleições autárquicas, pensava que os resultados do PS e da lista de António Rodrigues (AR) estariam muito mais próximos, não descartando a possibilidade de este retornar à presidência do município. Pensava que ele teria uma maior capacidade de penetração no eleitorado socialista, assim como no da direita concelhia. Pensava ainda que o BE e a CDU seriam menos afectados pela candidatura de AR que o PSD-CDS. Estas crenças baseadas na intuição revelaram-se todas completamente erradas. AR não teve qualquer capacidade de penetrar no eleitorado de direita. Esta, no seu conjunto (com Chega e IL), alcançou mais 389 votos do que em 2017. Também não teve capacidade para dividir o eleitorado socialista. O PS perdeu um pouco menos de mil votos (11,2%) em relação a 2017. Onde AR teve capacidade de penetrar fundo foi nos eleitorados do BE e CDU. O BE perdeu 1303 votos (52,2%) e a CDU, 558 votos (34,7%). A soma dos votos perdidos pelo PS, BE e CDU perfaz, quase na totalidade, a votação obtida por AR.
Estes resultados tornam patente, em primeiro lugar, que grande parte do eleitorado está contente com a governação socialista do município e que sufraga o seu programa para os próximos 4 anos. Em segundo lugar, a direita concelhia, apesar de mais dividida, conseguiu estancar a perda continua de eleitorado. Em terceiro lugar, a figura política de António Rodrigues é muito menos atractiva do que se imaginava. Em quarto lugar, o eleitorado deu uma nota negativa muito forte às políticas autárquicas do BE e da CDU, dispensando a sua presença no executivo e reduzindo-a na Assembleia Municipal. Do ponto de vista puramente político, não da gestão do município, os próximos quatro anos colocam alguns problemas interessantes. Como vão os socialistas gerir a substituição de Pedro Ferreira? Terá o PSD uma oportunidade para reaver uma câmara perdida há muito? A perda de votos de BE e CDU foi conjuntural, efeito de AR, ou será estrutural?
terça-feira, 5 de outubro de 2021
Virtudes Militares
Liderar a vacinação em massa da população não exigirá a coragem requerida pelos campos de batalha, mas necessita de outras virtudes existentes na instituição militar. Disciplina, organização, rigor, definição de objectivos realistas, espírito de missão e, acima de tudo, espírito de serviço à comunidade. Quem observa o processo de vacinação fica com a nítida impressão de que o líder da task-force possuía todas essas virtudes, as quais são trabalhadas e desenvolvidas pela instituição militar. Levou-as para o terreno, liderando o processo como se ele fosse uma batalha decisiva contra um inimigo astuto e cruel. Num tempo em que os valores correntes na sociedade são os do interesse pessoal e da sobreposição deste aos interesses da comunidade, é reconfortante ver a acção de alguém que evidencia como valor supremo o espírito de serviço.
Como em todo os lugares, também nas Forças Armadas haverá gente venal, que tenta tirar partido pessoal do lugar onde se encontra, por vezes infringindo a própria lei. O ethos da instituição, porém, não é esse, mas o de servir a comunidade até ao sacrifício supremo, se for esse o caso. Muitas vezes, isso é esquecido. O exemplo do processo de vacinação deveria acordar a sociedade portuguesa não para o desejo de ser governada por militares – o que envergonharia militares e civis – mas para o bem que seria a comunidade deixar-se contaminar pelas virtudes militares exibidas por Gouveia e Melo. Repito-as, disciplina, organização, rigor, definição de objectivos realistas, espírito de missão e espírito de serviço. Tornariam a sociedade mais forte e os indivíduos mais capazes e mais exigentes consigo e com aqueles que governam. É possível – ou provável –, porém, que não se tire qualquer lição do exemplo que tem sido dado a todos. Infelizmente.
sábado, 25 de setembro de 2021
A disciplina de Ciência Política
Desde o ano lectivo de 2016/17, apenas com uma interrupção no ano passado, tenho feito uma experiência, enquanto professor, muito interessante. Lecciono a disciplina de opção, no 12.º ano, de Ciência Política. Tem um programa muito bem elaborado, que foca os principais temas do funcionamento da política de forma objectiva e sem fazer catequese ideológica. Em Ciência Política, o professor ajuda os alunos a olhar o fenómeno político de forma ampla e distanciada. Não para os manter afastados da cidadania e da política, mas para lhes dar uma compreensão profunda desse mundo e, assim, torná-los cidadãos mais competentes e, caso o decidam, actores políticos com uma preparação mais elevada. Se os Ministérios da Educação dos diversos governos estivessem realmente interessados numa formação cívica não catequética dos alunos, teriam na Ciência Política, tornando-a obrigatória no 12.º ano, um instrumento de alta qualidade.
Haveria, contudo, que ter em consideração alguns aspectos essenciais. Em primeiro lugar, a garantia contínua da cientificidade do programa, sem permitir que ele se tornasse catequese partidária. Se queremos formar cidadãos e jovens políticos, então há que ensinar-lhe a olhar objectivamente a política. Em segundo lugar, tornar a disciplina não em mais uma que está sujeita a exame e aos rituais tradicionais de avaliação e transmissão de conhecimento, mas num lugar de novas experiências pedagógicas, onde os alunos desempenhassem um papel importante na forma como se trabalha o currículo e como este é ligado à realidade. Em terceiro lugar, uma séria formação dos professores capazes de leccionar a disciplina. Formação técnico-pedagógica, formação científica, formação política e formação ética. A disciplina de Ciência Política, no 12.º ano, altura em que os alunos estão a atingir a maioridade, seria um instrumento curricular poderoso na formação cívica das novas gerações. Objectiva e sem catequese ideológica.
sábado, 11 de setembro de 2021
Qual o perigo da direita populista?
O que torna a democracia liberal um regime virtuoso é o facto de o poder estar dividido e de todos os responsáveis políticos estarem submetidos à lei. O poder democrático está divido em legislativo, executivo e judicial. Apesar de haver uma relação de proximidade entre os poderes legislativo e executivo, a questão central está na completa independência do poder judicial. Nenhum governante tem capacidade para perseguir por motivos políticos um opositor ou qualquer outra pessoa – onde se inclui o leitor – utilizando o poder judicial.
Se queremos perceber o que pretendem estes movimentos da direita radical, o primeiro sítio para onde devemos olhar é para o Absolutismo, onde o Rei concentrava nas suas mãos todos os poderes. A democracia e o Estado de direito nasceram contra o Absolutismo. Não é que estes movimentos sejam monárquicos, mas pretendem concentrar nas mãos do líder todos esses poderes, através de um processo de desgaste contínuo das instituições democráticas. Este é o ideal regulador de todos os movimentos populistas, à direita e à esquerda.
Se o Absolutismo político é uma realidade distante, encontramos exemplos de como certos regimes políticos actuais aniquilaram ou reduziram drasticamente a divisão de poderes que permite aos cidadãos viver em paz e sem medo. Rússia, China, Irão, Venezuela, Coreia do Norte, Turquia, etc. Os problemas que têm surgido com a Polónia e a Hungria estão relacionados com tentativas de submeter o poder judicial ao executivo. Os ataques de Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal pertencem à mesma estratégia.
Quando em Portugal se fala em pôr fim ao regime ou se louva um putativa IV República é disto que se trata. Encaminhar o país para uma situação em que o detentor do poder político consiga dominar os poderes legislativos e judiciais, em que o líder esteja acima da lei. Sempre que isto acontece, existem perseguições, violência, eliminação de direitos civis e políticos. Instaura-se uma ditadura, mesmo que haja um simulacro de democracia. Os defensores desses movimentos deveriam estudar o que lhes pode acontecer. Uma das coisas que os tiranos mais gostam é de eliminar quem os ajudou a chegar ao poder.