sábado, 29 de junho de 2013

Descrença, crença e acusação

Pérez Villalta - El discurso de la verdad (1978)


O leitor de blogues deve suspender a crença. A analogia com a suspensão da descrença de Coleridge remete-nos para a seguinte ideia: o leitor deve tomar como ficção aquilo que lê num blogue, mas, acrescento eu para tornar a analogia completa, aquilo que lê não é fictício. Não é tanto a dificuldade que o leitor possa sentir em suspender a crença que me importa, embora, devido à nossa inultrapassável tendência para a crendice, seja mais fácil suspender uma descrença do que uma crença.

A questão, porém, é outra. Que relação tem o autor de certas palavras com o que nelas está dito?Espera-se, se não estamos no reino da ficção, uma certa autenticidade de quem escreve, mas isto deve-se à nossa necessidade de crer e não a qualquer elo que ligue as palavras a quem as escreveu. O problema não é apenas o da máscara social, o da personae com que me revisto e me apresento no espaço público. O que todo o leitor deveria saber e talvez não saiba é que as palavras não expressam quem as escreve, mas são-lhe estranhas. Ao serem escritas, estranharam-se ao seu autor, e surgem perante ele como um libelo acusatório.

Escrever é diferente de falar. A fala desvanece-se no acto que a produz, a escrita, porém, permanece. E nesta permanência ela torna-se absolutamente ameaçadora para quem a escreveu. Quando escrevo eu não fabrico uma máscara social. Quando escrevo entrego as provas contra mim e colaboro com os meu inimigos, mesmo que os não tenha, para que me destruam a máscara social e, como eu também sou essa máscara, me destruam. Alguém escreve a outra pessoa uma carta de amor. Aquilo é a expressão de uma autenticidade? Nunca se saberá, o próprio autor nunca terá a certeza absoluta da autenticidade do seu impulso. Mas é uma prova perante a qual o seu autor terá de responder. Escrever é sempre produzir matéria para a nossa acusação.

6 comentários:

  1. Exatamente. Escrever é muito mais arriscado que falar. É toda uma exposição. Engraçado como aparecem aquelas frases que dizem: Mulheres que leem são mais perigosas.Que dizer então das que escrevem? Oh, meu deus,como arriscam muito mais.

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    1. Escrever é sempre um risco, embora se deva desconfiar do elo que parece existir entre o que escreve e aquilo que é escrito.

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  2. Isso mesmo, querido Jorge: "o leitor deve tomar como ficção aquilo que lê num blogue, mas, acrescento eu para tornar a analogia completa, aquilo que lê não é fictício.", e isto é aquilo que um bom leitor compreende sem que lho expliquemos.
    Quem escreve,mormente quando o faz num registo diarístico, oferece sempre o ouro ao bandido e entrega-o de papel passado,que é como quem diz escrevendo. E sempre responderá por isso e sempre as palavras serão usadas contra quem as escreve.
    Estou em querer que, malgré tout, valerá a pena.
    Mais uma vez te agradeço seres tão bom leitor das minhas escritas.

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    1. Seja como for, somos sempre culpados. Nada a fazer. Talvez ajustar contas com a Eva e o palerma do Adão, mas talvez seja demasiado tarde.

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  3. «Com as palavras todo o cuidado é pouco, mudam de opinião como as pessoas.»
    José Saramago in: As intermitências da morte

    Abraço

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