A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Domingo vamos escolher quem governará o poder local, aquele que, pela
sua natureza, está mais perto dos cidadãos. Há, na tradição intelectual do
século XIX português e com ramificações que chegam até hoje, uma enorme
simpatia pelo municipalismo e pelo que representa de liberdade e de
afrontamento dos poderes centrais. Devemos perguntar, considerando a
experiência que decorre desde 1976, se esta proximidade do poder aos cidadãos
reforça a visão virtuosa do municipalismo ou se essa proximidade significa menos
liberdade individual, menos sociedade civil, menos espírito crítico.
Podemos detectar duas grandes tendências cujas fronteiras são difusas.
Genericamente, os primeiros mandatos dos municípios representavam um claro
espaço de liberdade e de cooperação entre os detentores do poder e as
populações. Independentemente dos partidos vencedores, havia uma genuína
entrega ao serviço público para fazer frente ao enorme atraso material em que
se vivia. Havia conflito político – próprio da democracia – mas também
cooperação. O essencial nesses tempos, porém, é que o poder autárquico ainda
não se tinha compreendido enquanto poder e dominação. Ainda, embriagados pela
descoberta da liberdade, os poderes autárquicos eram sentidos e vividos apenas
como serviço.
A partir de determinada altura, os poderes autárquicos começam a tomar
consciência do enorme poder que têm entre mãos e, sem se fazer rogados,
abandonam a visão amadora e prestadora de serviços aos cidadãos e populações,
para se entenderem como fonte de poder e de controlo da vida municipal. A
liberdade formal, que não depende dos poderes locais, manteve-se. Agora, porém,
os poderes instalados perdem a ingenuidade inicial e tomam consciência de que o
essencial da política é a conquista e a manutenção do poder. E a partir daí não
olham a meios. O fundamental em qualquer município é a sujeição da sociedade ao
poder municipal, porque isso evitará surpresas desagradáveis na contagem dos
votos.
O poder local, que foi sentido como libertador num primeiro momento,
tornou-se uma fonte de sujeição e de empobrecimento da sociedade civil, da
cidadania, do espírito de iniciativa, da capacidade crítica. Contribui, com uma
quota pesada, para o estado de desânimo que atinge o país. Vamos votar no
domingo, mas o que o país precisa, para além dos votos, é de reflectir sobre o
municipalismo e encontrar formas de limitar os poderes locais para libertar as
respectivas sociedades civis, tornando-as autónomas e críticas.
O Municipalismo foi uma (re)conquista de Abril, que rapidamente se constituiu em caciquismo e também em servilismo do poder central.
ResponderEliminarComo tem sido hábito e salvo algumas excepções, o povo cai na esparrela.
Abraço
O povo não cai na esparrela. É cúmplice e muito mais conscientemente do que se pensa.
EliminarAbraço