A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Vale a pena reflectir sobre um dos aspectos da chamada reforma do
Estado. Diz respeito à diminuição do número de funcionários públicos. Esta
diminuição está ligada a duas ideias que são facilmente aceites pela opinião
pública. Existem funcionários públicos a mais e é necessário que trabalhem mais
horas. Qual é o peso do emprego nas administrações públicas nos países da OCDE?
Segundo os últimos dados, esse peso é de 15%. Pensará o leitor, tendo em conta
tudo o que ouve, que Portugal terá no mínimo 20% da população activa na
administração pública. Lamento, mas está enganado. Portugal apenas emprega na
chamada função pública 11,1% da sua população activa. Portugal, contrariamente
ao que se diz, não tem emprego público a mais. Tem, consideravelmente, a menos.
A passagem do horário de trabalho das 35 horas semanais para 40 horas visa
reduzir ainda mais o emprego em funções públicas.
Estas opções do governo geram, em muitas pessoas que trabalham em
empresas privadas, um sentimento de acordo, uma espécie sensação de justiça. A
questão que se coloca, contudo, é se as pessoas que trabalham por conta de
outrem, fora da função pública, ganham ou perdem com a passagem das 35 para as
40 horas e com o despedimento de funcionários públicos.
Para lá do sentimento de justiça, qualquer cálculo racional mostra que
quem trabalha fora do Estado só tem a perder com estas medidas que afectam a
função pública. Em primeiro lugar, porque o horário da função pública é uma
espécie de regulador e moderador das pretensões patronais. Se a função pública
passar para as 40 horas, haverá lugar para as empresas privadas começarem a
exigir horários acima das 40 horas, numa espiral que não se sabe onde acabará,
mas cuja ideia reguladora são os mercados de trabalho asiáticos. Em segundo
lugar, os despedimentos na função pública vão aumentar a mão-de-obra
disponível, a concorrência entre pessoas para cada posto de trabalho criado –
se for criado – e, por isso mesmo, fazer diminuir o valor dos salários e das
condições de trabalho nas empresas privadas.
Aquilo que pode parecer justo – os despedimentos na função pública e o
aumento do horário – não passa de uma artimanha, mais uma, que visa, em última
análise, baixar o valor do trabalho fora do Estado. Faz parte de uma estratégia
de empobrecimento da maioria da população e de enriquecimento de um pequeno
grupo de pessoas. Tem avirtude de nos afastar cada vez mais de padrões
civilizados de vida e de nos aproximar das zonas onde o trabalho é quase
escravatura. Vamos a caminho do Bangladesh.
A Receita é simples: Despedem-se os funcionários públicos, reduze-se os Organismos estatais, aniquilam-se ou privatizam-se as empresas públicas e alimenta-se perversamente a aprovação dos que trabalham no sector privado.
ResponderEliminarVamos a caminho do Bangladesh?
Parece-me antes que é o Bangladesh que já aí vem e depressa...
Abraço
Tem toda a razão, é o Bangladesh que vem aí e a toda a velocidade.
EliminarAbraço