sábado, 20 de janeiro de 2024

Os novos revolucionários

 

O desfile de personalidades de diversas proveniências convertidas ao Chega tem sido um espectáculo admirável. Trata-se da radicalização de parte da direita portuguesa. Vale a pena estabelecer uma comparação com o Bloco de Esquerda. Quando nos finais dos anos noventa do século passado, o BE foi fundado, assistiu-se também a uma conversão. Contudo, essa conversão teve um sentido bem diferente. Duas das três organizações que deram origem ao BE vinham da extrema-esquerda, a UDP e o PSR. O novo partido representou um corte com um passado radical e permitiu a entrada no sistema da democracia liberal de muitos militantes que tinham estado, de certo modo, na sua margem. Quando há uns tempos Catarina Martins disse que o BE era uma organização social-democrata, apenas sublinhou uma evidência.

Muitas pessoas que estavam em partidos moderados da direita portuguesa decidiram sair do armário e entrar numa via de radicalização. Esta radicalização não está apenas na linguagem contra os ciganos e os imigrantes, não se fica pela coreografia desrespeitosa das actuais instituições portuguesas. Encontra-se no objectivo político central que é perseguido. A destruição das actuais instituições e a fundação daquilo a que Ventura chamou a IV República, embora isso tenha sido apagado do discurso público. A ideia que actualmente se pretende passar, de que o Chega é um partido conservador, só pode enganar quem não tenha a mínima noção do que é o conservadorismo. O que está em jogo é destruir o legado do 25 de Abril de 1974.  Portanto, uma espécie de revolução, ou, melhor, de uma contra-revolução.

Com honrosas, mas raras, excepções, as direitas portuguesas mantiveram-se fiéis à ditadura de Salazar e de Caetano. O PSD e o CDS fizeram um trabalho notável de integração dessas direitas no regime democrático. Com o tempo, foi-se consolidando uma direita democrática, respeitadora das regras da democracia liberal e de orientação europeísta. Contudo, a direita antidemocrática nunca deixou de existir. É ela que, ao perceber que Ventura tem capacidade de penetrar no eleitorado, corre afogueada para os seus braços. É uma direita que nunca estimou o jogo democrático, nem as liberdades fundamentais consagradas na Constituição. Talvez, em muitos dos aderentes mais sofisticadas, nem haja grande respeito por Ventura e pela coreografia populista com que se apresenta, mas perceberam que lhes pode ser útil, no seu desejo de radicalizar a vida política e minar os alicerces do regime democrático. É preciso não esquecer que a ideia de revolução não existe apenas à esquerda. Também existe à direita e foi ela que deu origem ao salazarismo.

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