domingo, 7 de julho de 2013

Os nossos

Henri Rousseau - The Football Players (1908)


Os tempos estão perigosos. O texto de Pacheco Pereira é, como tem sido habitual nos último tempos, muito lúcido e retrata a perigosa situação onde nos encontramos. Um sinal muito preocupante veio, inesperadamente, da primeira missa celebrada pelo novo Cardeal Patriarca de Lisboa. Parte substancial do regime estava presente, fundamentalmente gente ligada à direita, mas não só. D. Manuel Clemente, mas também Cavaco Silva e Passos Coelho foram recebidos, nos Jerónimos, com ovações. Ao ler isto fiquei perplexo e muito preocupado.

Deixemos de lado a ovação a D. Manuel Clemente (seria dispensável, pois um cardeal não é um artista, um toureiro ou um jogador de futebol, mas enfim...), as ovações ao Presidente da República e ao primeiro-ministro são um sinal claro do ambiente em que se vive e que traz o cheiro de alguma coisa muito perigosa. Ninguém tem dúvidas de que ambos são, hoje em dia, personagens medíocres, responsáveis por muitos dos males que acometem os portugueses. Por que motivo foram, então, aplaudidos? O motivo está todo ele explicado no excerto, em epígrafe,  de Pacheco Pereira. O que assistimos foi a um triste, porque numa Igreja e como antecipação da celebração da liturgia cristã, episódio de luta de classes. Cavaco Silva e Passos Coelho são dos "nossos", defendem-nos dos outros, daqueles que não têm lugar aqui, daqueles que desprezamos e que, na verdade, odiamos e tememos.

Não sei o que ficou a pensar D. Manuel Clemente, mas se não for destituído de lucidez política terá percebido que o que se passou nos Jerónimos foi de uma grande gravidade. Mostrou a temperatura do rancor político que existe neste momento em Portugal. Não são apenas os perdedores - as classes baixas e médias - que têm rancor. O desprezo, o ódio, o medo também existem nos de cima, ou naqueles que estão sempre disponíveis para os suportar. E ele manifestou-se nestas simples ovações. 

Espero que o novo Cardeal Patriarca tenha percebido que a sua própria homilia - dando o exemplo das gentes do norte - está pura e simplesmente descontextualizada da realidade do país. Se o não perceber, corre o risco de se tornar impotente para ajudar a conjurar a tragédia que se aproxima, corre o risco de deixar arrastar a Igreja portuguesa para essa tragédia. "Os nossos" significa sempre um excluir dos "outros", neste caso daqueles que não têm pedigree social, nem político, nem são monárquicos, nem afortunados. Aquelas ovações são um sintoma da tempestade que se aproxima. Diria mesmo que são sinais dos tempos. E os tempos, senhor Cardeal, estão perigosos, muito perigosos.

6 comentários:

  1. O senhor cardeal já (lhes) tinha endereçado o convite quando rejeitou a possibilidade de haver eleições.
    O senhor cardeal teve muita gente do Porto na missa em Lisboa. Não terá sido gente do "povo", mas certamente a gente dos Ferraris de S.João da Madeira e dos Porches da Foz.
    O senhor cardeal, se continuar assim, ainda vai receber a gratidão dos "manás", dos jeovás e etc.
    Que Deus não o oiça...

    Boa semana
    Abraço

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    1. Não começa bem Manuel Clemente. Depois tem azar. O contraste com o Papa actual pode tornar-se problemático. Veremos o que tem para trazer ao país.

      Boa semana.

      Abraço

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  2. Apontei o meu texto de há instantes para esta sua análise, lúcida como sempre.

    Tudo isto é preocupante. tem vindo a instalar-se um clima malsão que não augura nada de bom.

    Cavaco Silva deveria perceber o que está a acontecer na sociedade e atalhar enquanto é tempo. Mas se não percebeu o que aconteceu à economia e é economista, como poderá ele perceber uma coisa mais complexa?

    Que coisa horrível, esta.

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    1. Horrível é a palavra exacta.

      De Cavaco já nada há a esperar. Mas tudo isto, missa nos Jerónimos incluída, parece um remake de alguma coisa de gosto muito duvidoso.

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  3. Também considero que proliferam os ódios, que, em vez de se desejar bem estar para todos, com o que isso significa social e economicamente, se atiçam as paixões e se denigre o outro ao máximo. Os de baixo invejam os de cima, os de cima desprezam os de baixo, todos se atacam e ninguém é generoso em qualquer tipo de circunstância, opinião, atitude. Perigosamente transversal.

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