Fernando Lerín, sem título, 1985 |
Ouviu-se o tilintar da moeda enquanto caía pela coluna do telescópio e
desbloqueava a lente, que lhe permitia ver aquilo que os olhos são incapazes de
observar. Agora era possível espiar a paisagem e ele, talvez porque haja entre os
dois um acordo secreto que o dispensa, mesmo em lua-de-mel, a um acto de
gentileza, inclina-se e manipula o dispositivo. A queda das águas estrondeia,
num ruído contínuo que hesita entre a
imitação de uma trovoada e o ronco da terra ao tremer. De pernas flectidas, com
um casaco que lembra mais um velho avô do que um jovem marido, o homem segura pelo
cabo uma bandeirola onde está inscrito o nome da atracção turística onde se
encontram. Entre exclamações e comentários sobre a força das águas e o poder da
natureza, ele vai apontando para aqui e para ali, enquanto ela, também de
bandeirola na mão, tenta seguir o trajecto que lhe vai sendo indicado, com um
entusiasmo que só a recente conjugalidade permite compreender. As águas
ribombam ao despenharem-se no abismo, a velocidade da queda, a resistência da
rocha, o choque titânico com a terra dura. Nuvens de água pulverizada formam-se
por todo o lado, como se uma névoa eterna fizesse ali a sua casa. Ela
aproxima-se do gradeamento e olha o fundo, mas ele chama-a. É perigoso, diz.
Uma vertigem, um desequilíbrio e não há salvação possível. Ela ri e diz
deixa-me ver. Espera até que o tempo acabe, depois ponho uma moeda para ti. Gritam
para se fazerem ouvir. É a vez dela se inclinar, o vestido curto sobe-lhe mais
um pouco, descobrindo-lhe as coxas. Ele olha em volta, certifica-se que não
está ninguém, então deixa deslizar uma mão nas pernas dela, fazendo-a subir,
mas a mulher, entre risos, afasta-o e aponta para o horizonte. Ele parece
desinteressado e, já um pouco inquieto, compõe o casado anacrónico. O arvoredo
reluz de humidade e corvos voam entre árvores, numa urgência quase humana.
Ouve-se um clique e ela grita acabou-se, vamos. Deram a mão, o marido aponta para
uma das quedas, enquanto um helicóptero sobrevoa o local, cobrindo as palavras com
o ronco mecânico de quem vigia o universo. As águas não param de chegar e cair.
No ar há um cheiro à inocência das flores primaveris. Eles correm e desaparecem
numa curva do caminho. A paisagem reverbera solitária, despojada, por momentos,
de turistas. A água cai, a terra treme e um vento ligeiro espalha a humidade.
Belo post de férias.
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Obrigado.
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