Francis Picabia - Le Double Monde (1919)
Uma sociedade como a portuguesa é um lugar onde estão presentes dois mundos muito diferenciados, socialmente afastados e com pouca disponibilidade para encontrar pontes entre eles, para além daquelas que a vida, com as suas necessidades, impõe. A arte de governar está toda ela em estabelecer pontes, em cerzir aquilo que a desconfiança social rasga, em soldar os laços que os interesses de casta e os egoísmos de classe partem. Quando um governo como o actual, movido pela ignorância do que é a sociedade portuguesa e pela abstracção de uma ou duas ideias mal assimiladas, toma claramente partido por um dos lados, quando decide humilhar e empobrecer até ao paroxismo aqueles que são já pobres e humildes, está a trair a missão que lhe foi confiada, governar para manter a coesão da comunidade. Está a aprofundar a divisão da sociedade em dois mundos, está a cortar os poucos laços que existem entre eles.
O curioso, porém, é que, de um momento para o outro, o governo descobre-se isolado, descobre que nem aqueles para quem supostamente governa estão do lado dele. O governo movido por uma ideologia superficial pensou que bastaria fazer tilintar os sinos do individualismo, para que recolhesse à sua volta todos aqueles que seriam a encarnação do homem-novo liberal, dinâmico e empreendedor. Está a descobrir, com amargura e ressentimento, que o instinto gregário, que ele tenta destruir, é mais forte e que aqueles dois mundos que são diferentes - e por vezes antagónicos - quando a comunidade está decisivamente em perigo unem-se, pois pressentem que o instinto gregário que funda a comunidade é essencial para que todos, e os diferentes mundos a que pertencem, possam sobreviver. Um governo que deliberadamente quis aprofundar a divisão entre os dois mundos que coexistem na sociedade, acaba por os unir na rejeição desse mesmo governo. Ficou acompanhado por meia dúzia de avençados pagos escandalosamente. Ninguém, nos dias que correm, tem já qualquer consideração pela trupe que nos governa. A sua remoção do poder não gerará estados de alma ou sequer um franzir de sobrolho.
Estes comediantes de meia-tigela actuam num cenário irreal, com dois mundos que, até há pouco, seria impensável pudessem ocupar o mesmo espaço.
ResponderEliminarAbraco
As voltas que o mundo dá...
EliminarAbraço