sábado, 13 de outubro de 2012

Da situação: 1. um caminho sem saída

Emilio Tadini - Aporia (1979)

Uma aporia é uma dificuldade, uma dificuldade insolúvel. No grego clássico, de onde o nosso termo português veio, uma aporia pode significar um impasse, a falta de recursos, uma perplexidade, uma dúvida. Pode também significar um caminho sem saída. Esta ideia, a de um caminho sem saída, é a que me interessa, embora as outras significações não sejam de desprezar no contexto daquilo que escrevo. Se nós, ao caminhar, constatamos que entrámos num caminho sem saída, o que fazemos é voltar para trás e tomar outra direcção. Aquilo que é possível no espaço não o é no tempo. O caminho que fazemos na nossa vida, mesmo quando nos leva a um beco sem saída, não é susceptível de ser vivido às arrecuas, o que significaria que desvivíamos o que tínhamos até então vivido. Isso não é possível. Nem para os indivíduos nem para as comunidades. Portugal não pode desviver, apagar da história, o que foram todos estes anos de desnorte político dinamizado pelos dinheiros da Europa.

E no entanto Portugal, todos nós, estamos perante uma aporia. Não apenas de uma aporia enquanto dificuldade, dúvida ou perplexidade. Estamos perante um caminho sem saída e não podemos voltar para trás. São as situações aporéticas as mais interessantes, pois são as que exigem mais do talento de um povo e do génio dos seus indivíduos. Este beco sem saída em que estamos metidos é dado pelo cruzamento de duas necessidades antagónicas: pagar a dívida segundo a imposição dos credores e desenvolver a economia, segundo os interesses da comunidade. A aporia está em que pagar a dívida, tal como nos está a ser exigido, implica não desenvolver a economia, mas sem o desenvolvimento desta não há pagamento possível dessa dívida. É aqui que um povo necessita do seu talento e do génio dos seus governantes. Este tem sido comprovadamente nulo. 

O que a situação exige é um deslocar do ponto de vista com que o problema tem sido focalizado pelos troikanos (sejam os ultra-troikanos do governo, sejam os troikanos light do PS oposição) e pelos anti-troikanos (que se lixe a troika, queremos as nossas vidas de volta). Em primeiro lugar, o problema tem uma natureza cognitiva e não económica. Só a partir da clara determinação do que se está a passar, podemos encontrar um caminho. A aporia exige então que pensemos, que meditemos sobre aquilo que nos está a suceder para o caracterizar devidamente. O senso comum, tão esclarecido pela comunicação social, dirá que o que se está a passar é a crise do défice. Mas o problema será mesmo o défice público e a dívida? Ou será outro? Será um problema económico ou o problema terá outra natureza, uma natureza não-económica? Isso será pensado num próximo post. Mas há coisas que parecem claras: a consideração económica do problema, seja do ponto de vista dos pró-troikanos ou dos anti-troikanos, conduz-nos a uma aporia, coloca-nos num caminho sem saída. Também parece claro que é necessário descrever melhor o que se está a passar para desfazer a aporia e encontrar um caminho. Essa descrição melhor implica que se tome um outro ponto de vista. (A continuar).

11 comentários:

  1. E, no entanto, o problema não é problema, é o dia a dia da gestão corrente. Só que um não-problema colocado na mão de gente que não sabe nada de nada torna-se num problema. E os que andam pelo mundo fora à procura de oportunidades detectam logo a oportunidade. Gente fraca, ignorante, à frente de um país (tal como à frente de uma empresa) é do melhor que há pois isso significa que não há ninguém a guardar a porta.

    Essa da dívida é um papão descabido. Dívida há sempre. Peça-se à PT ou à Soane ou à EDP ou a quelquer outra para pagar a dívida em 3 ou 5 anos e veja-se o que acontece: vão abaixo em três tempos.

    Em qualquer empresa ou organização gerir a dívida é o b-a-ba, acontece a todo a hora e não há quem não tenha dívida. A dívida gere-se, vai-se pagando e contraindo nova. Pode até nunca se pagar a dívida, transformando-a numa renda. Se uma empresa tem x milhões para pagar no próximo trimestre e antevê que a não conseguir pagar, renegociea-a e estende a maturidade. Isto é banal, corrente, permanente.

    A estupidez foi um contrato que contempla um ajustamento a 3 anos. Isso não existe.

    Claro que o mal também é ter-se uma dívida grande quando a economia estava a definhar. Mas o mal, a raiz de todo o problema, é ter-se uma economia em declínio. É isso que leva ao aumento da dívida e do défice. É essa a razão pela qual a dívida em Portugal continua a crescer. O mal de tudo foi a aceitação ao longo de décadas da desindustrialização, do fim das pescas, etc. Aí está o problema.

    A dívida é consequência disso. Tudo é resto é poeira ou desconhecimento.

    Quem quer que Portugal pague dívida ou se ajuste à pressa quer apenas vir comprar barato as empresas que vão falindo, as casas que vão sendo abandonadas, e quer mão-de obra barata.

    A solução para o mal de Portugal é o oposto do que estes ignorantes andam a fazer. A solução é negociar a dívida (atenção: negociar não é não pagar), restituir o poder de compra aliviando a carga fiscal, injectar dinheiro na economia para que se invista. Simples.

    É preciso é que à frente deste processo não estejam ignorantes, incompetentes, incultos.

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    1. Completamente de acordo. Mas esta gente não é apenas ignorante, incompetente e inculta. Por exemplo, Vítor Gaspar não o é. Tem mesmo leituras e sabe usá-las quando lhe convém. Há em alguma desta gente uma certa concepção da realidade que, além de distorcida, é perigosa. Irei tentar pensar o que está por detrás daquilo que é visível.

      Bom fim-de-semana.

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  2. Mas a esse faltam-lhe pelo menos três coisas vitais para a função que ocupa: falta-lhe senso comum, falta-lhe inteligência emocional e falta-lhe contacto com a realidade.

    Ou seja, é um desastre, um absoluto desastre.

    Mas o maior desastre é o chefe dele, tão desastre que não consegue perceber o desastre que o Gaspar é, nem perceber as consequências e as causas do agravar sistemático da situação.

    Por isso é que este governo não é remodelável. É que a única remodelação aceitável seria substituir o Passos Coelho. E como quem o fosse substituir também não quereria Gaspares, relvas, Álvaros, Cristas, Portas, etc, não sobraria um.

    Isto, falando de Portugal, claro - porque o problema têm sido os fracos governantes que temos tido, mas, também, a sujeição a políticas comuns que têm esmagado os países mais frágeis e com lideranças mais fracas.

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    1. Passos Coelho é o sinal, mais um, da perversão da vida política portuguesa. Como é possível que alguém sem biografia política ou outra tenha a ousadia de aspirar a ser primeiro-ministro? Como é possível que os portugueses votem em gente desta só porque são do PSD ou do PS? E o problema é que não se avistam melhoras.

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  3. Eu acho que se avistam mas tenho dúvidas é que alguém se chegue à frente. A gentinha com que teriam que conviver, a ignorância e incompetência pululantes, a amoralidade perversa que parece tudo cobrir, torna difícil alguém querer expor-se a isso.

    Mas pode ser que eu esteja a ser pessimista e que alguém que já nada tenha a ganhar ou perder e que ache que seria uma boa missão ao serviço do país se predisponha a isso. Tomara.

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    1. Eu não só não avisto melhoras como não consigo imaginar o PR a encontrar alguém digno e sólido no conhecimento do país para substituir PPC, num governo de iniciativa presidencial, como defendeu Mário Soares. Seria uma espécie de suspensão da democracia, o que seria mau. Mas a situação ainda não é percepcionada de forma suficientemente dramática para acontecer algo do género.

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  4. Excelentes! O texto e os comentários, lidos, aqui com a sofreguidao de quem ficou de repente à distância.
    Transformei-me num céptico em tudo o que respeita ao nosso país e quando estou fora ainda mais descrente fico.
    Afonso Henriques enganou-se e enganou-nos bem.
    Abraco caloroso daqui onde o sol é curto.

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    1. Obrigado, JRD. Estar fora do país é uma coisa que dá saúde à alma. É de aproveitar.

      Abraço

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  5. Pois eu não vejo alternativa a isso, a um governo presidencial capaz até à data das legislativas. Parece-me a melhor solução para defender a democracia que agora está a sofrer graves atentados todos os dias (tão graves que as pessoas já os aceitam como se fossem normais e não como atentados inadmissíveis).

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    1. Pois, mas o presidente é CS, pessoa que me parece, também ela, pouco preparada para as coisas difíceis. Ele até gostaria de ter um papel, mas sempre foi um político manhoso e timorato. Um grande azar ser ele presidente nesta hora.

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  6. CS é um político medíocre e inábil e, ainda por cima, está assessorado por gente, "esperta", sem qualidade, que tem dado o seu contributo para fazer deste país um cavaco.
    Basta que nos recordemos dos que o têm acompanhado ao longo dos anos, com uma ou outra excepcao, para percebermos o que pode resultar de uma iniciativa vinda daquelas bandas.


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