sábado, 8 de junho de 2013

Poema 69 - Em silêncio, o metafísico poisa sobre a terra

Giorgio de Chirico - O grande metafísico (1971)

69. Em silêncio, o metafísico poisa sobre a terra

Em silêncio, o metafísico poisa sobre a terra,
traça uma cruz de sombra no chão
e já saudoso olha o largo horizonte,
a fronteira memoriosa que separa 
céu e mar, o voo dos pássaros ao anoitecer.

Não pertence à grande pátria dos homens.
O tempo não é a casa onde habita,
nem os anos são feitos de dias ou estações.
O longo meditar sobre o mistério
abriu-lhe a grande porta do vazio eterno.

As pálpebras fecham-se pesadas e graves
e o ar da noite fende-lhe as narinas
como uma lepra mecânica inscrita na pele.
Tudo é imóvel e definitivo,
a violeta cansada, a estrela da noite,

a luz do violino num acorde de eternidade.
O grande amante do tempo suspenso,
sonâmbulo desprovido de sonhos e de sono,
poisa os pés sobre a areia da praia
e um clarão de pedra nasce no fundo do mar.

4 comentários:

  1. Belíssimo poema!
    «...e já saudoso olha o largo horizonte, a fronteira memoriosa que separa céu e mar.»
    Se o horizonte está onde estão os nossos olhos, então, esta “imagem” sublime está “para além” do tempo...

    Abraço

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