Nos últimos anos, a questão da verdade e da mentira no
discurso político tornou-se um ponto central. No entanto, o problema é tão
velho quanto a própria política, e todos aqueles que se interessam, ainda que
de forma lateral, pelo fenómeno político sabem que a mentira sempre fez parte
da luta pela conquista e manutenção do poder. Pensar-se-á, por outro lado, que
o problema estará na rápida propagação da mentira através dos recursos que as
tecnologias de informação e comunicação colocam ao dispor de quem mente. Isso
esquece contudo que os mesmo dispositivos estão ao dispor da verdade e que esta,
do ponto de vista tecnológico, pode propagar-se tão rapidamente quanto a
mentira.
O problema encontrar-se-á noutro lugar. A mentira em política
era usada, mas quem mentia corria um risco. Ser apanhado a mentir poderia ter
consequências negativas na imagem e nas pretensões ao poder. Os políticos usavam
a mentira, fazendo crer que as suas mensagens falsas eram verdadeiras, pois os
cidadãos valorizavam a verdade. A mentira valia pela sua aparência de verdade. O
que mudou foi a relação de parte substancial dos eleitorados com a verdade.
A verdade deixou de os interessar, pois tem o poder de os
ferir nas suas convicções, de os pôr em causa, de lhes mostrar uma realidade
hostil ou meramente difícil. Preferem a mentira e quem a usa para dizer o que
eles sentem necessidade de ouvir. Assistimos à transição moral, do homem comum,
do amor pela verdade para o amor pela mentira política. Esta conforta e confirma
a identidade dos indivíduos, os quais se sentem ameaçados por uma realidade
que, devido à sua complexidade, deixou de ser compreensível e manejável no
âmbito da sua experiência e saber.
O que dá que pensar não é haver políticos mentirosos, mas a
existência de eleitorados que preferem a mentira à verdade. A desvalorização do
ser verdadeiro, como virtude exigida pelos cidadãos aos políticos, mostra-nos
quanto esses cidadãos se sentem ameaçados pela realidade e como esta
desencadeia neles um sentimento de fuga. A valorização moral da mentira pelos
eleitores torna manifesto que os nossos dispositivos políticos estão desfasados
do tempo em que vivemos. As nossas instituições democráticas estão fundadas no
sentimento de que justiça e verdade são duas faces da mesma moeda. Ora Isso
deixou de funcionar. O que significa que a democracia tal como a conhecemos
está a colapsar, enredada no triunfo moral da mentira.
[A minha crónica em A Barca]
O pão da mentira é como o bolo com se engana um eleitorado tolo.
ResponderEliminarUm abraço
Exactamente.
EliminarAbraço