Viktor Vasnetsov - Os quatro cavaleiros do Apocalipse (1887)
Quer-se a decadência:
É preciso, primeiro, fazer florescer.
Lao Tse, Tao Te King, XXXVI
Os quatro
cavaleiros repousavam há muito e os homens, sonâmbulos e de memória frágil,
erguiam estátuas nos caminhos, comemoravam, em cada hora, as flores que
brotavam do seu engenho, olhavam-se no espelho e sentiam-se felizes com o que
viam. Ricas eram as cidades e não havia quem não pensasse no seu triunfo e na
glória que o futuro lhe destinaria. Quem tinha a memória dos outros tempos?
Quem sabia das provações que o passar dos anos tinha enterrado nas areias do
deserto? O silêncio a tudo tinha tragado e as velhas tradições eram, nos dias
de glória, coisa abandonada. Não havia um pai, um avô que as soubesses, o
antigo laço estava desfeito.
Quando os cavaleiros
acordaram do seu longo sono olharam demoradamente a Terra e sorriram. Um,
aquele que tinha por montada o cavalo amarelo, disse: “ainda não chegou a nossa
hora”. “Sim, tens razão”, acrescentou o do cavalo vermelho, “ainda não estão
suficientemente maduros, embora a cegueira que os toma seja já irremissível”.
Sentaram-se. Tinham todo o tempo e ficaram, de longe como o tigre que espreita
a presa, a contemplar a azáfama dos homens, o crescimento das cidades, o
artifício das moradias, o prodigioso engenho fruto do roubo do velho Prometeu.
O cavalo
branco era montado por um estranho cavaleiro. Noutros tempos, ao avistá-lo, os
homens chamaram-lhe Peste, e dele fugiam, embora sem esperança de salvação. Nos
olhos, apenas o terror e nos lábios uma oração, que muito raramente comovia a
divindade. A Peste, depois de perscrutar atentamente o horizonte, sorriu e
disse: «Serei o primeiro a entrar em acção. São ricos os homens, mas nem todos.
A maioria é frágil. Semearei aí a dor e a semente frutificará por todo o lado.
Depois, será a vossa vez.»
Quando os
poderes humanos decretaram a proibição do uso da memória e proclamaram que
apenas o futuro era o desígnio da vida dos homens, os quatro cavaleiros
ergueram-se. Os seus gestos eram lentos e cheios de enfado. Quantas vezes
tinham feito o mesmo trajecto, castigado os mesmo crimes, semeado o mesmo joio?
O mundo desprevenido continuava no acelerado ritmo dos negócios e, quando a velha
trombeta soou, ninguém a ouviu. Uma peste incontrolável disseminou-se entre os
homens. Depois, as colheitas diminuíram e a fome alastrou no mundo. Confusos,
os poderes do mundo declararam guerra uns aos outros. Ao longe, a morte, no seu
cavalo amarelo, erguia triunfante o estandarte da vingança.
Metaforicamente falando e reduzindo a decadência à Europa, seria capaz de dizer que, se não fosse o "cavalo branco", estaríamos a falar da Alemanha...
ResponderEliminarAbraço
Parece mesmo que a Europa está a jeito para suportar o conteúdo deste texto. A citação do Tao Te King é muito esclarecedora daquilo que vivemos.
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