sábado, 1 de junho de 2013

Nostalgia de uma pátria destruída

René Magritte - Nostalgia da pátria (1940)

Fui a uma grande superfície e encontro uma antiga vizinha, de um prédio de onde me mudei há relativamente pouco tempo, cumprimentos habituais, conversa de ocasião, incluindo a malfada crise. De repente, diz que o marido teve de emigrar, mas também o vizinho de baixo. De um momento para outro, fico a saber que pelo menos três pessoas daquele prédio tiveram de ir para a América Latina. Para não falar em quem faliu e viu o esforço de uma vida ser levado com a crise do subprime americano e a da dívida soberana na Europa. Gente sem formação? Gente nova? Não. Formação superior, mais de 50 anos, classe média, gente trabalhadora e com iniciativa, com uma vida boa e equilibrada. De um momento para o outro, tudo destruído.

Hoje houve manifestações contra a troika. Pelo que vi na televisão, houve pouca adesão. Talvez o governo veja nisto um sinal positivo. Mas é o pior dos sintomas. Significa apenas que as pessoas desistiram de Portugal, desistiram das suas vidas. Algumas, as mais decididas ou mais desesperadas, esperam apenas a hora para se irem embora. As outras, nem isso. As outras esperam que isto acabe, que acabe depressa. E, quando pensam e imploram para que tudo isto acabe depressa, não presumem que se volte a um ponto do passado mais feliz e que se restaure o dispositivo social a partir desse ponto, recuperando o sistema tal como ele se encontrava. Significa uma outra coisa muito mais terrível. Pensam: a morte que venha depressa. 

Aquilo que esta gente que nos governa - que, apesar de ter sido eleita na base da mentira, acha que possui a legitimidade intocada, mesmo que o seu desempenho seja completamente medíocre - está a fazer é destruir não apenas as estruturas da sociedade civil e do Estado mas a esperança, a vontade de viver aqui, o espírito de iniciativa. Quando se forem embora, Portugal será um país muito mais pobre, muito mais impotente, muito menos livre e, muito curiosamente, muito menos liberal. Olhamos para quem nos governa, e uma imensa nostalgia abate-se sobre nós, a nostalgia de uma pátria destruída pela malevolência ideológica e pela ignorância atrevida.

6 comentários:

  1. Caro Jorge Carreira Maia.
    Não sei se se lembra de uma vez que trocámos impressões acerca de V. ser "uma seca".
    Pois, mantenho a opinião :-), mas nesta acertou em cheio, e gostaria de a ter escrito eu.
    Abraço.
    António Mota

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    1. Caro António Mota,

      Lembra-se também de lhe ter recomendado contra a seca beber água. Mantenho a receita. Se não gostar de água há outros líquidos interessantes.

      Obrigado por ter passado por aqui, apesar do carácter desértico que este sítio apresenta.

      Abraço

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  2. Poderia apenas assinar por baixo, porque também tive vizinhos que emigraram, mas faço questão de sublinhar que "este oásis" existe para lembrar o, esse sim, carácter desértico do muito que por aí resta...

    Um abraço

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    1. Na verdade, estes tipos que governam estão a transformar o país num terrível deserto, à imagem e semelhança das suas cabeças.

      Abraço

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  3. Vou «levar» o seu texto, mais uma vez...também no meu prédio de apenas seis famílias houve alguém que vai partir...Inglaterra...no meu círculo de amigos há vários que ou partiram ou vão partir ou querem partir ou querem ficar e vão continuando a ir às manifestações com esperança, ou, pelo menos, vontade de lutar contra.AS manifestações de ontem em Lisboa e no Porto e um pouco por todo o Portugal não tiveram a adesão das de 15 de Setembro ou das de 2 de Março, mas o carácter era algo diferente, tratava-se de estarem englobadas nos protestos que aconteceram por toda a Europa nesse mesmo dia. Não ajudou o facto de ser Dia da Criança nem o facto de as pessoas estarem, como diz, algo cansadas, desmotivadas, exaustas de um intenso inverno de chuva e manifestações diárias. Repito, diárias. Não creio que haja desistência, a resistência mantém-se e talvez se prepara agora para algo mais...violento.
    Quero mencionar o quadro que apresenta, de Magritte, «Nostalgia da Pátria», perdida, tremenda e profundamente ilustrativo de uma outra Queda, a dos anjos negros que todos somos, expulsos ou caídos de um quase paraíso ou da ilusão deste. Porém, repare, está lá um leão, símbolo de força e resistência. Haja esperança.

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    1. Talvez o leão simbolize a força e a resistência, mas se assim for ele estará longe de poder simbolizar os portugueses. Para os simbolizar talvez seja mais acertado o cordeiro.

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