Jacob Lawrence - A Biblioteca (1960)
Manhã em Óbidos, toda a vila concentrada no turismo, nas gentes que vão e vêm, num fluxo de excursões ávidas de fotografias e surtidas familiares, as tradições inventadas ontem, a inevitabilidade de que as coisas sejam assim ou, então, morram desamparadas pelo tempo, pela ânsia de futuro, pela comodidade do presente. Nas nossas sociedades, o passado só tem futuro se render dinheiro. É a natureza das coisas. O que me levou lá, na verdade, foram as livrarias Ler Devagar, agora parte do projecto de indústria cultural que, com a sagacidade inerente aos nossos dias, o Município de Óbidos tem vindo a pôr de pé.
Mas não é disso que quero falar, mas da visita à Ler Devagar alfarrabista, uma livraria incrustada em caixas de fruta, de acordo com o típico da região Oeste. Quando se folheiam livros velhos, coisas que na altura, apesar de desejadas, não se compraram e agora, que já não interessam, estão ali à disposição, há sempre um sentimento de nostalgia por um mundo que acabou ou por algo que acabou dentro de nós, que apenas deixou um leve traço, uma breve reminiscência. O pior de tudo, porém, são aqueles livros que têm uma assinatura e uma data, a prova de uma propriedade e um sintoma do apressado rolar do calendário. Esses livros incomodam-me, como se estivessem ali salvos de um naufrágio, pobres marinheiros à deriva, a prova da finitude de todos os projectos humanos, a antecipação do que acontecerá um dias aos livros que amei e que fazem parte da minha biblioteca, muitos deles assinados e datados.
Também já me interroguei várias vezes acerca do mesmo tema.
ResponderEliminarFaz muito tempo, não assinava os livros por uma questão de segurança(!), depois comecei a apor-lhes o nome e a data, até que perdi o hábito.
O que será deles um dia? A prole decidirá e só espero que o faça bem.
Abraço
Também houve uma época em que assinava e datava os livros. Depois deixei de o fazer. Hoje apenas colo no interior da badana da capa a etiqueta, depois de a descolar com cuidado da contracapa, com o preço e a loja que vende o livro. Uma mania como outra qualquer.
EliminarQuanto ao destino, os filhos saberão, ou talvez, quando sentir que não preciso mais de certos livros e que eles não têm interesse para a prole, os dê a certas instituições.
Abraço
Interessante, também tenho pensado nisto.Tenho tanto carinho pelos meus livros. Imagino,depois de morta,eles serão doados. Nãoimagino queimados ou largados num canto qualquer. Quem sabe...? Abraço. Solidade
ResponderEliminarEsperamos sempre que eles sirvam para alguém, quando já não servirem para nós. O ideal seria os filhos conservarem os livros como uma herança preciosa a que dessem o devido uso. Nem sempre é assim, como bem se sabe e se vê nos alfarrabistas (sebos, no Brasil).
EliminarAbraço
Tem graça que é o que eu faço. Antes também escrevia a data da aquisição e assinava. Depois achei que os estava a marcar demais, quase que a retirar-lhes a independência a que têm direito. Agora faço isso, descolo a etiqueta da contracapa e volto a colá-la na parte de dentro da badana da contracapa. Acho que assim, sem se ver, é melhor. Fica um registo mas não é evidente, não é marcar, o livro não fica marcado com o meu nome (não consigo explicar melhor mas acho que é por uma razão do mesmo género que uma outra: quando me casei, também não quis ficar com o nome do meu marido)
ResponderEliminarClaro está que não sei bem porque o faço nem porque acho que assim é melhor.
E, porque gostei muito do seu texto, acabei por hoje escrever também uma coisa a propósito de uma coisa triste que se passou comigo:
http://umjeitomanso.blogspot.pt/2013/08/o-destino-triste-dos-livros-sem-dono.html
Um abraço!
Há sempre uma grande dificuldade em lidar com o passado, ainda por cima quando ele nos toca de forma enviesada, isto é, diz-nos respeito mas de forma lateral. Umas vezes é a avidez, outras o desinteresse, outras, como conta, o querer despachar a coisa, uma certa confissão de não saber lidar lá muito bem com ela.
EliminarUm abraço
Nunca tinha pensado no marcar de um livro como um ferrete que o condena a não ter uma vida depois de ter sido possuído pelo seu primeiro comprador.
ResponderEliminarPor razões de ciganagem e nomadismo, tenho tido que abandonar muitos objectos, há dois anos atrás optei por não me apartar dos meus livros, mesmo aqueles que estavam há anos em caixotes a aguardar um sedentarismo idealista, e foi um prazer demorado reencontrá-los a todos, e rever a assinatura, a data e o local onde cada um tinha sido comprado.
Quanto ao que lhes acontecerá depois de mim, não imagino, talvez os filhos, que já hoje os visitam, talvez, muitos deles não servirão para bibliotecas, tenho o hábito incomodo de dialogar com alguns dos meus livros ( escrevo notas, e outras blasfémias para quem considera o livro um altar de cerimónia).
Viver é saber largar objectos para que os objectos não nos aprisionem.
Marcar um livro não implica uma condenação à morte, mas quando compro um livro usado marcado pelo proprietário anterior sinto sempre um estranho e ambíguo sentimento. Quem será aquela pessoa? O que lhe terá acontecido? Por que se desfez do livro? Fico a imaginar histórias. Já me tem acontecido - em livros comprados no marketplace da Amazon - encontrar papéis pessoais, listas de compras, sítios a visitar, sei lá...
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