Uma das fábulas mais persistentes da política portuguesa é o carácter
arbitral do Presidente da República. Dizer que o PR é um árbitro significa
afirmar que ele é independente dos que jogam o jogo político. Ora nem a
Constituição define o PR como um árbitro ou um juiz imparcial, nem a prática
dos vários presidentes eleitos tem sido independente do jogo político e do
conflito partidário. Talvez o caso mais interessante seja o do general Ramalho
Eanes que, não pertencendo a qualquer partido político, acabou por patrocinar o
nascimento, enquanto estava na Presidência, do seu próprio partido político, o
PRD.
Cavaco Silva nunca deixou de dar provas de uma visão política
partidária. O seu desempenho na crise aberta pela maioria governamental – a
carta de saída de Vítor Gaspar e o reconhecimento da falência da política
seguida, bem como a irrevogável demissão de Paulo Portas – mostraram à
saciedade que o actual PR não está acima do conflito partidário, pelo
contrário. Perante o descalabro das políticas seguidas e os estados de alma dos
governantes, Cavaco Silva tudo fez para salvar a maioria e, ao mesmo tempo, para
colocar o PS e o seu líder em extrema dificuldade.
A sua proposta de um acordo de salvação nacional foi um belo presente
para a maioria e uma maçã envenenada para Seguro. Portugal, com pouca cultura
democrática, não compreende os benefícios do pluralismo de ideias e do conflito
de soluções rivais, sendo, por isso, muito vulnerável a pretensos e ilusórios
consensos. Uma espécie de saudosismo da União Nacional, do tempo do dr.
Salazar. Os socialistas ficaram colocados perante um dilema: ou faziam um acordo
com os partidos da maioria, o que tornava o PS responsável pelas políticas do
governo, ou rejeitavam, como o fizeram, e seriam – como serão – acusados de
falta de responsabilidade e de pouco espírito patriótico. Fosse qual fosse a
posição de Seguro, os socialistas ficariam mal na fotografia e a maioria seria
tornada inocente e pura.
Foi uma excelente jogada partidária de Cavaco Silva. Mas foi uma boa
jogada para os portugueses? Para alguns, foi. Mas para aqueles que sofrem as
consequências das más decisões do actual governo – quase sempre apoiadas pelo
Presidente – foi uma péssima solução. Dizer que a proposta de Cavaco Silva não
serviu para nada não é verdade. Serviu para defender os partidos que o
apoiaram, serviu para mostrar que não é independente, serviu, por fim, para
reforçar a força daqueles que estão apostados em fazer de Portugal um novo
Bangladesh.
Bem visto, sim. Um ângulo que não é de descurar... Eu acho que, de facto, o partido, os partidos do governo venceram, mas também penso que o PR também foi perdedor. Porque está cada vez mais desacreditado e já ninguém o leva a sério - digo eu, cá da minha humilde e pouco interessante opinião. No fundo, mudou-se para que tudo continuasse na mesma. Ora isto pode ser inteligente, se for esse o objetivo, ou péssimo, se não for. Bom domingo
ResponderEliminarTalvez CS tenha perdido, talvez. Mas assegurou o essencial para os seus, assegurou a continuação das políticas em vigor, talvez mesmo a sua intensificação.
EliminarBom fim-de-semana
Jorge, ando embalada pelo verdadeiro espírito do corte que nos (des)norteia: é a segunda vez que encurto o fim de semana a quem gosto muito de ler :)
ResponderEliminarA uniao propósito de fábulas: Antigamente os animais falavam e hoje governam e alternam
ResponderEliminarAbraço
Fundamentalmente, alternam...
EliminarAbraço