A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Durante a Segunda Guerra Mundial e nas décadas seguintes, até à Queda
do Muro de Berlim, vigorou um pacto interclassista por toda a Europa
democrática. Esse pacto pretendia cada comunidade nacional, irmanando-a em
objectivos comuns. Esse pacto não punha fim à luta de classes e aos conflitos
de interesses, mas mitigava-os de tal forma que se poderia falar, com
propriedade, de um interesse nacional que todos sentiam ser o seu.
A governação visava esse interesse nacional partilhado, e as políticas
eram desenhadas para encontrar lugares de diálogo que evitassem rupturas. Nem
sempre se conseguiu impedir situações de conflito extremado, como aconteceu,
por exemplo, em França no Maio de 68, mas o objectivo era esse. A Queda do Muro
de Berlim abriu caminho para uma outra forma de fazer política. Os objectivos
de alguns actores sociais mudaram. Se as classes médias e populares europeias
continuaram fiéis ao velho pacto, as elites económicas mudaram de estratégia. O
pacto era um empecilho para os seus interesses. Abria-se-lhes a possibilidade
de uma nova era de grande acumulação de capital. Nem hesitaram.
Os governos que tinham uma perspectiva nacional e conciliadora
passaram a governar para uma parte da sociedade contra outra. O interesse
nacional foi substituído pelo interesse das pequenas elites económicas, e
governar tornou-se sinónimo de destruir tudo aquilo que no anterior pacto
defendia as classes médias e populares. É aí, por exemplo, que se insere a
retórica contra o Estado Providência. Uma das tácticas das novas forma de
governar consiste em eleger uma parte da sociedade, que é transformado em
inimigo público, que deve ser sacrificada para conjurar o mal. A fama da
senhora Thatcher vem daí.
Em Portugal, essa prática foi introduzida por Sócrates e tem sido
reforçada por Passos Coelho. A ideia é dividir o todo nacional em partes e
lançar umas contra outras, criando bodes expiatórios onde se concentra a raiva
social. Pretende-se evitar que as pessoas percebam que estão a ser vítimas
daqueles que mandam no governo, ocupá-las com guerrilhas sociais em que as
vítimas se digladiam entre si. Estes governos já não são governos nacionais,
mas estruturas políticas de carácter marxista: representam os interesses das
elites económicas dominantes e agem como seus funcionários. Sempre que
necessário, não hesitam em lançar uma guerrilha que estilhaça ainda mais o
sentimento de pertença a uma comunidade. Mesmo quando põem a bandeira na
lapela, odeiam a pátria e o bem comum. Somos governados por agitadores.
Eu até estava a apreciar(como é hábito) e a concordar com a crónica, quando de repente chego ao último paragrafo e leio:
ResponderEliminar"Estes governos já não são governos nacionais, mas estruturas políticas de carácter marxista"
Sócrates e Passos Coelho/Victor Gaspar são seguidores de Marx e as estruturas políticas que encabeçam têm carácter marxista?...
Meu Caro Jorge Maia, creio que o compreendo(!), mas não concordo, nem de perto.
Aliás, tenho a certeza de que Marx, se soubesse, que o tinham associado aos interesses das elites económicas dominantes, dava uma volta na tumba...
Bom fim-de-semana
Um abraço
Não disse que Passos Coelho e Gaspar são seguidores de Marx. Digo outra coisa: digo que a forma como utilizam o Estado corresponde à definição marxista da estrutura política, aquele que está entre a infraestrutura económica e a super-estrutura ideológica. Sendo a estrutura política e a super-estrutura ideológica sobredeterminada pela infraestrutura económica. Isto está em contraposição com uma visão do Estado enquanto emanação de uma comunidade nacional, coisa que a direita, antigamente, reivindicava. A prática destas governações confirma a leitura marxista do papel do Estado. Dito de outra maneira, usam o estado segundo a concepção que Marx tem dele (órgão de dominação de uma classe sobre outras). Aquilo que escrevi foi deliberado, pois põe a nu que esta direita não vê, na sua prática, o Estado de maneira diferente de Marx (embora o utilize em favor de outras classes sociais que não aquelas que Marx pretende defender). Há outras formas de entender o Estado. Julgo que Marx concordaria comigo, pois este tipo de governo confirma aquilo que ele disse sobre a estrutura política, embora eu não partilhe da visão marxista do Estado. Mas isso é outro assunto.
EliminarUm bom fim-de-semana
Abraço
Não foi em vão que pus um ponto de exclamação. Está feita a clarificação e, das águas, a separação.
ResponderEliminarObrigado
Parece-me vislumbrar nessas teorias O Triunfo dos Porcos e a sensação do eterno retorno! Mas também me parece que há qualquer coisa na sociedade portuguesa que tem a ver com a relação senhor/escravo e que parece ser idiossincrático e, como tal, quando parece ausente, está lá, pronto a emergir, caso o contexto o proporcione!...
ResponderEliminarOu talvez não! Mas o que é certo é que estamos a assistir a uma ocupação de espaços pela direita, como se quisessem fortalecer os alicerces destruídos ou fragilizados...
Mas o que mais me espantou na sua crónica foi o seu remate, pois a serem agitadores, assumem o lugar do inimigo, porque sempre ouvi chamar agitadores aos revolucionários! É caso para pensar... Os extremos tocam-se!
Bom fim de semana
Os extremos talvez não se toquem, mas usam métodos idênticos. Neste momento somos governados por radicais, por gente muito perigoso, pois não tem qualquer sentido da medida e não quer saber do sofrimento que as suas políticas infligem às pessoas.
EliminarBom fim-de-semana.
"Dividir para conquistar."
ResponderEliminarTambém é isso, claro.
EliminarOs agitadores:
ResponderEliminarhttp://www.jornaldenegocios.pt/economia/politica/detalhe/governo_vai_passar_a_reunir_com_a_imprensa_todos_os_dias.html
Estes piam fino!
Trata-se de pura agitprop, com o nome de comunicação.
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