A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Ao longo da vida o fenómeno político sempre me fascinou e sempre foi
objecto de meditação. Com o filósofo Paul Ricoeur descobri a razão desse
fascínio na formulação daquilo que ele chamava paradoxo político - a
política é o lugar de racionalização da vida social e, ao mesmo tempo, o lugar
da violência, da mais terrível irracionalidade. A minha meditação sobre o
fenómeno levou-me a um outro lado, a um lado onde descubro o fenómeno político
em si como o sítio do mal radical.
O poder político existe porque nós praticamos o mal, e a política lida
com o mal praticando o mal, através da violência legítima. Mas o mal que o
poder – incluindo o democrático – pratica não está apenas na violência legítima
usada para castigar o mal praticado pelos indivíduos. Está também nas decisões
que toma e que, na sua unilateralidade e enviesamento, interferem na vida dos
indivíduos, limitando a sua liberdade, a sua vida, a sua capacidade de agir,
distorcendo a justiça, favorecendo os mais fortes – sejam eles quais forem – e
mutilando a vida dos mais fracos.
Penso muitas vezes que os políticos de hoje não matam com as suas
mãos, como aconteceu ao longo da história da humanidade, apenas porque a
consciência dos cidadãos tornou isso impossível e limitou um pouco o arbítrio
de quem exerce o poder. Mas as pessoas continuam a morrer – ou a sofrer toda a
espécie de injustiças – devido às decisões políticas. Não falo sequer nas
decisões que conduzem os homens para a guerra. Refiro-me às pessoas que, comportando-se
adequadamente, perdem o emprego, a empresa, a casa, os bens, que deixam de
poder ir ao médico, de poder tratar-se, que passam e morrem de fome. Por detrás
de tudo isso está sempre a mão do poder político. Esta possibilidade de
praticar o mal impunemente através de uma decisão política é fascinante.
O poder político, porém, é sempre a máscara sob a qual se movem os
poderes deste mundo, aqueles que tiram proveito da desgraça que as decisões
políticas semeiam entre as pessoas. Se a minha meditação sobre o fenómeno
político me levou a ver o poder político, mesmo o democrático, como o lugar do
mal radical, abriu-me também para uma outra perspectiva: para os cidadãos o
fundamental não será tanto trocar um poder político por outro, trocar uns
senhores por outros, embora certos regimes e políticas sejam preferíveis a
outros. O essencial é que a consciência cívica cresça de forma a limitar cada
vez mais a capacidade dos poderes praticarem o mal, de espalharem, sem que se
dê por isso, a desgraça e de enxamearem os cemitérios de mortos sem nome, de
vítimas anónimas e nunca justiçadas das decisões políticas.
A finalidade da política deveria ser servir em vez de dominar e isso raramente acontece.
ResponderEliminarAlguém disse que os regimes passam, os abusos ficam e os que se aproveitam vão mudando.
Um abraço
Maquiavel percebeu claramente qual é a finalidade da política: obtenção e manutenção do poder, da dominação. De resto, parece ser a mais pura verdade que "os regimes passam, os abusos ficam e os que se aproveitam vão mudando".
EliminarAbraço
É verdade, trata-se de um poder que afeta profundamente a vida - e dignidade - das pessoas. E, sim, trocam-se uns senhores por outros... raros são aqueles que fazem o bem quando têm poder. Houve-os mas a mediocridade atual vai-os aniquilando...
ResponderEliminarTalvez o poder não seja o lugar de fazer o bem. Por isso, devemos controlá-lo.
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