Öyvind Fahlström, Stötar, 1960 |
Batida pelo sol, a rua mostra o cansaço e as rugas que os anos depositaram
na sua pele de tijolo, cimento e alcatrão. Os caixilhos brancos das janelas, de
tinta gretada pelo calor, seguram vidros antigos, nem sempre muito limpos, como
se a sujidade fosse uma cortina de protecção a quem da rua pretendesse
espreitar a intimidade de uma casa, os segredos de alguma alcova, os desvarios
de alguém tomado por acesso de loucura. A estrada também teve melhores dias. A
profusão de remendos negros deixa perceber que o asfalto é antigo, e que se
prefere ir consertando aqui e ali do que pôr um tapete novo. A ladeá-la passeios
de um cimento turvo, carcomido pelo uso, cheio de rachas, de onde brotam ervas
raquíticas e algum musgo. Duas mulheres, mãe e filha, caminham lado a lado. Por
vezes, a mãe sai do passeio e dá alguns passos pela estrada, mas logo volta a
pisar o cimento encardido, encostando-se à filha. De uma varanda de um primeiro
andar, pende uma bandeira esverdeada, com dizeres imperceptíveis inscritos em
amarelo desmaiado pelo sol. Se o vento lhe bate com mais ferocidade, quase
levanta voo, sujeitando o mastro a uma pressão a que ele vai cedendo pouco a
pouco. Desemboca a rua num túnel sombrio, sem iluminação se é de dia. Dele saem
mulheres apressadas, perseguidas pelas suas sombras. Em sentido contrário, três
homens entram na escuridão, conversam animados. Um assunto de negócios, compras
e vendas, o valor das casas, a recuperação que se pode fazer. Durante alguns
segundos as vozes ficam a ecoar até se perderem, como se os seus donos tivessem
sido tragados por um buraco negro. De uma loja, uma mercearia, sai uma freguesa,
ainda nova, e logo o lojista, agora desocupado, se chega à porta, acende um
cigarro e fica a olhar a mulher, que se perde na escuridão do túnel. Depois,
inclina a cabeça para baixo e concentra-se num exame minucioso do chão. Por
vezes, cumprimenta um transeunte e olha para o outro lado, a rua batida pelo
sol, com a esperança de que venha alguém com quem possa conversar e matar
aquele tempo, que teima em não passar. Uma rajada de vento ergueu a bandeira,
uma janela abriu-se e fechou-se com violência. Os vidros estilhaçados caíram no
passeio, onde um cão assutado começou a ladrar, enquanto se afastava perplexo,
perdendo-se nas trevas do túnel.
...absolutamente cinematográfico!
ResponderEliminarMuito obrigado.
EliminarNa escuridão do túnel uma bela imagem do quotidiano.
ResponderEliminarUm abraço
Muito obrigado.
EliminarAbraço