segunda-feira, 13 de julho de 2020

Descrições fenomenológicas 53. Os vigilantes

Carlos de Paz, Con pensamientos abollados II, 2001

No topo de um arranha-céus quatro homens caminham de um lado para outro. O passo é marcial, apesar de vestirem fato e gravata. As sombras projectam-se ora para a frente, ora para trás. Eles vão de uma ponta a outra e retornam. Por vezes, param e chegam-se ao muro que impede a queda no abismo. Olham demoradamente o fluir do trânsito na avenida, o movimento da multidão que se apressa nos passeios, os eléctricos, carregados de gente, a equilibrarem-se sobre os carris. Depois pegam em binóculos e percorrem as fachadas dos prédios, o topo dos edifícios, demorando-se numa janela, numa entrada, numa varanda. Trocam palavras breves e voltam ao passo marcial, de uma ponta a outra. Fazem-no em silêncio, observando a sombra quando ela cresce diante deles, olhando o céu quando a sombra fica para trás. Por vezes, um helicóptero rasga o murmúrio da cidade e poisa noutro prédio. De lá saem agentes fardados, dão uma corrida e são engolidos por uma porta. Então, o helicóptero ergue-se nos ares, a hélice a rodopiar, um barulho ensurdecedor e desaparece. Lá em baixo, a multidão move-se como uma centopeia e os carros, vistos de cima, parecem carreiros de formigas. No céu, não há nuvens para ofuscar o sol. Na terra, a rotina dirige o destino das pessoas. No alto de um arranha-céus, quatro homens andam de um lado para o outro, marcham como se fossem militares e vigiam o mundo atentos para que a rotina continue imperturbada e tudo se passe como nada se passasse.

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