Vincent Van Gogh - Noite estrelada (1889)
Il me
semble, ce soir
Que le ciel
étoilé, s'élargissant,
Se rapproche
de nous; et que la nuit,
Derrière
tant de feux, est moins obscure.
Et le
feuillage aussi brille sous le feuillage,
Le vert, et
l'orangé des fruits mûrs, s'est accru,
Lampe d'un
ange proche; un battement
De lumière
cachée prend l'arbre universel.
Il me
semble, ce soir,
Que nous
sommes entrés dans le jardin, dont l'ange
A refermé
les portes sans retour.
(Ives Bonnefoy, L'été de nuit - I)
Parece-me, neste
anoitecer
Que o céu estrelado,
dilatando-se,
Se aproxima
de nós; e que a noite,
Atrás de
tantos fogos, é menos obscura.
Também a
folhagem brilha sob a folhagem,
O verde, e o
alaranjado dos frutos maduros, cresceu,
Candeia de
um anjo que se aproxima; um estremecimento
De luz
oculta inunda a árvore universal.
Parece-me, neste
anoitecer
Que entrámos
no jardim, cujas portas
O anjo para sempre
fechou.
(Ives Bonnefoy, L'été de nuit - I. Tradução minha)
Este poema, em cujo núcleo dinâmico encontramos o céu estrelado, não pode deixar de evocar a célebre frase de Kant,
inscrita no seu túmulo em Konigsberg: Duas
coisas, quanto mais intensa e frequentemente o pensamento se ocupa delas, enchem-me
a alma de crescente admiração e respeito: o céu estrelado sobre mim e a lei
moral dentro de mim. Se poeta e filósofo podem admirar-se – ou espantar-se –
perante o céu estrelado, as vias que
seguem, posteriormente, afastam-se. Kant convoca o respeito e, através deste
sentimento, faz entrar a razão. O respeito é um sentimento racional,
independente da sensibilidade. Bonnefoy, por seu turno, mergulha no mundo
sensível, no jogo das aparências, para inscrever a dinâmica do céu estrelado na narrativa mítica e
exprimir o desejo de retorno ao jardim do Éden, de onde a humanidade foi,
irrevogavelmente, expulsa.
O poema é posto, logo na abertura e também no início da estrofe final,
sob o signo da aparência. Podemos perguntar, em primeiro lugar, o que distingue
a primeira aparência da segunda; em segundo lugar, que dinamismo conduz o poema
da primeira à segunda aparência. A primeira aparência é-nos dada por uma ilusão
da sensibilidade. O céu estrelado parece dilatar-se e, desse modo, aproximar-se
de nós. Também a noite, devido à presença das estrelas, é menos obscura. A
sensibilidade é tocada pela luz estelar que dissolve o negro da noite. Luz e
trevas confrontam-se no palco dos nossos sentidos. A segunda aparência, dada na
estrofe final, leva-nos do mundo da experiência sensível para o mundo mítico do
Paraíso, do qual fomos expulsos e cujas
portas / o anjo para sempre fechou. A experiência da noite estrelada, no
poeta e ao contrário de Kant, não produz respeito, mas a ilusão de um retorno
ao lugar originário.
Este retorno ao paraíso resulta do jogo entre luz e trevas. Como? É o
próprio dinamismo do céu que, pleno de fogos ou de luzes, gera uma sensação de
dilatação da luz e do recuo da noite, que se torna menos obscura. E essa luz
que se amplia não faz apenas recuar as trevas. Ela toca a própria natureza (a folhagem brilha sob a folhagem / o verde,
e o alaranjado dos frutos maduros, cresceu) e metamorfoseia-a na luz
sobrenatural de um anjo que se aproxima. É a dinâmica da luz celeste que
transforma a experiência que temos da terra e abre, à imaginação, o caminho
para o jardim, caminho iluminado pelo estremecimento
/ de uma luz oculta. O jogo das aparências torna-se, deste modo, uma evocação
da experiência mítica originária do homem. A admiração, na poesia, não dá lugar
ao respeito e à convocação da razão, mas à evocação daquilo que dorme sob o
manto da imaginação humana.
Le but de l'existence humaine est "d'avoir le ciel" sur la terre, mais malheureusement elle ne reussi jamais.
ResponderEliminarAmitiés
Hélas!
ResponderEliminarAmitiés