Um dos principais problemas da crise resulta dela ser objectivamente
boa para a generalidade dos actores políticos e sociais. Ela é má para os
cidadãos comuns, para os trabalhadores e para a generalidade das empresas,
embora não para todos os empresários. Perante este quadro, as pessoas descrêem
dos actores políticos e desconfiam, não sem razão, que estes têm muito mais a
ganhar com a crise do que a perder.
Uns aproveitam a crise para impor uma agenda de interesses
particulares que, numa situação normal, seria impensável. Neste caso, os
actores políticos não evitam mesmo o
sacrifício do seu nicho de mercado eleitoral em troca dos ganhos daqueles a
quem eles, efectivamente, representam. Esta atitude está escorada na crença de
que não há qualquer alternativa, mas uma alternância de grupo dirigente. O novo
poder continuará a mesma política, servindo os mesmos amos, enquanto o grupo
que sai do poder, vai descansar, engordar o pecúlio eleitoral, para retomar o
serviço quando chegar a nova hora de alternância.
Outros vêem na crise a grande oportunidade de aumentar a sua
influência política, de saírem do apertado limiar a que uma situação normal os
condena, de ganharem espaço político, de imporem a força da rua, os seus slogans e palavras de ordem. Caso os
deuses enlouqueçam por completo, não deitarão fora a oportunidade de nos impor
a bondade dos seus préstimos e de implantarem a utopiazinha que lhes anima a
alma.
Na verdade, a resolução equilibrada, sensata e negociada da crise não
aproveita a ninguém na esfera dos partidos políticos, e ninguém, na verdade, a
quer. Tudo o que vemos – com a excepção daqueles happenings, por vezes gigantescos, que são as manifestações dos
movimentos sociais espontâneos – não passa de um exercício cínico, onde os
interesses das pessoas são imolados aos interesses das várias elites em
confronto.
A crise ao oferecer a possibilidade das partes maximizarem os lucros
políticos coloca a comunidade à beira do colapso, deixa as pessoas sem uma
horizonte de esperança, essa grande ilusão necessária à vida. Por outro lado, para
que uma comunidade exista há um consenso mínimo necessário. O que se está a
assistir é que a voragem provocada pela maximização dos ganhos políticos se
aproxima perigosamente da destruição desse consenso mínimo. Ainda não é
visível, mas a brecha já tomou conta dos alicerces da casa. Este é o grande
perigo, o perigo de um abismo que acabará por ser preenchido por algo nada
recomendável.
Bom Dia.
ResponderEliminarEsta descrença na política, enquanto forma própria para planear e decidir os caminhos de um país e dos seus cidadãos, é por demais preocupante. São vários os lados que a suspenderiam sine die, impondo outras formas de governo sem a participação dos cidadãos.mesmo dol lado daqueles que hoje arrastam cidadãos para a indignação. Foi nesse sentido que escrevi um post http://bolosenoradrenalina.blogspot.pt/2012/10/cuidado-com-os-dois-lados-da-mesma.html
Temo, por vezes, que a saída vá ser muito desagradável. A situação também é toda ela muito desagradável. Por outro lado, a descrença na política é o reverso de uma crença, de uma crença numa política mais exigente e menos corroído pelos interesses particulares.
EliminarPoderíamos dizer que o governo "ideal" é o que agoniza porque está prestes a ser substituído por outro que vai governar melhor.
EliminarEm Portugal esse raciocínio é uma ilusão, 'eles' mudam(-se) sem mudar e o país continua na mesma ou pior.
Em Portugal, cada governo é sempre pior do que o anterior, não porque seja tecnicamente pior ou melhor, mas porque a realidade se degradou ainda mais e os governantes vivem na mais pura idealidade platónica. Aliás, até hoje só houve um governante que reconheceu isso. Foi Guterres. Ele percebeu que estávamos num pântano e que ele era impotente para nos tirar de lá ou para o secar. Foi-se embora, assumindo que se ia embora.
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