sexta-feira, 31 de julho de 2020

A Garrafa Vazia 6

Sol LeWitt - Irregular vertical black and white bands, 1991

O tempo é de penúria.
Os sapatos cambados
da manhã
não chegarão à noite
e as peúgas rotas
com que visto
os dias
cheiram a terebentina
e óleo de rícino

bebo-os para
purga dos intestinos.

Novembro de 2019

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Ensaio sobre a luz (84)

Loomis Dean, British chorus girl exercising in her apartment, 1958
Esconde-se na luz e deixa o corpo na sombra. Sonha então caminhar por paisagens transparentes, sob um céu irisado pelo nácar do desejo que rumoreja dentro de si. Em cada passo, brilha como um raio solar, despindo-se do vestido feito de sombras para caminhar na nudez da luz.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Nocturnos 16

Andreas Feininger, Night view of taxi and traffic congestion looking North on 45th St., 1954
Noites de néon perdidas no tráfego, noites sem o mistério de uma canção, sem o enigma de um vendaval, sem o segredo de uma conspiração. As luzes brilham por dentro do desejo e os carros passam na lentidão que a urgência lhes dá.

terça-feira, 28 de julho de 2020

Ramón del Valle-Inclán, Sonata de Outono


Em 1902, Ramón del Valle-Inclán começa a publicação da sua tetralogia conhecida como Sonatas. Cada um dos romances – pequenos romances – é dedicado a uma das estações do ano. As obras têm por objecto as memórias amáveis – de amorosas – do fictício Marquês de Bradomín, um velho conservador no exílio devido à sua fidelidade a Carlos de Bourbon e às políticas antiliberais, legitimistas e de defesa do regresso ao Antigo Regime. As Sonatas, do ponto de vista estético, representam uma reacção ao movimento artístico conhecido como realismo e são um dos momentos mais altos do chamado modernismo espanhol. São uma afirmação da arte pela arte, de uma preocupação com a linguagem, procurando a raridade e a elevação aristocrática, e deixando-se contaminar, no ritmo e na metafórica, pela música e pelas artes plásticas. Sonata de Outono é o primeiro romance, e é claro nele a preocupação de captar, através da linguagem, tanto o ritmo como a paisagem outonal da Galiza, sítio onde se desenrola a trama romanesca. O Outono é a metáfora que sublinha a maturidade consumada de Xavier, o Marquês de Bradomín.

O Marquês é uma variação do tema de D. Juan, apesar de feio, sentimental e católico. Como estamos perante memórias, sabemos de imediato que é um D. Juan retirado e que se entrega à rememoração da sua vida galante. Sonata de Outono é a recordação de um amor trágico. O leitor é informado logo no início do desfecho do romance. Concha, sentindo-se mortalmente doente, manda chamar Xavier, em nome de um antigo amor, para que a acompanhe nos últimos dias. Ela é casada, tem duas filhas, mas o marido está longe e o Marquês é a sua grande paixão. As relações que entretecem à beira da morte são marcadas pela tensão entre a consumação do desejo e a rejeição dessa consumação, devido ao estado mórbido em que ela se encontra. Toda a obra é percorrida pela aproximação entre Eros e Tânatos, pela insinuação da relação entre sexo e morte, temática que terá uma enorme fortuna com a psicanálise. O jogo entre Eros e Tânatos, porém, tem como finalidade ilustrar a ideia de amor fatal, não porque seja a causa da morte, mas de uma eventual perdição da alma.

Concha vive os últimos dias dividida entre sentimentos contraditórios. O amor que arde dentro dela implica a infidelidade matrimonial. No entanto, a questão da infidelidade, tal como Valle-Inclán retrata o ambiente aristocrático onde se desenrola a narrativa, não é por si mesmo importante. A sua importância advém-lhe da proximidade da morte, de representar um pecado capital e dar à protagonista a perspectiva de uma condenação eterna da alma. Consumar o amor ou salvar a alma? Ceder à tentação e ao tentador – em Xavier há algo de satânico, apesar de católico – ou resistir e reconciliar-se com Deus, agora que a morte se aproxima. A temática religiosa na novela não é sem significado. A presença do Nazareno em certo lugar do palácio não deixa de ter efeitos mesmo sobre a consciência do Marquês, um homem na plena maturidade. Por outro lado, é em nome da salvação que Concha resiste.

Valle-Inclán dá uma visão de uma aristocracia de província, já anacrónica do ponto de vista da História, mas ainda fortemente arreigada aos seus tiques de casta, ao modo de vida de séculos, à genealogia que lhe deu olhar e porte altivos. Uma das características dessa aristocracia era a combinação entre a piedade e a crueldade. Os homens eram cruéis e as mulheres piedosas. Eles desafiavam Deus e elas ajoelhavam perante a cruz no altar. Concha e Xavier são figurações enfraquecidas desses arquétipos de uma aristocracia bárbara. Ela não deixa de ser piedosa e beata, mas é fraca com os devaneios do coração. Ele é um aristocrata sedutor e não um violento e impiedoso senhor de terras e homens. No entanto, a relação dele com Concha não deixa de conter um outro tipo de violência, que nasce dos diferentes graus com que o amor entre ambos é vivido. O dela é extremado e absoluto, o dele é, fundamentalmente, erótico e efémero, demasiado efémero. O amor dela nasce do sentimento, o dele do desejo. Não deixa de ser significativa esta transição no tipo de crueldade do homem aristocrático. Do império físico ao império sentimental. As memórias do Marquês são também a memórias do declínio de uma casta, cujo papel no mundo se aproximava, a passos largos, do fim. A Grande Guerra de 1914-1918, ainda não sonhada em 1902, pôs-lhe fim. Os cultores do Antigo Regime não passavam já de fidalgos perdidos em justas eróticas, que, afundados na velhice e no exílio, não têm outra ocupação senão a rememoração.

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Diálogos aporéticos (06) - A carta

Hans Baumgartner, Ferien am Canal du Midi. France, 1949

- Hum… hum... hum.
- Pareces muito contente.
- Férias põem-me sempre bem-disposto.
- Pensava que era a carta.
- Cartas fazem parte das férias.
- Fazem?
- Sim, há que escrever, há que dar conta das novas experiências.
- Não vejo o interesse.
- É só uma questão de pensares um pouco.
- Sim, estou a pensar nisso desde que começaste a escrever.
- E a que conclusão chegaste?
- A nenhuma, por isso te perguntei.
- Então, é isso o que te disse.
- Dar conta das novas experiências.
- Não precisas de me repetir.
- A quem?
- Ora, a quem haveria de ser.
- Não estou a compreender. Há alguma coisa que me escapa.
- Talvez.
- Tens alguma novidade para me contar?
- Novidade? Tanto quanto saiba, não.
- Então estás a escrever para quem?
- Para mim. Para quem haveria de ser?
- Não entendo.
- Se quiseres posso incluir-te no endereço, sempre vivemos na mesma casa.
- Dispenso, mas escreves para ti porquê?
- Para quando chegarmos, poder saber aquilo que andámos a fazer fora de casa.

domingo, 26 de julho de 2020

A Garrafa Vazia 5

Susan Rothenberg, Red man, 1985-86

Escrever versos
sem tino
foi a desculpa
que me dei
por não saber
como ir
do bragal do berço
ao cotim da cova.

Novembro de 2019

sábado, 25 de julho de 2020

Olga Tokarczuk, Conduz o Teu Arado sobre os Ossos dos Mortos


O romance da escritora polaca, Olga Tokarczuck, prémio Nobel da literatura em 2018, foi publicado em 2009 na Polónia. Permaneceu desconhecido no Ocidente até à sua tradução em inglês em 2018. A edição portuguesa, da Cavalo de Ferro, é de 2019. A natureza da obra é daquelas que permite discutir a pertinência dos géneros literários. Um romance policial? Um romance de intervenção? Um drama psicológico? De certa maneira, é tudo isso sem, no entanto, ser um tipo de romance específico. Existem assassinatos em série e uma preocupação policial em solucioná-los. Há uma militância em defesa dos animais e contra as prorrogativas que os caçadores reivindicam para si, bem como um questionamento da diferença ontológica, e também teológica, entre animais humanos e não humanos. Por fim, ou talvez no início, exista o drama que representa a velhice e a necessidade de encontrar um sentido para a existência, nesses dias em que o préstimo para a sociedade findou e a morte ainda não fez o seu trabalho.

A narradora e protagonista principal da obra é Janina Duszejko. Antiga engenheira de pontes e calçadas vê-se compelida a uma nova forma de vida por motivos de saúde. Passa pelo ensino e acaba por ir viver para um lugarejo sem nome, com apenas sete casas, numa zona de floresta, com seis meses de neve por ano, perto da fronteira da Polónia com a República Checa. Ocupa o tempo com algumas lições de inglês na escola primária perto de onde vive, traduz o poeta inglês William Blake (o título do romance é a transcrição de um verso de Blake, do livro The Marriage of Heaven and Hell), pratica a astrologia e toma conta das casas vizinhas que, com a exclusão da dela e de mais duas, servem apenas para férias dos proprietários. Aliás, ela não é a única solitária. Também os seus dois vizinhos são solitários, estão de alguma forma cortados do mundo. A trama narrativa é desencadeada pela morte de um deles, Pé Grande, engasgado com um osso de veado. Todas estas ocupações de Janina são exercícios de ocupação do tempo, onde a conjugação das traduções de Blake com a prática da astrologia são formas de dar um sentido à existência, agora que o exercício de uma profissão técnica se tornou impossível. Esta transição da tecnologia, com os seus estritos limites racionais, para o convívio com um poeta inspirado pelas musas e com os desígnios dos astros não é um aspecto insignificante no desenvolvimento da personagem/narradora. Há um alargamento dos limites da acção permissível e isso tem impacto na economia da intriga.

Janina desenvolveu também uma clara consciência crítica das concepções antropocêntricas. Para ela, o homem não tem direitos especiais sobre as outras espécies e por isso ela é uma vigorosa activista contra a caça e os caçadores. Vê na morte de Pé Grande, um caçador, uma vingança dos próprios animais. Advoga uma teoria da rebelião animal contra os homens, por certo inspirada pelo espírito de rebelião de Blake. Eles teriam uma consciência clara dos seus inimigos e estariam predispostos a vingar-se. E é aqui que entra o romance policial. Depois da morte acidental de Pé Grande, surgem outras mortes, todas elas de membros do clube de caça existente nas redondezas. Ela tenta contribuir para a solução do enigma, escrevendo para a polícia e explicando-lhe a sua teoria da vingança animal. Mais do que assassínios, aquelas mortes seriam o exercício de uma retribuição por parte dos animais, os quais nunca evitam deixar vestígios no local dos assassinatos. Estaríamos assim perante uma arcaica forma de justiça retributiva, a qual existe entre os homens desde tempos imemoriais e, possivelmente, antes da sua chegada ao planeta. A polícia e os cidadãos proeminentes, todavia, não a levam a sério. Julgam-na um pouco louca e vítima de uma inimizade irracional com a nobre prática da caça e com aqueles que a praticam.

Mais importante do que descobrir quem matou os diversos membros do clube de caça, a parte policial da obra, é dar atenção ao questionamento filosófico e político que ela representa. Diversas tensões percorrem a obra. A mais imediata é a tensão entre animais humanos e não humanos. A fronteira que os separa talvez seja tão débil quanto é a fronteira que naqueles lugares separa a Polónia da República Checa. Uma outra é aquela que atravessa o saber e o divide em saberes técnicos e saberes inspirados, cada qual com a sua forma de compreender o mundo, o ordenar e de lhe dar sentido. Por fim, e a não menos importante, a tensão entre a justiça civil, a qual nasce de um contrato entre os homens para sua protecção e gestão dos seus interesses, e uma outra justiça de natureza arcaica, que nasce no interior da própria natureza e cujos decretos, fundados nas suas tábuas de direitos e deveres, estão aquém da linha que pretende separar animais humanos e animais não humanos, para usar uma distinção agora em voga.

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Alma Pátria 63: Amália Rodrigues, Estranha Forma de Vida



O Alma Pátria não podia deixar passar em claro o centenário do nascimento de Amália Rodrigues. A escolha recai sobre um fado cujo poema, um excelente poema, é da autoria da própria Amália. Faz parte de um célebre disco de 1962 conhecido como o disco do busto ou as óperas. Esse disco representa uma ruptura com a forma como o fado era entendido. A isso não será estranho o papel de Alain Oulman. Voltemos ao poema. No cerne está a tensão entre o coração e a razão. Um coração que a razão não comanda, um coração independente e ao mesmo tempo submetido à vontade de Deus. O primeiro verso diz: Foi por vontade de Deus. O último sublinha: Eu não te acompanho mais. Este Eu não te acompanho mais talvez seja mais do que um grito de uma subjectividade esmagada pelo sentimento. Talvez seja um momento em que alguma coisa se rompe na alma pátria.

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Descrições fenomenológicas 54. O túnel

Öyvind Fahlström, Stötar, 1960

Batida pelo sol, a rua mostra o cansaço e as rugas que os anos depositaram na sua pele de tijolo, cimento e alcatrão. Os caixilhos brancos das janelas, de tinta gretada pelo calor, seguram vidros antigos, nem sempre muito limpos, como se a sujidade fosse uma cortina de protecção a quem da rua pretendesse espreitar a intimidade de uma casa, os segredos de alguma alcova, os desvarios de alguém tomado por acesso de loucura. A estrada também teve melhores dias. A profusão de remendos negros deixa perceber que o asfalto é antigo, e que se prefere ir consertando aqui e ali do que pôr um tapete novo. A ladeá-la passeios de um cimento turvo, carcomido pelo uso, cheio de rachas, de onde brotam ervas raquíticas e algum musgo. Duas mulheres, mãe e filha, caminham lado a lado. Por vezes, a mãe sai do passeio e dá alguns passos pela estrada, mas logo volta a pisar o cimento encardido, encostando-se à filha. De uma varanda de um primeiro andar, pende uma bandeira esverdeada, com dizeres imperceptíveis inscritos em amarelo desmaiado pelo sol. Se o vento lhe bate com mais ferocidade, quase levanta voo, sujeitando o mastro a uma pressão a que ele vai cedendo pouco a pouco. Desemboca a rua num túnel sombrio, sem iluminação se é de dia. Dele saem mulheres apressadas, perseguidas pelas suas sombras. Em sentido contrário, três homens entram na escuridão, conversam animados. Um assunto de negócios, compras e vendas, o valor das casas, a recuperação que se pode fazer. Durante alguns segundos as vozes ficam a ecoar até se perderem, como se os seus donos tivessem sido tragados por um buraco negro. De uma loja, uma mercearia, sai uma freguesa, ainda nova, e logo o lojista, agora desocupado, se chega à porta, acende um cigarro e fica a olhar a mulher, que se perde na escuridão do túnel. Depois, inclina a cabeça para baixo e concentra-se num exame minucioso do chão. Por vezes, cumprimenta um transeunte e olha para o outro lado, a rua batida pelo sol, com a esperança de que venha alguém com quem possa conversar e matar aquele tempo, que teima em não passar. Uma rajada de vento ergueu a bandeira, uma janela abriu-se e fechou-se com violência. Os vidros estilhaçados caíram no passeio, onde um cão assutado começou a ladrar, enquanto se afastava perplexo, perdendo-se nas trevas do túnel.

terça-feira, 21 de julho de 2020

Da possibilidade da vida

Margaret Bourke-White, Soldiers at the Branderburg gate, Berlin, 1932
Os homens sempre consideraram o desconhecimento do futuro como uma limitação inaceitável. Lançaram a mão de mil e um dispositivos para iluminar o que ainda não se pode ver. Não compreendem que essa ignorância decretada pelos deuses é a condição de possibilidade de se estar vivo. Não fôramos cegos para o futuro e a vida seria impossível. 

domingo, 19 de julho de 2020

A Garrafa Vazia 4

Guillermo Pérez Villalta, Confundir al monstruo, 1993

Nunca me faltou talento
para minguar
o cofre da vida
escondido
na parede rebocada
do conforto.

Bebi o que a sede pediu
e sentado no camarote
da indolência
vi o navio dos anos
passar
sobre o álcool do dia.

Novembro de 2019

sexta-feira, 17 de julho de 2020

E se António Rodrigues?


Se António Rodrigues não se candidatar à presidência do Município, Pedro Ferreira será, sem dificuldade, reeleito. A entrada de António Rodrigues na corrida poderá, contudo, perturbar o passeio dos socialistas. Não conheço estudos de opinião, mas, por certo, a eleição tornar-se-á polarizada entre duas personalidades e duas histórias políticas. Como já se percebeu pelas reacções nas redes sociais após a apresentação, pelo antigo presidente, do movimento P’la Nossa Terra, a batalha será jogada em torno do balanço das realizações e do estilo de persona política. António Rodrigues reivindicará um passado cheio de iniciativa, de capacidade de abrir caminhos que pareciam fechados. Pedro Ferreira falará das dificuldades financeiras que teve de enfrentar e fará transparecer a forma cordata e consensual como rege a sua existência política.

Esta eventual polarização das eleições não deixará de ter efeitos colaterais nas outras forças. Parte dos eleitores do PSD, do BE e até da CDU podem ser tentados a tomar posição e contribuir para a vitória ou para a derrota de um dos candidatos. Numa situação de tensão em que a vitória de um implicará a derrota de outro, irão contar mais as apreciações à história política e à personalidade dos dois candidatos do que as tradicionais fidelidades partidárias. A candidatura de António Rodrigues não é apenas um problema para os socialistas locais. É-o também para as outras forças políticas. Vão ser obrigadas a encontrar um caminho para evitar a tentação dos seus eleitores se dividirem entre as duas figuras em confronto. Depois da surpresa do desaparecimento da CDU da vereação, podemos ter novas surpresas.

Há uma coisa, contudo, que será mais preocupante. Pedro Ferreira e António Rodrigues são da minha geração. Fizeram ambos muito, de uma forma ou de outra, pelo concelho, mas somos velhos, apesar de disfarçarmos. Eu não sou dos que acham que as pessoas mais velhas são uma peste grisalha. Pelo contrário, têm uma sabedoria acumulada muito importante, mas as instituições políticas precisam de sangue novo, de novas gerações. Precisam de gente que tenha nascido já depois do 25 de Abril, que não seja do tempo dos Beatles ou do Woodstock, que veja aquilo que os mais velhos já não conseguem perceber. Isto não tem nada a ver com a capacidade pessoal dos dois possíveis candidatos, mas com a necessidade de sangue novo, de novas ideias, de gente que tenha ainda um longo futuro à sua frente. Se as eleições forem polarizadas pelos dois prováveis candidatos, a necessidade dessa renovação do corpo político local ficará ocultada pelo menos por mais quatro anos.

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Cormac McCarthy, O Guarda do Pomar


Publicado em 1965, O Guarda do Pomar, é o primeiro romance do norte-americano Cormac McCarthy. Em 1966 foi-lhe atribuído o William Faulkner Foundation Award. O romance passa-se no tempo da Lei Seca, no Tenessee, em zona montanhosa, num lugarejo denominado Red Branch, e cruza os destinos de três personagens. O velho Arthur Ownby, o guarda de um pomar abandonado, que vive com um cão, um podengo, também ele velho. A paisagem bravia envolvente e ele fundem-se e espelham-se ao longo do romance. O jovem John Rattner, cujo pai foi assassinado, embora ele nunca tenha a certeza disso. O leitor sabe que Kenneth Rattner, o pai, foi morto, sabe quem o matou, as razões do assassinato e o lugar onde o corpo foi escondido. O jovem John e a mãe apenas suspeitam que isso tenha acontecido, dado o desaparecimento dele. Por fim, Marion Sylder um contrabandista de whiskey que matou Kenneth Rattner em autodefesa. Kenneth Rattner, aparentemente uma personagem menor e circunstancial, é o elo que liga, de forma invisível, aquelas três pessoas. Um era filho, o outro o assassino e o terceiro, o velho Ownby, em cujo tanque o cadáver desconhecido tinha sido depositado, que mantém o corpo escondido e ao qual, de certa forma, presta culto.

Uma das questões que se poderá colocar acerca da natureza do romance é se se está perante um romance de formação (Bildungsroman). Na verdade, a personagem central é o jovem Rattner. Central porque é a que possui laços que o ligam tanto a Ownby como a Sylder. O primeiro acaba por dar algum apoio à família Rattner após o desaparecimento do pai. O segundo, na sequência de um acidente em que é socorrido por John, estabelece uma relação com este quase como se fosse um pai substituto. São estes dois homens que, com os seus códigos de valores, ajudam à formação do carácter do órfão. No entanto, formação do carácter não resulta apenas das relações estabelecidas com as outras duas presonagens, mas também com a envolvência natural. A montanha e a floresta parecem ter um poder enorme sobre quem nelas habita e é isso o que autor sublinha. A vida selvagem, as paisagens inóspitas, o exercício da caça, tudo são elementos que vão fortalecer e moldar o jovem Rattner.

As relações de John tanto com Ownby como com Sylder são uma meditação sobre a natureza da família. É verdade que qualquer um destes caracteres é marcado pelo individualismo típico da cultura americana. A independência dos outros e o culto da autonomia estão bem vincados. No entanto, a família, enquanto comunidade de transmissão de valores, tem um papel fundamental. À desestruturação da família Rattner, devido à morte do pai, segue-se uma recomposição noutros termos, onde Arthur Ownby funciona como a imagem de um avô sagaz e a de Sylder, a de um pai que inicia o filho aos mistérios do mundo. Natural ou simbólica, a família é estruturante para a formação do jovem e um contraponto comunitário ao puro individualismo.

Se a formação do jovem Rattner e a família são temas importantes no romance de McCarthy, os temas do paraíso e do paraíso perdido não o são menos. O lugar onde se desenrola a vida das personagens é descrito de forma bastante pormenorizada. Não o lugar social que se descobre evanescente e pouco sólido, mas o lugar natural. A natureza selvagem e luxuriante é descrita com exuberância. As descrições são exercícios de virtuosismo em que o autor parece pretender que o leitor não apenas leia sobre aquele mundo arcaico, mas que o veja, que o consiga projectar diante dos olhos. Este mundo é uma imagem do paraíso e é no paraíso, apesar e tudo, que as personagens vivem. Ora, sempre que existe um paraíso onde as pessoas vivem, existe também uma queda, uma expulsão desse paraíso. Basta uma desobediência ou, talvez de forma mais dramática do que desobedecer, basta crescer para que as portas do paraíso se abram e quem lá vive seja expulso e não mais possa voltar a esse lugar encantado. No entanto, não é Deus que expulsa o homem do paraíso, mas o próprio homem que se expulsa lugar encantado.

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Descrições fenomenológicas 53. Os vigilantes

Carlos de Paz, Con pensamientos abollados II, 2001

No topo de um arranha-céus quatro homens caminham de um lado para outro. O passo é marcial, apesar de vestirem fato e gravata. As sombras projectam-se ora para a frente, ora para trás. Eles vão de uma ponta a outra e retornam. Por vezes, param e chegam-se ao muro que impede a queda no abismo. Olham demoradamente o fluir do trânsito na avenida, o movimento da multidão que se apressa nos passeios, os eléctricos, carregados de gente, a equilibrarem-se sobre os carris. Depois pegam em binóculos e percorrem as fachadas dos prédios, o topo dos edifícios, demorando-se numa janela, numa entrada, numa varanda. Trocam palavras breves e voltam ao passo marcial, de uma ponta a outra. Fazem-no em silêncio, observando a sombra quando ela cresce diante deles, olhando o céu quando a sombra fica para trás. Por vezes, um helicóptero rasga o murmúrio da cidade e poisa noutro prédio. De lá saem agentes fardados, dão uma corrida e são engolidos por uma porta. Então, o helicóptero ergue-se nos ares, a hélice a rodopiar, um barulho ensurdecedor e desaparece. Lá em baixo, a multidão move-se como uma centopeia e os carros, vistos de cima, parecem carreiros de formigas. No céu, não há nuvens para ofuscar o sol. Na terra, a rotina dirige o destino das pessoas. No alto de um arranha-céus, quatro homens andam de um lado para o outro, marcham como se fossem militares e vigiam o mundo atentos para que a rotina continue imperturbada e tudo se passe como nada se passasse.

sábado, 11 de julho de 2020

Anthony Doerr, Toda a luz que não podemos ver


O romance de Anthony Doerr, Toda a luz que não podemos ver, foi publicado em Maio de 2014 e ganhou o Prémio Pulitzer para ficção, no ano de 2015, bem como a Andrew Carnegie Medal for Excellence in Fiction. A edição portuguesa é também de 2015. O cenário temporal onde se desenvolve a acção romanesca é o da segunda guerra mundial e as duas personagens centrais, Marie-Laure LeBlanc, uma rapariga francesa, e Werner Pfennig, um rapaz alemão, são marcados, cada um deles, por uma perda fundamental. Devido a um problema de cataratas, ela cegou aos seis anos. Ele, por seu turno, é órfão e vive num orfanato. A obra combina as características de diversos géneros literários. É ao mesmo tempo um Bildungsroman (um romance de formação), um romance sobre a segunda guerra mundial, um romance de aventuras e ainda uma meditação sobre o destino, a liberdade e o condicionamento que a realidade envolvente coloca aos seres humanos.

De todas estes aspectos, o mais dispensável, na trama romanesca, é o de romance de aventuras. Essa faceta decorre à volta de um diamante que possui uma maldição. O importante é a escolha de uma cega e de um órfão, jovens durante o tempo dos acontecimentos, para protagonistas. A sua condição é a de estarem afectados por uma perda que condiciona a sua existência e lhes diminui a liberdade, ao ponto de terem a sensação de não a possuírem. Esta condição de perda presente nos protagonistas é o contraponto de um mundo também em perda devido à segunda guerra mundial e à erosão de valores gerada tanto pelo regime totalitário nazi como pelas próprias circunstâncias do conflito, no qual os limites da decência humana são ultrapassados com excessiva facilidade.

Marie-Laure LeBlanc e Werner Pfennig têm de enfrentar, no processo de formação, os seus condicionamentos. Como poderá ela orientar-se num mundo construído sob o efeito da luz, um mundo visual? Como poderá ele, sem família, recolhido num orfanato, condenado a ter ir trabalhar para mina de carvão aos 15 anos, realizar o seu sonho de ser cientista, fugir à escuridão da mina e deixar-se guiar pela luz da ciência? A questão central é se esses condicionamentos possuem uma natureza rigidamente determinada, se são uma consequência inexorável vinda do passado, ou se há a possibilidade de lhes fugir por actos de liberdade. O que se coloca a ambos os jovens não é o mero problema teórico de possuírem livre-arbítrio, mas o que fazer com ele, caso admitam que o possuem. O que fazer nos momentos mais difíceis, como aqueles que se passam Saint-Malo, cidade à qual a guerra os conduz? Ela chegou ali vinda de Paris para fugir com o pai da ocupação alemã, ele integrado no exército invasor com a missão de detectar um posto clandestino de rádio que dava informações cifradas aos aliados, e que funcionava, precisamente, na casa do tio-avô de Marie-Laure e aonde ela vivia.

O romance, ao desenvolver este questionamento sobre a liberdade no processo de formação de ambos, deixa compreender, ao mesmo tempo, algumas facetas da segunda guerra mundial. A obra de Doerr torna manifesto o grau de adesão mística dos jovens ao nazismo, a suspensão por eles da racionalidade, do bom senso e da empatia com os seres humanos, tudo isso substituído por um culto feroz da violência, pela glorificação do mais forte e pela ausência de piedade que se deve ostentar como programa de vida ao serviço Füher e forma de se dissolver no fundo atávico da comunidade. Observa-se também a resistência francesa, a forma como os cidadãos franceses se opuseram à invasão nazi, como se organizaram para enfrentar o inimigo que os humilhara. A obra deixa perceber, todavia, uma realidade matizada e não é um exercício maniqueísta, no qual os bons estão todos de um lado e os maus no outro. Jutta, a irmã de Werner, opõe-se, anda que no âmbito restrito da relação familiar, ao delírio criminoso alemão, enquanto o pai de Marie-Claude é preso pelos alemães após denúncia de um colaboracionista francês.

O processo de formação conduzirá os dois jovens a destinos diferentes. A liberdade – e é possível detectar no romance o eco da ideia sartriana de que estamos condenados à liberdade – é um exercício que, por si mesmo, não nos assegura outra coisa senão sermos livres. Entregues a essa liberdade, as pessoas seguem caminhos diferenciados e chegam a portos também eles diferenciados. Será ela, a liberdade de assumirmos um destino, de fazermos uma escolha, toda essa luz que não podemos ver. A liberdade não é do domínio da experiência empírica, mas a luz invisível que na nossa razão nos guia e torna humanos, que faz de nós mais que meros artefactos manipulados pela espírito da massa.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

A Garrafa Vazia 3

Victor Vasarely, Belle-Isle, 1949-52

Não vale a pena
semear o grão
e esperar
o trigo de um verso
para encher
as tulhas
no celeiro do silêncio.

Novembro de 2019

terça-feira, 7 de julho de 2020

Sinais de decomposição

Lajos Kassák, Ataque, 1918
Até para um observador não muito atento, os sinais de decomposição da realidade social em que vivemos são claros. O caos calmo provocado pela pandemia ou os desarranjos do clima, para não falar da implosão da racionalidade dentro da esfera política ou das facécias no mundo da economia. De todos esses sinais, o mais forte será o da negação dessa decomposição, o não querer acreditar que a realidade em que se vive está sob um duríssimo ataque. As pessoas estão a olhar para ela, estão dentro dela, mas não a querem ver e partem do princípio que aquilo que não se quer ver não existe. Organizamos a queda no abismo como se fosse uma grande festa.

domingo, 5 de julho de 2020

A justa distância


Começamos a descobrir que eram exorbitantes as expectativas de que a pandemia fosse um pesadelo que passaria na manhã seguinte. Quando se confinou, a esperança era que tudo voltasse ao habitual passadas duas semanas, talvez quatro. A ideia radicava na inocência e na ignorância. Com o passar dos dias fomos percebendo que a vida iria mudar mais do que gostaríamos. A experiência das últimas semanas está a dar-nos uma percepção da realidade que não esperávamos.

A moral aristotélica coloca a virtude na justa medida. Esta significa o meio termo entre dois vícios. A virtude da coragem, por exemplo, seria equidistante do vício da cobardia e do da temeridade. A pandemia veio trazer outra perspectiva da justa medida. Qual a justa distância entre mim e os outros? Que espaço físico devo manter para protecção de todos? Esta distância espacial que nos está a ser imposta terá, por certo, efeitos na forma como nos relacionamos.

O importante, do ponto de vista moral, é descobrir a distância exacta que devemos manter relativamente aos outros para que não se aproximem demasiado e, ao mesmo tempo, para que não se afastem em excesso. Neste momento, o desrespeito dessa justa distância é já alvo de crítica, quando é propositado, ou de lamento, quando, como nos transportes públicos, parece ser uma inevitabilidade. A justa distância torna-se, deste modo, o objecto central da conduta moral.

Isto coloca um problema político. Não se trata apenas de gerir, através da autoridade e da coerção, a justa distância que os membros da comunidade devem manter entre si, mas de encontrar a justa distância que o político deve manter tanto em relação aos outros políticos como aos cidadãos. Alguns dos debates dos últimos tempos giraram já em torno da justa distância. As comemorações do 25 de Abril asseguravam a justa distância? E a coreografia da CGTP no 1.º de Maio? E a manifestação anti-racista de há dias ou a manifestação do Chega e o jantar que promoveu em Torres Novas? Quantos deputados podem estar ao mesmo tempo no parlamento?

A justa distância impõe uma nova relação, ainda desconhecida, com os eleitores, mas também entre os próprios políticos. À partida parece ser uma questão de cuidado sanitário, mas talvez não seja descabido lembrar que muitos problemas políticos nascem de questões espaciais, e que o espaço que cada um deverá preservar da invasão do outro vai, por questões de saúde, ser investido de forte carga salvífica, isto é, vai tornar-se um espaço sagrado, que só a justa distância respeitará. Não há coisa mais política do que um espaço sacralizado.

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Lições do desconfinamento


Com o desconfinamento e a aproximação a uma vida normal, aquilo que fora um êxito em Portugal no combate à pandemia parece estar a dissolver-se com a multiplicação das cadeias de transmissão e a situação particularmente difícil de algumas zonas de Lisboa. Em tudo isto se cruzam razões diversas que tornam o fenómeno complexo. Vejamos algumas, apenas algumas, dessas razões.

As zonas agora atingidas são aquelas em que as condições de vida das pessoas não lhes permitem ficar em casa ou evitar meios de transporte sobrelotados e perigosos. O que a pandemia está a destapar é aquilo que não se tem querido ver. Parte significativa das pessoas que fazem os trabalhos menos diferenciados vivem em condições deploráveis. Os salários praticados são baixos e a vida nas grandes áreas urbanas é muito cara. Por outro lado, faz parte da cultura nacional a inexistência de uma rede de transportes rápida e cómoda. Os transportes públicos, em horas de ponta, implicam a submissão das pessoas à sobrelotação. Nem sequer lhes ocorre que isso não deve ser assim nem tem de ser assim. Estas zonas são um barril de pólvora, agora, do ponto de vista sanitário. Mais tarde, do ponto de vista social.

Uma outra dimensão da realidade é aquela que se relaciona com os comportamentos das pessoas. O governo agiu como se estas – principalmente, os mais novos – se comportassem, por iniciativa própria, de forma razoável e responsável. Não teve em atenção a cultura que está instalada nas sociedade contemporâneas. A rápida gratificação dos desejos e dos apetites, aliada a uma crença disseminada de que o vírus é inócuo para os mais jovens, não se coaduna com os comportamentos necessários à situação em que vivemos. Não parecem descabidas as críticas que se têm ouvido pela forma como se está a fazer o processo de aproximação à vida normal. Rápido demais e sem a preparação devida.

É em situações destas que se percebe a pertinência do pensamento de Thomas Hobbes sobre o papel da segurança na instituição do vínculo político. A segurança não se relaciona apenas com a necessidade de evitar a guerra de todos contra todos. Ela também se liga à resolução de ameaças como a que vivemos, na qual a acção do soberano é central para conter o perigo. Em casos como estes, aos detentores do poder político não lhes cabe o papel de confiarem na responsabilidade das pessoas. Cabe-lhes, antes, o de prever o pior e de agir com determinação para o evitar. E parece ter sido isto que, depois do sucesso inicial, começou a ser esquecido. Possivelmente, não apenas em Portugal.

[A minha crónica no jornal A Barca]

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Descrições fenomenológicas 52. Casal em lua-de-mel

Fernando Lerín, sem título, 1985

Ouviu-se o tilintar da moeda enquanto caía pela coluna do telescópio e desbloqueava a lente, que lhe permitia ver aquilo que os olhos são incapazes de observar. Agora era possível espiar a paisagem e ele, talvez porque haja entre os dois um acordo secreto que o dispensa, mesmo em lua-de-mel, a um acto de gentileza, inclina-se e manipula o dispositivo. A queda das águas estrondeia, num ruído contínuo que hesita entre  a imitação de uma trovoada e o ronco da terra ao tremer. De pernas flectidas, com um casaco que lembra mais um velho avô do que um jovem marido, o homem segura pelo cabo uma bandeirola onde está inscrito o nome da atracção turística onde se encontram. Entre exclamações e comentários sobre a força das águas e o poder da natureza, ele vai apontando para aqui e para ali, enquanto ela, também de bandeirola na mão, tenta seguir o trajecto que lhe vai sendo indicado, com um entusiasmo que só a recente conjugalidade permite compreender. As águas ribombam ao despenharem-se no abismo, a velocidade da queda, a resistência da rocha, o choque titânico com a terra dura. Nuvens de água pulverizada formam-se por todo o lado, como se uma névoa eterna fizesse ali a sua casa. Ela aproxima-se do gradeamento e olha o fundo, mas ele chama-a. É perigoso, diz. Uma vertigem, um desequilíbrio e não há salvação possível. Ela ri e diz deixa-me ver. Espera até que o tempo acabe, depois ponho uma moeda para ti. Gritam para se fazerem ouvir. É a vez dela se inclinar, o vestido curto sobe-lhe mais um pouco, descobrindo-lhe as coxas. Ele olha em volta, certifica-se que não está ninguém, então deixa deslizar uma mão nas pernas dela, fazendo-a subir, mas a mulher, entre risos, afasta-o e aponta para o horizonte. Ele parece desinteressado e, já um pouco inquieto, compõe o casado anacrónico. O arvoredo reluz de humidade e corvos voam entre árvores, numa urgência quase humana. Ouve-se um clique e ela grita acabou-se, vamos. Deram a mão, o marido aponta para uma das quedas, enquanto um helicóptero sobrevoa o local, cobrindo as palavras com o ronco mecânico de quem vigia o universo. As águas não param de chegar e cair. No ar há um cheiro à inocência das flores primaveris. Eles correm e desaparecem numa curva do caminho. A paisagem reverbera solitária, despojada, por momentos, de turistas. A água cai, a terra treme e um vento ligeiro espalha a humidade.