A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Talvez Portugal não seja mais que uma ilusão. Uma ilusão persistente,
certamente, mas ainda assim uma ilusão. Nasceu, no século XII, pela ambição e
voluntarismo da elite política luso-galaica, a qual criou um Estado e cuidou de
inventar um povo inexistente, o povo português. Durante os nove séculos de
existência, o Estado, nas suas diferentes encarnações, tratou, para além dos
pequenos e grandes negócios das elites, de cultivar e dar substância a essa
ilusão que se chama Portugal.
Os séculos XIX, XX e XXI (já lá vão treze anos deste) foram tempos de
modernização de Portugal, com múltiplos avanços e múltiplos recuos para criar
uma sociedade livre e, ao mesmo tempo, com um módico de decência e de equidade
social. São 200 anos de tentativas de aproximar as elites e as gentes miúdas,
são 200 anos de esforços para quebrar a fatalidade de um destino marcado por enormes
diferenças sociais, são 200 anos de ensaios para tornar o mérito e a mobilidade
social factores dinâmicos na nossa sociedade.
Como já escrevi nesta coluna, nos últimos decénios houve dois momentos
onde pareceu possível realizar o sonho de uma sociedade livre e socialmente
justa. O primeiro nasceu com o 25 de Abril e foi morrendo entre utopias,
equívocos, golpes de força e tensões que lá se foram gerindo com alguma
sensatez. O segundo, mais adequado à nossa situação europeia e à nossa cultura
ocidental, emergiu com a adesão à Europa, a Europa da CEE, para morrer na crise
que foi iniciada em 2008 pelas trafulhices da economia financeira internacional
e que desabou, sobre os portugueses, como crise de dívida soberana, aquela que
está a tornar evidente o quão frágil são as nossas instituições e a nossa
sociedade civil.
Enquanto português – português que gosta da ilusão da viabilidade
política de Portugal – há dois dados que me deixam, ao entrar no ano em que a
transição à democracia perfaz 40 anos, muito preocupado. Em primeiro lugar, é o
retorno em força da emigração, mas agora de uma emigração de gente com
formação, de gente já diferenciada, de pessoas que não sonham voltar para
Portugal, fazer a sua casa na aldeia e enviar para cá as suas poupanças. Querem
o mundo cosmopolita que os recebeu e é aí que sonham viver e educar os filhos.
Em segundo lugar, a queda incontrolável da natalidade. Não apenas os
portugueses saem, como os que ficam não parecem interessados que a comunidade –
aquela a que chamamos Portugal – tenha um futuro. Teremos força para inverter
este destino ou aproximamo-nos do fim de uma ilusão?
P.S. Para todos os
leitores, um feliz Ano Novo.
A ilusão que fomos e somos teve alguns lampejos: 1143 (?), 1383, 1640, 1820,1910, 1974, 1986(?), mas foram sempre sol de pouca dura.
ResponderEliminarJá no que diz respeito à Diáspora, que deixou de ser uma galinha dos ovos de ouro, falaram dela um destes dias, mas para além de um banqueiro e de um canastrão de Hollywood apenas se registou um intragável cacarejar do Cavaco.
A partir de agora só o último verso desta balada vai fazer sentido:
https://www.youtube.com/watch?v=b_KWWzH2nCw
Bom fim-de-semana
Um abraço
Aquilo que continua a merecer interrogação é por que razão só temos esses pequenos lampejos, para logo tudo se dissolver na mais abjecta iniquidade. É evidente que Cavaco não é pessoa para interrogações. Nunca se engana e raramente tem dúvidas, portanto é pessoa que, nestas circunstâncias, nada tem para oferecer ao país.
EliminarBom fim-de-semana.
Abraço