sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Ensino público e rankings


A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.

Foram publicados os rankings nacionais dos exames de 6.º, 9.º, 11.º e 12.º anos. Acentuou-se o predomínio das escolas privadas nos lugares cimeiros e o consequente recuo das escolas públicas. Estes rankings dizem pouco, se dizem alguma coisa, sobre a qualidade do trabalho levado a efeito numas e noutras. São, contudo, um excelente retrato do país em que nos estamos a tornar e das políticas públicas de educação.

O predomínio das escolas privadas vem confirmar a velha tese do sociólogo Pierre Bourdieu sobre o papel do ensino na reprodução das desigualdades. Os rankings mostram não apenas essa profunda desigualdade social que mancha Portugal, como tornam manifesto que esse desigualdade se está a reproduzir de forma cada vez mais profunda. As elites sociais perceberam há muito a importância de uma boa escolarização dos seus filhos e apostam muito nessa escolarização. O colégio privado, fundamentalmente nas grandes cidades, é ao mesmo tempo o sinal de um interesse parental pelo ensino e um emblema de distinção social, o lugar onde crianças e jovens se irão relacionar com as crianças e jovens das famílias que interessam. É o lugar onde as futuras alianças se começam, secreta e inconscientemente, a construir. É um lugar de distinção e assim de exclusão.

Uma política pública deveria ter como finalidade manter a coesão da comunidade, estabelecer laços sociais entre as diversas classes, proporcionar uma crescente igualdade de oportunidades. O que acontece é que a política pública de educação em Portugal tem feito exactamente o contrário. Tornou a vida dos professores do ensino público um calvário burocrático, desviou-os da sua missão educativa, ao mesmo tempo que permitiu uma cultura laxista por parte dos alunos, tendo mesmo, muitas vezes, incentivado esse laxismo através de uma atitude de facilidade, da pouca exigência e da falta de rigor. Se há alguma coisa que os rankings deste ano tornam claro é o pesado erro que foi a política educativa de Sócrates e de Lurdes Rodrigues, cujas consequências se começam a tornar agora claras.

No desconcerto em que o país vive haverá pouca disposição para dar atenção ao ensino e à escola pública. Contudo, não apenas a coesão social do país como o seu desenvolvimento estão fundados nessa escola pública. Ou o país e os governantes olham com muita atenção e rigor para o ensino público ou a sua degradação será irremediável. As consequências dessa degradação não serão menos devastadoras do que aquilo que se está a passar na economia. É isso que os rankings, sub-repticiamente, estão a dizer. 

4 comentários:

  1. Gostei da sua análise; apresenta uma leitura interessante dos "rankings", que até à data ainda não tinha lido em qualquer órgão de comunicação social.
    O apoucamento do ensino público, que refere, bem como as suas tristes consequências são uma realidade, de facto. Estamos a regredir. É pena.

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    1. Muito obrigado. Temo mesmo que o apoucamento se torne uma prática irreversível dos governantes. Enfim...

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  2. É necessário que alguém denuncie a perversidade calculista com que os poderes, incluindo o fático, tratam este problema.
    O meu Caro Amigo fê-lo de maneira exemplar.
    bfs

    Abraco

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