O BE talvez imagine que poderá recuperar a sua antiga imagem de partido jovem, rebelde e movido por causas. O PCP imaginará que voltará a adquirir o seu estatuto anterior à geringonça e apagar a imagem de muleta do PS. Os socialistas fantasiam que mais vale ir a eleições agora, enquanto o PSD está à procura de rumo, do que daqui a um ano, com a direita com a casa arrumada. Pensam ainda que poderão ter o bónus de se livrarem da companhia do PCP e do BE. Não se sabe, no cálculo dos partidos, quanto há de ilusório, mas só um ingénuo acreditará que o chumbo do orçamento se deve ao orçamento.
Se a crise nada tem a ver com o orçamento, o chumbo deste mostra uma outra coisa. A impossibilidade de a esquerda, na sua pluralidade, oferecer uma política coerente para governar o país nas condições em que ele se encontra. E que condições são essas? Pertença à União Europeia e ao Euro, compromissos drásticos com a dívida e uma orientação do mundo para uma visão liberal da economia e das relações laborais. Seis anos não foram suficientes para a esquerda, na sua pluralidade, oferecer um projecto viável para reformar o país. A experiência de 2015 salda-se, deste modo, num rotundo fracasso e mostra aos eleitores que não há um projecto das esquerdas para a governação.
Apesar de a direita estar à procura de rumo, pode acontecer que os cidadãos fiquem zangados com a esquerda, os seus jogos florentinos, a sua real impotência, e a castiguem, como aconteceu nas autárquicas de Lisboa. Pode acontecer que o mirífico Plano de Resiliência e Recuperação mude de administrador, o que daria à direita uma perspectiva de muitos anos na governação. À esquerda brinca-se aos feitiços, mas nada garante que estes não se virarão contra os feiticeiros. Ninguém pode prever, neste momento, a resposta do eleitorado, nem o sentimento de decepção e desânimo que o chumbo do orçamento trará aos eleitores de esquerda, que se sentirão traídos. A traição aos seus eleitores, eis a autêntica convergência das esquerdas nacionais.
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