terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Cadernos do esquecimento - 2 O meu lugar


Recuperação de textos do meu antigo blogue averomundo, retirado de circulação. Este texto pertence a uma série denominada cadernos do esquecimento. Texto de 13.09.2009.

Nunca soube lá muito bem qual o meu lugar no mundo. A evidência da posição foi sempre para mim um mistério. Não é que não tenha feito tentativas, múltiplas, para me posicionar. Mas o estar em posição sempre me cansou. Talvez a fadiga resida numa debilidade física e tudo se circunscreva à falta de ginásio. Ter um lugar no mundo implica ter uma posição e ser incansável na manutenção do posto. A minha fadiga, mesmo se física, sempre foi acompanhada pela descrença. Quanto mais quis acreditar menos fé houve em mim. No cerne de tudo, fundamentalmente daquilo que defendi ou defendo, sempre descobri o irrisório. O irrisório nasce da tensão entre não ter lugar e o querer ter uma posição. Desde que fui expulso do paraíso, não eu mas Adão e Eva por mim, que vivo no não-lugar do irrisório. O irrisório cresceu quando os homens, excluídos do paraíso, pensaram que tinham uma posição na Terra e essa posição era o seu lugar. 

12 comentários:

  1. Recorda-me, Jorge: o teu A ver mundo foi atacado por malware, não foi isso? Em todo caso, louvo-te a disciplina que te faz ter textos como este arrumados em ficheiros recuperáveis. Ainda bem, sempre gostei muito desta série dos Cadernos do Esquecimento.

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    1. É verdade, o blogue foi denunciado pela Google como distribuidor de malware. Não consegui limpar e retirei-o de circulação. Porém, a minha disciplina não merece qualquer louvor, pois eu não apaguei o blogue. Acedo a ele sempre que quero. Tenho lá tudo. Só o público é que não pode aceder e, assim, ninguém é contaminado pelo suposto malware. Julgo que já não tem malware, mas, na verdade, não sei.

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  2. Ainda bem que está a conseguir recuperar estes textos e assim a reavivar o seu lugar no mundo...não é irrisório escrever bem sobre coisas que poderão despertar nos outros reflexão, um sorriso, até um sarcasmo, mexe.

    Quanto a mim soube sempre bem qual o meu (ou nosso, do Homem) lugar no mundo: recuperar o Paraíso.

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    1. Explico no comentário anterior a recuperação e como a estou a fazer. Quanto à recuperação do Paraíso, não sei não... Julgo que a Terra não anda lã muito amiga de jardins do Éden.

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  3. Gostava de saber uma coisa. Revê-se nos textos que escreveu há uns anos? Ainda é o mesmo? Ou relê-os como se tivessem sido escritos por outro com quem tem alguma afinidade?

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    1. Os textos do passado não são sentidos como sendo diferentes dos de hoje. Perante todos tenho a mesma posição dúbia. Sei que são meus, mas eu sou sempre outro e não estou nos textos. Dito de outra maneira. Os textos são meus e estão escorados numa experiência de vida pessoal, mas, por outro lado, não têm nada a ver comigo. Não são autobiográficos, mesmo quando aparentam sê-lo, como é o caso deste. E isto tanto diz respeito a um poema, a uma narrativa, um texto de opinião. Os textos são ficções, fabricações. Talvez isso aconteça com toda a gente. Talvez nem toda a gente tenha consciência disso.

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  4. Manter o -mesmo- lugar no mundo será uma opção forçada ou voluntária.
    Poderá também ser uma posição de coerência e, porque não, de resistência. Mas se a opção for pela desistência desse lugar, daí não virá mal ao mundo.

    Um abraço

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    1. Não se trata apenas de ter uma posição política ou moral. Trata-se de uma coisa mais banal. Por exemplo, trata-se - também - daquilo que as pessoas dizem: ah! ele tem uma boa posição. Há, no fundamento de qualquer posição (seja no campo da política, da moral ou da sociedade), uma pretensão tal que a realidade, quase sempre, se limita a desmentir tornando evidente o ridículo de tal pretensão.

      Abraço

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  5. Ou seja, assim desligado desse outro que escreve, olha para os seus textos sem laços autobiográficos ou sem sentir que são datados. São escritos que um dia nasceram de um outro que o habita.

    É como se fossem coisas paradas no tempo, como as que descreveu

    E deixo que cada coisa permaneça
    no lugar onde sempre a encontrei.

    E eu acho isso um bocado estranho, como se quase estivesse aprisionado por uma teia intemporal.

    Mas isto sou a falar.

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    1. Os textos têm laços à minha biografia pessoal, pois fui eu que os escrevi e fi-lo a partir de uma certa experiência pessoal.. O que não têm é revelações autobiográficas. Se escrevo um poema de amor, isso não significa que esteja apaixonada. Se escrevo um poema onde a saudade ou a nostalgia são o tema, isso não significa que esses textos exprimam o meu estado de alma. Não exprimem. O meu estado de alma quando estou a escrever um texto é o de estar a escrever esse texto, a fabricá-lo, a ficcioná-lo. Quanto à datação, há textos e textos. Por exemplo, textos que se referem a acontecimentos e são uma espécie de intervenção, eles são claramente datados. São uma tomada de posição (que terá sempre um fundamento irrisório) no tempo e no espaço. Os outros, porém, não se dirigem a um tempo, embora não deixem de ter inúmeras marcas temporais, mas estas devem-se à miséria humana, à minha pobre finitude.

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  6. A Terra é amiga do Éden, a maior parte da Humanidade é que não...

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