Começamos a descobrir que eram exorbitantes as expectativas
de que a pandemia fosse um pesadelo que passaria na manhã seguinte. Quando se
confinou, a esperança era que tudo voltasse ao habitual passadas duas semanas,
talvez quatro. A ideia radicava na inocência e na ignorância. Com o passar dos
dias fomos percebendo que a vida iria mudar mais do que gostaríamos. A experiência
das últimas semanas está a dar-nos uma percepção da realidade que não
esperávamos.
A moral aristotélica coloca a virtude na justa medida. Esta
significa o meio termo entre dois vícios. A virtude da coragem, por exemplo,
seria equidistante do vício da cobardia e do da temeridade. A pandemia veio
trazer outra perspectiva da justa medida. Qual a justa distância entre mim e os
outros? Que espaço físico devo manter para protecção de todos? Esta distância
espacial que nos está a ser imposta terá, por certo, efeitos na forma como nos
relacionamos.
O importante, do ponto de vista moral, é descobrir a
distância exacta que devemos manter relativamente aos outros para que não se
aproximem demasiado e, ao mesmo tempo, para que não se afastem em excesso. Neste
momento, o desrespeito dessa justa distância é já alvo de crítica, quando é
propositado, ou de lamento, quando, como nos transportes públicos, parece ser
uma inevitabilidade. A justa distância torna-se, deste modo, o objecto central
da conduta moral.
Isto coloca um problema político. Não se trata apenas de
gerir, através da autoridade e da coerção, a justa distância que os membros da
comunidade devem manter entre si, mas de encontrar a justa distância que o
político deve manter tanto em relação aos outros políticos como aos cidadãos. Alguns
dos debates dos últimos tempos giraram já em torno da justa distância. As
comemorações do 25 de Abril asseguravam a justa distância? E a coreografia da
CGTP no 1.º de Maio? E a manifestação anti-racista de há dias ou a manifestação
do Chega e o jantar que promoveu em Torres Novas? Quantos deputados podem estar
ao mesmo tempo no parlamento?
A justa distância impõe uma nova relação, ainda
desconhecida, com os eleitores, mas também entre os próprios políticos. À
partida parece ser uma questão de cuidado sanitário, mas talvez não seja
descabido lembrar que muitos problemas políticos nascem de questões espaciais,
e que o espaço que cada um deverá preservar da invasão do outro vai, por
questões de saúde, ser investido de forte carga salvífica, isto é, vai
tornar-se um espaço sagrado, que só a justa distância respeitará. Não há coisa
mais política do que um espaço sacralizado.
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