Juan Suárez Ávila, Panorama desde el puente, 1974 |
No fundo da rua, as casas da perpendicular que a termina, deixam que os olhos avistem os telhados. Cobrem-nos uma neve branca, pura, cintilante ao ser batida pelos raios de sol, se a névoa os deixa escapar. Nos muretes das varandas e nos parapeitos das janelas, a mesma neve persiste em equilibrar-se, numa harmonia difícil, num jogo que o vento, por vezes agreste, insiste em desfazer, arrastando para o chão pequenas bolas misteriosas na sua brancura imaculada. A rua, de tão sombria, contrasta com essa visão dos telhados. Também a neve a cobre, mas não passa de uma mistura de gelo, lama e água suja. Não se avistam carros, embora o chão retenha ainda o sulco da sua passagem. As paredes de um dos lados têm janelas com grossas grades de ferro, no rés-do-chão, mas as dos primeiros e segundos andares – é uma rua de casas baixas, indigna, dir-se-á, de fazer parte de uma grande metrópole – não têm defesas contra assaltantes. Os vidros parecem sujos, embora por eles perpasse a existência de vidas no interior dos apartamentos. Uma ou outra janela está aberta e, por vezes, alguém assoma por uma delas, deixa correr os olhos pela rua, abana a cabeça ou encolhe os ombros, enquanto flocos de neve descem para poisar nos candeeiros de iluminação pública, nos passeios, na estrada. Do outro lado, as janelas estão cobertas por tapumes, algumas fechadas com tijolos, outras apresentam vidros partidos, por onde sai, sem pressa, a escuridão que delas se apossou. Ao fundo da rua, um homem aproxima-se da perpendicular e corta à esquerda. Segue-o, a curta distância, outro que pára, hesita, olha para trás, por fim, opta por voltar à direita, com o passo indeciso de quem não sabe onde está nem para onde deve ir. A meio da rua, um casal, já não são novos, caminha indiferente à queda da neve. Vão vestidos com grossos casacos compridos de Inverno. Ele leva um guarda-chuva na mão esquerda, usa-o como se fosse uma bengala, enquanto ela lhe dá o braço, carregando na mão direita uma mala de senhora, talvez de dimensões excessivas para quem anda a pé. Fico a vê-los afastarem-se, em passo comedido para não escorregarem, percebo que trocam palavras. Passam indiferentes à vida de um dos lados da rua e à ruína que vai carcomendo o outro. Tudo neles tem a marca de um longo hábito e nada do que ali possa acontecer os surpreenderá. Depois, esqueço-me deles, da rua sombria, do destino das casas. Os olhos prendem-se, então, à brancura imaculada dos telhados, ao reverberar da neve, à luz cintilante que a ilumina.
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