William Turner - Sombra e Escuridão - A Noite do Dilúvio (1843)
Os políticos tornam-se, assim,
os bodes expiatórios ideais de todas as frustrações e cóleras dos cidadãos das
sociedades contemporâneas. Como há dias dizia Marcel Gauchet, parece que a
classe política europeia "renunciou a pensar o que acontece e lhe acontece.
Não lêem um livro há 30 anos, tem-se a impressão de que o que hoje existe é uma
direita de imbecis face a uma esquerda de idiotas." (Manuel Maria Carrilho, DN de 2014-01-30)
Parece que vivemos em tempos diluvianos, em tempos onde reina a sombra e a escuridão. O problema nem sequer é aquele que Marcel Gauchet aponta, o facto de a classe política ter renunciado ao pensamento, de estarmos perante uma direita de imbecis e uma esquerda de idiotas. Se os políticos perderam o poder e o entregaram aos ricos, como é sublinhado no artigo de M. M. Carrilho, isso não se deve a uma questão de imbecilidade ou de idiotia. Estas até podem existir, mas como meras consequências e não como causas da situação. O que está a acontecer é apenas o corolário lógico das opções tomadas há muito. Qualquer historiador sabe que a Revolução Industrial triunfou em Inglaterra, na transição do século XVIII para o XIX, porque a partir do século XVII, após a execução de um monarca, os objectivos da governação passaram a ser pura e simplesmente o lucro privado. Esta alteração na orientação da vida política foi decisiva. Depois do triunfo do capitalismo em Inglaterra, depois da Revolução Francesa e das campanhas napoleónicas, as outras nações foram-se convertendo a essa forma de governação, uma governação cujo desejo é apagar-se e deixar que as forças da economia se desenvolvam sem quaisquer coacções. Os políticos perderam o poder por terem renunciado ao pensamento? Não! Os políticos deixaram de pensar porque renunciaram há muito ao poder efectivo. O Iluminismo triunfante, pelo menos numa das suas encarnações, tinha na sua génese este projecto de renúncia do poder a si mesmo. Todo o projecto político liberal - que agora triunfa em toda a sua extensão no mundo Ocidental - está fundado numa espécie de ascese - o estado mínimo -, num exercício de renúncia - limitação do poder regulador -, e numa prática de humilhação - a subserviência perante o lucro privado. Os tempos, claro, são diluvianos. Sombras e escuridão ameaçam os homens e os Estados. Se somos, nesta época escura, governados por imbecis e idiotas é porque o mercado - isto é, os mecanismos de formação do lucro privado - não exigem outra coisa. O projecto das Luzes tem aqui o seu mais paradoxal triunfo.
No que diz respeito aos governantes, sou capaz de concordar:
ResponderEliminarOs ditos "imbecis" não gostam do estado mas em cada um deles há um Luis XIV e os ditos "idiotas" aspiram a ser um colectivo de Luíses XIV.
Já quanto aos governados tenho uma ideia diferente, a maioria ainda não percebeu o estado a que isto chegou e os que perceberam estão em minoria e sentem-se impotentes.
Um abraço
O papel da generalidade dos governados é não perceberem o que lhe está a acontecer. Quanto aos que percebem, esses estão fora do papel que lhes foi destinado. Posição sempre pouco confortável. Mas quem disse que o mundo é um sítio confortável?
EliminarAbraço