Carlos de Paz, Con pensamientos abollados II, 2001 |
No topo de um arranha-céus quatro homens caminham de um lado para
outro. O passo é marcial, apesar de vestirem fato e gravata. As sombras
projectam-se ora para a frente, ora para trás. Eles vão de uma ponta a outra e
retornam. Por vezes, param e chegam-se ao muro que impede a queda no abismo. Olham
demoradamente o fluir do trânsito na avenida, o movimento da multidão que se
apressa nos passeios, os eléctricos, carregados de gente, a equilibrarem-se
sobre os carris. Depois pegam em binóculos e percorrem as fachadas dos prédios,
o topo dos edifícios, demorando-se numa janela, numa entrada, numa varanda.
Trocam palavras breves e voltam ao passo marcial, de uma ponta a outra.
Fazem-no em silêncio, observando a sombra quando ela cresce diante deles,
olhando o céu quando a sombra fica para trás. Por vezes, um helicóptero rasga o
murmúrio da cidade e poisa noutro prédio. De lá saem agentes fardados, dão uma
corrida e são engolidos por uma porta. Então, o helicóptero ergue-se nos ares,
a hélice a rodopiar, um barulho ensurdecedor e desaparece. Lá em baixo, a
multidão move-se como uma centopeia e os carros, vistos de cima, parecem
carreiros de formigas. No céu, não há nuvens para ofuscar o sol. Na terra, a rotina
dirige o destino das pessoas. No alto de um arranha-céus, quatro homens andam
de um lado para o outro, marcham como se fossem militares e vigiam o mundo
atentos para que a rotina continue imperturbada e tudo se passe como nada se
passasse.
Tempos rigorosamente vigiados.
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Os nossos tempos.
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