A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Julgamos que o conflito central que, nos dias de hoje, divide a
sociedade gira em torno dos serviços de educação pública, de saúde e de
protecção social. Este conflito é real e afecta a vida das pessoas, mas é
apenas um conflito instrumental, uma arma utilizada numa guerra que tem outros
objectivos estratégicos. O que está em jogo nas nossas sociedades – e em
Portugal mais que noutros lugares – é um conflito sobre quem tem poder de
iniciativa. Se escutarmos os governantes ou dermos atenção aos economistas de
serviço, parece que o poder de iniciativa deveria ser o bem melhor distribuído
na sociedade. Isto, porém, é uma falsificação deliberada.
Poder de iniciativa não é um dom que umas pessoas têm ou cultivam e
que outras não têm ou desprezam. O poder de iniciativa é uma capacidade pessoal
com raízes profundas no meio social. A iniciativa mobiliza a força de vontade
do indivíduo, mas também a existência de um meio social propício, de uma
educação adequada, de apoios e incentivos sólidos. O que está em jogo resume-se
numa questão: quem são os indivíduos, e a que grupos sociais pertencem, que
podem ter iniciativa? A retórica do empreendedorismo, tão ao gosto dos
governantes, serve para mascarar uma outra verdade. As elites sociais – aquelas
que, no discurso, valorizam a iniciativa – não têm qualquer interesse que a
grande massa da população desenvolva o seu poder de iniciativa, que se torne
autónoma, que rasgue um caminho próprio. Pelo contrário, precisam de uma
multidão de gente submissa, à espera de ordens.
Estamos a assistir, através da degradação da escola pública, da
limitação do acesso à universidade, da destruição dos serviços de saúde e
protecção social, a um processo de drástica diminuição do poder de iniciativa da
generalidade das pessoas, ao mesmo tempo que, demagogicamente, se proclama a
bondade do empreendedorismo. Como se sabe, o capitalismo desenvolveu-se em
guerra contra a sociedade de castas, contra as hierarquias sociais fechadas.
Esse tempo acabou. As elites dominantes parecem ter um claro programa de
retorno a uma ordem social hierarquizada e fechada, a uma nova Idade Média,
fundada não em Deus mas no dinheiro. Para tal, controlam, através do Estado e
do comportamento espúrio dos governantes, os mecanismos sociais que permitem
desenvolver o poder de iniciativa. Há que impedir que a imensa maioria das
pessoas seja autónoma. Para essas elites, a iniciativa é um bem que deve ser
escasso e estar nas mãos certas, nas
suas. O resto são fantasias para enganar tolos.
Muito pertinente; subscrevo.
ResponderEliminarObrigado.
EliminarSei que não concorda com a qualificação, mas entendo que estamos de novo na "idade das trevas". A diferença é que agora ouve-se o barulho das luzes...
ResponderEliminarOs senhores feudais (empreendedores) já não habitam nos castelos, moram em condomínios fechados de luxo. os explorados, esses, continuam a viver do lado de fora das barbacãs.
Bom fim-de-semana
Um abraço
Eu diria que estamos a entrar numa efectiva Idade das Trevas. As Luzes já não servem para libertar mas para ofuscar e submeter.
EliminarBom fim-de-semana
Abraço