Com o desconfinamento e a aproximação a uma vida normal,
aquilo que fora um êxito em Portugal no combate à pandemia parece estar a
dissolver-se com a multiplicação das cadeias de transmissão e a situação
particularmente difícil de algumas zonas de Lisboa. Em tudo isto se cruzam
razões diversas que tornam o fenómeno complexo. Vejamos algumas, apenas
algumas, dessas razões.
As zonas agora atingidas são aquelas em que as condições de
vida das pessoas não lhes permitem ficar em casa ou evitar meios de transporte
sobrelotados e perigosos. O que a pandemia está a destapar é aquilo que não se
tem querido ver. Parte significativa das pessoas que fazem os trabalhos menos
diferenciados vivem em condições deploráveis. Os salários praticados são baixos
e a vida nas grandes áreas urbanas é muito cara. Por outro lado, faz parte da
cultura nacional a inexistência de uma rede de transportes rápida e cómoda. Os
transportes públicos, em horas de ponta, implicam a submissão das pessoas à
sobrelotação. Nem sequer lhes ocorre que isso não deve ser assim nem tem de ser
assim. Estas zonas são um barril de pólvora, agora, do ponto de vista sanitário.
Mais tarde, do ponto de vista social.
Uma outra dimensão da realidade é aquela que se relaciona com
os comportamentos das pessoas. O governo agiu como se estas – principalmente, os
mais novos – se comportassem, por iniciativa própria, de forma razoável e
responsável. Não teve em atenção a cultura que está instalada nas sociedade
contemporâneas. A rápida gratificação dos desejos e dos apetites, aliada a uma crença
disseminada de que o vírus é inócuo para os mais jovens, não se coaduna com os comportamentos
necessários à situação em que vivemos. Não parecem descabidas as críticas que
se têm ouvido pela forma como se está a fazer o processo de aproximação à vida
normal. Rápido demais e sem a preparação devida.
É em situações destas que se percebe a pertinência do
pensamento de Thomas Hobbes sobre o papel da segurança na instituição do
vínculo político. A segurança não se relaciona apenas com a necessidade de evitar
a guerra de todos contra todos. Ela também se liga à resolução de ameaças como a
que vivemos, na qual a acção do soberano é central para conter o perigo. Em
casos como estes, aos detentores do poder político não lhes cabe o papel de
confiarem na responsabilidade das pessoas. Cabe-lhes, antes, o de prever o pior
e de agir com determinação para o evitar. E parece ter sido isto que, depois do
sucesso inicial, começou a ser esquecido. Possivelmente, não apenas em
Portugal.
[A minha crónica no jornal A Barca]
[A minha crónica no jornal A Barca]
Excelente análise. Não me parece que tenha havido sucesso inicial mas sim uma história mal contada.
ResponderEliminarAbraço
Algum sucesso houve, pois evitou-se o descalabro que aconteceu em Itália, Espanha, França ou Inglaterra, mas agora as coisas parecem estar a ser reguladas com a nossa proverbial bonomia, isto é, facilidade.
EliminarAbraço