Gino Severini - Automóvil a la carrera (1912-1913)
Não é que as sociedades tradicionais fossem imóveis e imutáveis, mas a imutabilidade e a imobilidade eram os princípios ordenadores e que davam sentido à existência social. Na impossibilidade de repousar eternamente no princípio imutável, essas sociedades organizavam o ciclo da vida segundo uma forma de mutação que espelhava o imutável, por exemplo, o ciclo anual visto como um eterno retorno do mesmo. A metafísica platónica racionaliza esse impulso e eterniza no mundo das Ideias essa aspiração à permanência.
A modernidade vai subverter esta visão do mundo. Há um primeiro momento onde o culto dos antigos - o modelo greco-latino - ainda disfarçou a novidade, mas a partir da Querela dos Antigos e dos Modernos (iniciada em 1687) torna-se claro que os modelos fornecidos pela tradição são abandonados e que o passado - que era uma espécie de ponte para o imutável - deixou de ser o foco orientador da acção dos homens modernos. Os séculos XVIII e XIX consagram a ideia de progresso - o moral e o material - e orientam a visão do homem para o futuro, para o bem que há-de vir. O século XX aniquilou a ideia de progresso moral, mas a evolução tecnológica tornou-se absolutamente avassaladora.
Em todo este movimento, o que está em jogo é a mobilidade e a mutabilidade. A sociedade torna-se móvel e a velocidade da mudança ou da deslocação no espaço incrementa-se continuamente. O Estado-nação, apesar de tere um papel central na produção do novo modelo de sociedade, continha em si muitos elementos tradicionais e vinculados à ideia de imobilidade e de imutabilidade. As burocracias estatais e os corpos de funcionários públicos, os grandes agentes da modernização contínua da sociedade em conjugação com a ciência moderna e a empresa capitalista, eram imóveis e imutáveis, tanto quanto isso era possível. E é isso que agora está a ser posto em causa com a lei da mobilidade especial dos funcionários públicos portugueses.
O que se está a passar não é apenas um problema ideológico - embora também o seja -, mas o desenvolvimento lógico de uma ideia central do projecto da modernidade: a realização da pura mobilidade de todos os elementos sociais, o desenvolvimento de redes continuamente mutáveis. O dilema que se coloca na interpretação destes acontecimentos prende-se com as consequências da introdução da mobilidade no seio dos corpos imutáveis e imóveis da burocracia estatal e do funcionalismo público: significará esta mobilidade, visto que esses corpos foram e ainda são agentes de modernização, o fim do projecto da modernidade, ou estamos perante um novo momento do desenvolvimento do projecto moderno que dispensa ele mesmo os corpos imutáveis e imóveis que o ajudaram a vir à luz? Estaremos perante novo sintoma de uma pós-modernidade ou assistimos apenas à radicalização da modernidade? Esta querela arrasta-se já há alguns decénios, mas o ataque à imobilidade e à imutabilidade dentro do Estado é um elemento que, não sendo novo, tem um pesado significado no destino das nossas sociedades e do projecto da modernidade.
Olá Professor, ouvi dizer que Portugal passa por reformas educacionais. Queria saber do senhor sua opinião sobre essas reformas educacionais. Fique à votnade para responder por aqui ou enviar para o meu e-mail: solidadesantos@gmail.com Fico grata pela atenção. Abraço daqui(Fortaleza-Ce). Solidade
ResponderEliminarCaríssima Solidade Santos,
EliminarDesde que sou professor que Portugal se encontra sob reformas educacionais. Não há ministro - e tem havido muitos - que não mude qualquer coisa no sistema, que não seja reformista. O actual não é diferente dos outros. No entanto, o que ele faz é aumentar o número de alunos por turma, diminuir o número de horas lectivas para algumas disciplinas, favorecer as escolas privadas em detrimento das públicas (há agora uma grande polémica em algumas regiões onde isso parece ter sido mais claro). O essencial das actuais reformas é pôr em causa o ensino público, diminuir-lhe a qualidade, pôr em causa os professores do ensino público. As reformas actuais - se é que podem ter esse nome - inscrevem-se num programa de destruição do nosso ensino público. São movidas por uma ideologia contrária aos serviços públicos e assentam em preconceitos sobre a pedagogia, o desempenho dos alunos e dos professores. Pretendem abrir caminho para a privatização do ensino (isto é, entregar o dinheiro público a escolas privadas em nome de uma suposta concorrência).
Não sei se era disto que estava à espera, mas é isto que nós, professores portugueses do ensino público, estamos a enfrentar.
Abraço
Prezado prof. Jorge,
EliminarMuito, muito obrigada pelos esclarecimentos.
Como professor e intelectual o senhor deve saber da nossa realidade aqui no Brasil. Abraço e eu gosto muito de lê-lo.
Solidade
Muito obrigado, Solidade.
EliminarNem de propósito, Jorge... Hoje recebi uma sms (se bem que um simpático telefonema de um colega antes, na mesma situação)a dizer que não tenho componente letiva e que devo concorrer à mobilidade interna. Sou efetiva no quadro da escola onde lecionava desde há 4 anos, tenho bastantes anos de ensino, e neste momento, imagine-se, há apenas uma docente de inglês com horário na escola, eu sou a segunda. Tudo isto por causa do despacho de sexta feira, feito e enviado pela calada, apanhando as pessoas de férias (agora)e causando um mal estar geral nas escolas, entre quem gere e quem é gerido. Nada do que parecia seguro o é, mais. Chegou a mim, agora vou concorrer e não há lugares. Ou repescam-me depois ou não sei, é nova esta situação para mim. Pela primeira vez não concorri voluntariamente, estou congelada desde 2004, sim, 2004, fartei-me de trabalhar e obtive classificação alta, altíssima, na avaliação que toda a opinião pública reclamava e agora?? O que valeu isso tudo? Desilusão e revolta. Escumalha nojenta, a que nos desgoverna. Uma ataque total à escola e ao funcionalismo público. E aposto que há quem esteja contente... Vão todos mas é dar uma grande volta ao bilhar grande. Desculpe, Jorge, esta é a sua casa. Espero que me compreenda. Tristeza de férias, e eu não sou das que está pior...
ResponderEliminarMeu Deus. O ministro apanhou os professores de férias e vingou-se. Sim, tem toda a razão. Ninguém está seguro e estamos perante um ataque sem precedentes à escola pública e aos professores. Quando escrevi o post já sabia o que se estava a passar. Só espero que corra tudo bem consigo, que um módico de decência possa atingir o MEC e evitar esta hecatombe. Nem sei o que lhe possa dizer, a si e a todos os que foram apanhados na ratoeira do roubo de alunos e turmas às escolas públicas. E isto pode acontecer a qualquer um, seja qual for o lugar que ocupe no quadro. Puro terrorismo.
EliminarUm abraço
Como não sou professor não consigo apreender na devida dimensão o que se está a passar, mas, enquanto cidadão, não tenho duvidas em afirmar que estamos perante um atentado desta cambada de governantes indecentes aos docentes.
ResponderEliminarAbraço
Não é só aos docentes, mas a todos os que trabalham, tanto no serviço público como nas empresas privadas. Relativamente aos professores, há toda uma estratégia para entregar a escola pública a "empresas" privadas, que tirarão lucro dos dinheiros públicos que serão subtraídos aos professores. A coisa é mais simples do que parece. Há muita gente desejosa de pôr a mão no orçamento da educação.
EliminarAbraço