Independentemente da apreciação das elites governantes que nos têm
saído em sorte – e a minha apreciação é muito negativa –, precisamos de tomar
consciência de que falhámos dolorosamente. Em todo o lugar onde a voz do povo
se faz ouvir, há um clamor contra a elite política. Este clamor é perigoso, não
tanto porque pode prenunciar o desejo de uma solução política ditatorial, mas
porque é uma desresponsabilização das próprias pessoas, é a criação de uma
ilusão sobre o lugar onde reside o mal, é eleger um bode expiatório.
Por muito iníquos e incompetentes que os políticos tenham sido, a
verdade é que os elegemos. À direita e à esquerda, ninguém exerceu um cargo
político sem que uma maioria de nós o tenha caucionado e apoiado. A contínua
degradação da classe política não mereceu, da parte do povo português, mais do
que um encolher de ombros e o comentário habitual ”são todos iguais”. Achámos,
durante décadas, após a oferta da democracia, que o bem comum, a gestão da
coisa pública, os interesses da comunidade não nos diziam respeito, que haveria
alguém que cuidaria de tudo isso, sem que nos tivéssemos de preocupar, a não
ser em votar de quando em vez. Não percebemos, e parece que não queremos
perceber, que fomos cúmplices na degradação da res publica. Não pecámos pelos
actos, mas pelas omissões.
Mas não foi só aí que falhámos. A forma como deixámos degradar, ou
como colaborámos activamente, as instituições sociais – os sistemas de saúde,
de ensino, de protecção social – mostra o pouco respeito que temos tido por
aquilo que é comum. A própria relação com o Estado é perversa. O Estado é
visto, muitas vezes, como um inimigo que há que enganar ou uma espécie de vaca
pouco sagrada, cuja teta há que espremer até mais não poder. Não quisemos, nem
parece que queiramos, perceber que o Estado é a forma como a comunidade se
organiza para viver em paz pública e toma decisões que visam o bem comum. Que
precisamos de o defender não porque ele tenha que nos dar alguma coisa, mas
porque sem ele a vida não seria possível.
Esta terrível crise pode ser uma oportunidade para compreendermos onde
falhámos, para percebermos que o nosso destino comum depende de nós e não
apenas dos políticos eleitos, que devemos ser muito exigentes com quem
elegemos. Uma pátria organizada em Estado confere direitos, mas em
contrapartida exige um conjunto de deveres. Ser patriota – e não há país viável
sem um mínimo de patriotismo – não é andar com a bandeira às costas se joga a
selecção. Ser patriota é cuidar muito atentamente do bem comum, das
instituições da república. Este é o nosso dever fundamental.
Penso que falhámos sempre ao longo da História, independentemente das conjunturas e das épocas.
ResponderEliminarFoi assim a seguir a 1383, a 1640, a 1910 e a 1974. Será uma fatalidade histórica determinada pela nossa própria idiossincrasia?
Enfim, creio que já aqui fiz referência a uma frase de um tal Caius Julius Caesar(?), para quem havia nos confins da Ibéria, um povo que não se governava nem se deixava governar.
Quanto ao patriotismo, não obstante partilhar do que escreveu, ficam-me sempre algumas dúvidas porque a situação pode tornar-se promiscua, já que a gentalha que nos governa, também ela, se afirma patriótica e quando assim é, apetece-me citar Samuel Johnson, autor inglês do século XVIII, que afirmava que o patriotismo era o último refúgio dos canalhas.
Bom fim de semana e bom descanso.
Nestas coisas há sempre a ilusão de que se possa aprender com a História. Na verdade, não se aprende. Talvez seja a altura de aceitar que nós, portugueses, escolhemos viver assim. Quanto ao patriotismo, refiro-me ao patriotismo republicano (que pode existir inclusive numa monarquia, e que, de facto, existe em várias), que um sentimento de dever de cuidar das instituições comuns. A ideia de um "patriotismo" como exclusão do outro é repugnante. Mas, curiosamente, é este "patriotismo" que muiras vezes se manifesta no futebol.
EliminarAbraço e bom fim-de-seman.
Volto apenas para dizer que conheço bem esse patriotismo republicano de que fala e, por acaso, conheço bem uma monarquia que o assume de maneira salutar e solidária.
ResponderEliminarUm pais que exibe e cultiva a sua bandeira vermelha com uma grande cruz branca, por tudo o que é espaço, grande e pequeno.
Curiosamente e já que fala de futebol, não me lembro da penúltima vez que assisti a um jogo num estádio, mas recordo-me perfeitamente que a última foi, por convite amigo, em Copenhaga, faz bastante tempo. Portugal perdeu mas eu diverti-me no meio de milhares de vikings felizes e vencedores
Abraço
Esse era um dos exemplos em que estava a pensar. Um patriotismo que é base dos respeito tanto pela sua comunidade como pelos que lhe são estranhos.
EliminarAbraço