Constante Puyo, Chant Sacré, 1900 |
terça-feira, 30 de janeiro de 2024
Beatitudes (65) Canto sagrado
domingo, 28 de janeiro de 2024
A persistência da memória (28)
Alfred Stieglitz, A wet day on the boulevard - Paris, 1897 |
sexta-feira, 26 de janeiro de 2024
Simulacros e simulações (59)
Júlio Resende, sem título, 1948 (Gulbenkian) |
quarta-feira, 24 de janeiro de 2024
VI Automne à Varsovie
Fernando Azevedo, Ocultação, 1950 (Gulbenkian) |
árvores de outono tão escuras
se férvidas abrem-se nas manhãs
se frias jazem negras e impuras
amarelas da negra morte irmãs
pássaros em voo raso
segunda-feira, 22 de janeiro de 2024
Nocturnos 113
Ernst Ludwig Kirchner, Night Moon; Accordion Player by Moonlight, 1924 |
sábado, 20 de janeiro de 2024
Os novos revolucionários
O desfile de personalidades de diversas proveniências convertidas ao Chega tem sido um espectáculo admirável. Trata-se da radicalização de parte da direita portuguesa. Vale a pena estabelecer uma comparação com o Bloco de Esquerda. Quando nos finais dos anos noventa do século passado, o BE foi fundado, assistiu-se também a uma conversão. Contudo, essa conversão teve um sentido bem diferente. Duas das três organizações que deram origem ao BE vinham da extrema-esquerda, a UDP e o PSR. O novo partido representou um corte com um passado radical e permitiu a entrada no sistema da democracia liberal de muitos militantes que tinham estado, de certo modo, na sua margem. Quando há uns tempos Catarina Martins disse que o BE era uma organização social-democrata, apenas sublinhou uma evidência.
Muitas pessoas que estavam em partidos moderados da direita portuguesa decidiram sair do armário e entrar numa via de radicalização. Esta radicalização não está apenas na linguagem contra os ciganos e os imigrantes, não se fica pela coreografia desrespeitosa das actuais instituições portuguesas. Encontra-se no objectivo político central que é perseguido. A destruição das actuais instituições e a fundação daquilo a que Ventura chamou a IV República, embora isso tenha sido apagado do discurso público. A ideia que actualmente se pretende passar, de que o Chega é um partido conservador, só pode enganar quem não tenha a mínima noção do que é o conservadorismo. O que está em jogo é destruir o legado do 25 de Abril de 1974. Portanto, uma espécie de revolução, ou, melhor, de uma contra-revolução.
Com honrosas,
mas raras, excepções, as direitas portuguesas mantiveram-se fiéis à ditadura de
Salazar e de Caetano. O PSD e o CDS fizeram um trabalho notável de integração
dessas direitas no regime democrático. Com o tempo, foi-se consolidando uma
direita democrática, respeitadora das regras da democracia liberal e de
orientação europeísta. Contudo, a direita antidemocrática nunca deixou de
existir. É ela que, ao perceber que Ventura tem capacidade de penetrar no
eleitorado, corre afogueada para os seus braços. É uma direita que nunca
estimou o jogo democrático, nem as liberdades fundamentais consagradas na
Constituição. Talvez, em muitos dos aderentes mais sofisticadas, nem haja
grande respeito por Ventura e pela coreografia populista com que se apresenta,
mas perceberam que lhes pode ser útil, no seu desejo de radicalizar a vida
política e minar os alicerces do regime democrático. É preciso não esquecer que
a ideia de revolução não existe apenas à esquerda. Também existe à direita e
foi ela que deu origem ao salazarismo.
quinta-feira, 18 de janeiro de 2024
Julien Gracq, A Costa das Sirtes
Publicado em 1951, A Costa das Sirtes (Le Rivages des Syrtes) é o mais conhecido romance do francês Julien Gracq (pseudónimo literário de Louis Poirier). Foi traduzido para português por Pedro Tamen e publicado pela Vega. A primeira edição portuguesa, sem data, está esgotada, mas ainda será possível encontrar a reedição de 1988. O romance valeu ao autor o prémio Goncourt, aliás recusado. O romance escrito numa linguagem que o aproxima da prosa poética é resultado de uma trama onde o destino do indivíduo se entretece com o da comunidade a que pertence. Não estamos perante um herói burguês voltado para a acção triunfal, mas de um aristocrata que encarna o espírito de uma comunidade, cujo desejo inquietante se manifesta no coração de Aldo, o herói e narrador. Num mundo imaginário, dois países – Orsenna, a cidade-estado aristocrática a que pertence Aldo, e Farghestan, a potência bárbara e desconhecido, separados pelo mar das Sirtes – entretêm uma inimizade ancestral, estando em guerra há séculos, mas desde há trezentos anos que não há uma batalha. A guerra parece sempre o destino que espera Orsenna, mas um destino que não se consuma.
Deste destino que não se consuma nasce uma expectativa na própria comunidade. Há todo um comportamento ritual para evitar a deflagração de um conflito com o inimigo de sempre, com os bárbaros do outro lado do mar. A existência de um estado de guerra adormecido, mas continuamente presente, torna-se uma estranha inquietação. No segredo dos corações, há um desejo de afrontar e tornar presente esse destino sempre anunciado e sempre adiado. É neste ambiente que Aldo, cansado do tédio da sua existência na capital, pede para ser incorporado no serviço militar. É enviado como observador, um cargo de acordo com a sua posição social de aristocrata, para as Sirtes, para o Almirantado, onde estão as tropas de Orsenna que têm por missão vigiar o mar e evitar que alguém ultrapasse a linha imaginária que sustenta a paz reinante. A ultrapassagem dessa linha porá fim ao torpor da história. Tanto o edifício do Almirantado como a região vivem numa grande degradação, como se aquela região nos confins de Orsenna tivesse sido abandonada pelo centro, esquecida pelos poderes públicos. É nesse ambiente de desolação que Aldo sente uma atracção pelos mapas da região, o que inquieta o comando do forte, que vê nesse interesse uma ameaça ao status quo.
O tédio de Aldo condu-lo à necessidade de se aventurar para além da linha imaginária que pode conduzir à guerra. Contudo, não é apenas o seu estado de espírito que o move. O encontro com a jovem princesa Vanessa Aldobrandi, cuja família tem um palácio em Maremma, uma espécie de Veneza das Sirtes, uma Veneza degradada, tem um papel fundamental na conduta de Aldo. Ela é uma Eva que tenta aquele Adão, já de si desejoso de ser tentado. A família de Vanessa é vista como tendo, em tempos, estado conluiada com os inimigos de Orsenna, talvez seduzida pela natureza estranha do inimigo. Vanessa traz no sangue essa propensão para o que será uma traição. Também ela não suporta a expectativa, a paz que nunca é uma verdadeira paz alicerçada numa amizade entre ambos os países, mas uma ausência da guerra, que a qualquer momento poderá eclodir. A sedução de Aldo por Vanessa é um elemento central da narrativa de Gracq, embora não seja claro que sem essa sedução Aldo tivesse evitado a aventura que o lea à transgressão da linha imaginária.
É plausível pensar que aquilo que move os dois jovens é diferente. Vanessa age por fidelidade a uma tradição de traição, de aliança, ainda que meramente subjectiva, com o inimigo. Aldo encontra na aventura que desencadeará a guerra que destruirá Orsenna uma forma de dar sentido à sua existência, de o raptar do tédio de uma vida perdida entre prazeres e sem objectivos que não sejam estar vivo e manter a situação tal como está há séculos. A transgressão é uma forma de combater o tédio e dar um sentido à existência do jovem aristocrata. Contudo, a transgressão de Aldo ultrapassa-o, pois ela responde a um silencioso e inquietante desejo de transgressão dos habitantes de Orsenna. A transgressão resulta da incapacidade de viver continuamente numa tensão entre o que existe e aquilo que ameaça vir a existir, mas que adia constantemente a hora da sua manifestação. Na verdade, não é o tédio de Aldo que arrasta Orsenna para a guerra, mas o desejo secreto de guerra existente no coração de Orsenna que se manifesta no tédio e na transgressão de Aldo. Há um desejo de suicídio colectivo. Já ninguém suporta a expectativa, pois o desejo de enfrentar aquilo que está destinado a acontecer tomou conta dos espíritos. O acontecimento apocalíptico que se deseja secretamente é a outra face da revelação do próprio destino da comunidade e dos indivíduos que a compõem.
Julien Gracq refere que o seu objectivo em A Costa das Sirtes não foi contar uma história intemporal, mas destilar aquilo a que chama o “espírito da história”. A estratégia usada para esse destilar do “espírito da história” vive numa tensão tempo e intemporalidade. A linguagem descritiva da paisagem das Sirtes, acentuadamente poética, dá a ver um mundo marcado pelo tempo, um mundo onde as ruínas parecem omnipresentes, mas fá-lo de uma forma tal que esse mundo parece ter sido elevado à condição da imutabilidade. A imutabilidade, a ausência de mudança, é um sintoma da intemporalidade. É nessa aparente intemporalidade que se manifesta o “espírito da história”. A história, sublinha-o Gracq, possui um feitiço oculto, o qual possui a virtude, isto é, o poder de intoxicar. É esta intoxicação que toca os habitantes de Orsenna e anima Aldo na luta contra o tédio. É ela que precipita o inevitável e põe o motor da história a trabalhar. E sempre que se ouve o motor da história rodopiar há uma consumação do destino. Por norma, essa consumação é um desastre, o desastre que de alguma forma se esperava e, no fundo, se desejava.
O romance, publicado como se referiu em 1951, pode ser uma densa meditação a posteriori sobre o destino de uma Europa marcada por duas grandes guerras, É provável que, na época em que surgiu nas livrarias, assim fosse lido. O mais curioso, todavia, é que a sua leitura nesta hora revela uma outra faceta da obra. O que capta o espírito do leitor não é tanto a meditação sobre o passado da Europa, mas o retrato do tempo presente, como se nós, os europeus, fôssemos os habitantes de Orsenna e perante nós se erguesse a imagem de um destino que se teme e ao mesmo tempo se deseja. Também nós temos o nosso Farghestan, com o qual estamos em guerra, apesar da paz aparente em que vivemos. Esperamos apenas o Aldo que encarne o nosso desejo de destino e precipite aquilo que, no fundo, todos sentem como inevitável. A Costa das Sirtes, apesar de escrita há quase 75 anos, parece-nos dirigida. Resta saber se o romance de Gracq nos é dirigido como um aviso ou como uma profecia.
terça-feira, 16 de janeiro de 2024
O progresso moral da humanidade (15)
Amadeo de Souza-Cardoso, O príncipe e a matilha, 1912 (Gulbenkian) |
domingo, 14 de janeiro de 2024
V Arc-en-ciel
sexta-feira, 12 de janeiro de 2024
Ensaio sobre a luz (112)
Eugene Louis Boudin, Harbor at Bourdeaux, 1874 |
quarta-feira, 10 de janeiro de 2024
Comentários (15)
Júlio Pomar, Cegos de Madrid, 1957 (Gulbenkian) |
segunda-feira, 8 de janeiro de 2024
Romper o consenso
Pablo Picasso, Guernica, 1937 |
sábado, 6 de janeiro de 2024
Voltar à menoridade
Cerca de 50% dos americanos entre os 18 e os 45 anos não acham que a democracia seja a melhor forma de governo. Metade das novas gerações está disponível para viver sob um regime autoritário. Isto nos Estados Unidos, uma das democracias mais antigas e consolidadas do planeta, uma nação intrinsecamente democrática, onde um complexo jogo de checks and balances tem por função limitar o poder dos três ramos de acção política, o executivo, o legislativo e o judicial, para que nenhum deles possa exorbitar e pôr em causa a liberdade dos indivíduos, que é aquilo que está sempre em jogo numa democracia liberal. As novas gerações americanas estão cansadas da democracia. A atracção dos jovens pelo autoritarismo é uma tendência geral das democracias, incluindo a portuguesa. Haverá múltiplas causas para este fenómeno. Deixo de lado as que parecem mais óbvias. Centro-me em duas. A insipidez da democracia e o peso da liberdade.
Os
regimes democráticos não propõem aventuras colectivas, não apresentam grandes
desígnios que mobilizem as pessoas e dêem um sentido à vida. Cada qual tem a
liberdade de encontrar um desígnio e um sentido para a sua vida, de a tornar
mais sensata ou mais aventurosa, de acordo com a sua consciência. O desígnio
das democracias é o de não impor qualquer desígnio às pessoas, deixando-as
viver os seus próprios projectos, oferecendo-lhes apenas a aventura da sua
própria liberdade. Esta insipidez democrática, contudo, não responde a uma
certa pulsão existente nos seres humanos, enquanto jovens, para a aventura
colectiva, para mergulhar na massa e deixar-se encantar pelos cantos de sereia
dos desígnios colectivos, onde a individualidade se dissolve.
Um segundo motivo é a derrota do Iluminismo. Kant, à pergunta O que é o Iluminismo?, respondeu: “lluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem.” As novas gerações parecem, em parte, já não suportar o peso de serem responsáveis pelo seu destino. A liberdade tornou-se um fardo, porque dá a cada um a responsabilidade pelos seus êxitos e fracassos. Muitos povos evitaram esse fardo e entregaram-se sempre nas mãos de um déspota. Outros, porém, decidiram correr o risco da liberdade política e do regime democrático. Em lado nenhum se viveu melhor do que aí, mas parece que o fardo da liberdade está a ser demasiado pesado para parte das novas gerações. Querem continuar na menoridade e parecem precisar de alguém, um ditador, um déspota, que pense por elas. É isso que desejam e é isso que estão a preparar.
quinta-feira, 4 de janeiro de 2024
IV Fanfares
Carlos Botelho, Tejo e a ponte, 1968 (Gulbenkian) |
o respirar do vento sobre o rio
nas casas incendeiam-se janelas
onde voraz ânimo gera o frio
se digo luz a
voz clama
ó noite o fogo te chama
[Quinze poemas sob música de György Ligeti, 2007]
terça-feira, 2 de janeiro de 2024
Ensaio sobre a luz (111)
Maria Beatriz, Vita Brevis (série), 2000 (Gulbenkian) |