terça-feira, 9 de junho de 2015

A poesia quântica e a prosa determinista

Gustavo Torner - Átomos: Los Cuatro Elementos. Fuego (1986)

Não sei nada de Física. Nem da que explica a realidade macroscópica nem da quântica, aquela que trabalha sobre a realidade microscópica, a do átomo e das partículas subatómicas. A primeira, por complexa que seja, parece não ter o poder poético da segunda. Esta é um estranho e assombrado mundo, que para mim, pobre mortal, é incompreensível. Não é da minha ignorância, porém, que quero falar, mas da assombração desse mundo incompreensível. Veja-se por exemplo o que descobriram uns cientistas australianos: aquilo que acontece às partículas no passado é apenas decidido quando elas são observadas e medidas no futuro. Até lá a realidade é apenas uma abstracção.

Diz-nos a nossa experiência que os acontecimentos passados condicionam e determinam os futuros. No mundo microscópico que compõe toda a realidade, as coisas parecem passar-se de outra maneira. O Professor Truscott afirma literalmente “um acontecimento futuro induz o fotão a decidir o seu passado”. E aqui descubro o meu fascínio – o espanto de um ignorante – pela física quântica. Não pense o leitor que se isso se deve à sua natureza especulativa que a torna irmã da filosofia e, em certos casos, da própria teologia. Não.

Releia-se a frase do professor Truscott. Percebe-se imediatamente que estamos no domínio da mais pura poesia. A poesia é lugar onde o discurso suspende a ordem normal do mundo e mostra este de pernas para o ar. Agora estou tentado a dizer: a poesia mostra o mundo na sua faceta quântica. Este súbito cruzamento entre mecânica quântica e poesia não pretende dizer que os cientistas que se dedicam a esse mundo são uns poetas, isto é, uns lunáticos, que é assim que o senso comum considera os poetas.

Pretende mostrar outra coisa: a realidade, na sua dimensão quântica, a mais fundamental, tem uma natureza poética, como se aquela realidade fosse composta por metáforas, metonímias e oximoros. É o futuro que determina o passado. É o fotão que é ao mesmo tempo onda e partícula. É, imagine-se, o pobre do gato de Schrödinger que está, ao mesmo tempo, morto e vivo. Com tudo isto há, para um ignorante quântico como eu, um outro mistério: quando e como aquele mundo proteico e poético se transforma em prosa?

A linguagem prosaica, para certos pensadores, é apenas a degradação da linguagem poética original. As metáforas vivas tornam-se catacreses, metáforas mortas, e a linguagem banaliza-se na prosa. O que eu gostava de saber mesmo é como a realidade quântica se banaliza na realidade em que vivemos, e, em vez de haver viagens de ida e volta entre passado e futuro, há apenas uma viagem que não tem retorno? Gostava mesmo de saber qual é o momento em que nós, pobres gatos de Schrödinger, abandonamos o paraíso onde estamos vivos apesar de estamos mortos e caímos naquele mundo em que, quando morrermos, estamos definitivamente mortos. Não podemos substituir a prosa determinista da mecânica newtoniana pela poesia quântica?

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