As árvores vão morrendo uma a uma. Quem se interessa pelas coisas da cultura e, em particular, da literatura, vai construindo uma paisagem, uma espécie de floresta composta por múltiplas espécies, por vezes, em aparência, incompatíveis. Vamos envelhecendo e a floresta envelhece connosco, talvez mais rapidamente que nós. Os mais novos raramente os consideramos dignos de fazer parte daquela velha e sólida paisagem. Um preconceito. As primeiras perdas sentidas foram nesse ano aziago de 1978. Entre Junho e Agosto, morreram dois grandes poetas, Jorge de Sena e Ruy Belo. Recordo-me bem de ter tido a sensação de uma grande injustiça. Em Outubro, chegou a notícia da morte de Jacques Brel, que eu descobrira algum tempo antes e que me deixara perfeitamente fascinado. Depois, com o tempo, vieram as mortes daqueles que constituíam a nossa paisagem. Augusto Abelaira - quem lerá hoje em dia Augusto Abelaira? -, Carlos de Oliveira - poeta e romancista de excepção -, Vergílio Ferreira - aquele de quem estive ideologicamente mais próximo -, Sophia de Mello Breyner Andresen, Adriano Correia de Oliveira, José Afonso, Helena Vieira da Silva, Eugénio de Andrade, Eduardo Prado Coelho e muitos outros que, a meus olhos, tinham mais ou menos brilho, mas que faziam parte dessa paisagem encantada que me fez ser o que sou. Hoje soube que também Urbano Tavares Rodrigues partiu. Era uma das velhas árvores dessa floresta. O tempo tem um imperativo que não é o do coração dos homens. A paisagem, a minha paisagem, desfaz-se.
Custa muito, muito, ver essas desaparecerem fisicamente, sim. A minha paisagem também foi feita dessas e de outros também que aos poucos partem. Mas fica-nos o seu engenho e arte e o brilho imortal de muitos deles.
ResponderEliminarO tempo é cruel, devora tudo, mesmo aquilo que não mereceria ser devorado.
EliminarUm dos primeiros grandes escritores que li, ainda antes dos 15 anos. "De Florença a Nova Yorque" um roteiro que nunca segui mas um livro que não esqueci.
ResponderEliminarTambém lhe deixei algumas -simples- palavras no bth.
Bom fim-de-semana
Abraço
Avançamos na idade e aqueles que nos foram dando consistência - num livro, num quadro, numa canção - desaparecem, levados pela impiedade do tempo.
EliminarBom fim-de-semana,
Abraço