Gustavo Torner - Átomos: Los Cuatro Elementos. Fuego (1986)
Não sei nada de Física. Nem da que explica a realidade macroscópica
nem da quântica, aquela que trabalha sobre a realidade microscópica, a do átomo
e das partículas subatómicas. A primeira, por complexa que seja, parece não ter
o poder poético da segunda. Esta é um estranho e assombrado mundo, que para
mim, pobre mortal, é incompreensível. Não é da minha ignorância, porém, que
quero falar, mas da assombração desse mundo incompreensível. Veja-se
por exemplo o que descobriram uns cientistas australianos: aquilo que
acontece às partículas no passado é apenas decidido quando elas são observadas
e medidas no futuro. Até lá a realidade é apenas uma abstracção.
Diz-nos a nossa experiência que os acontecimentos passados condicionam
e determinam os futuros. No mundo microscópico que compõe toda a realidade, as
coisas parecem passar-se de outra maneira. O Professor Truscott afirma
literalmente “um acontecimento futuro induz o fotão a decidir o seu passado”. E
aqui descubro o meu fascínio – o espanto de um ignorante – pela física
quântica. Não pense o leitor que se isso se deve à sua natureza especulativa
que a torna irmã da filosofia e, em certos casos, da própria teologia. Não.
Releia-se a frase do professor Truscott. Percebe-se imediatamente que
estamos no domínio da mais pura poesia. A poesia é lugar onde o discurso
suspende a ordem normal do mundo e mostra este de pernas para o ar. Agora estou
tentado a dizer: a poesia mostra o mundo na sua faceta quântica. Este súbito
cruzamento entre mecânica quântica e poesia não pretende dizer que os
cientistas que se dedicam a esse mundo são uns poetas, isto é, uns lunáticos,
que é assim que o senso comum considera os poetas.
Pretende mostrar outra coisa: a realidade, na sua dimensão quântica, a
mais fundamental, tem uma natureza poética, como se aquela realidade fosse
composta por metáforas, metonímias e oximoros. É o futuro que determina o
passado. É o fotão que é ao mesmo tempo onda e partícula. É, imagine-se, o
pobre do gato
de Schrödinger que está, ao mesmo tempo, morto e vivo. Com tudo isto há,
para um ignorante quântico como eu, um outro mistério: quando e como aquele
mundo proteico e poético se transforma em prosa?
A linguagem prosaica, para certos pensadores, é apenas a degradação da
linguagem poética original. As metáforas vivas tornam-se catacreses, metáforas
mortas, e a linguagem banaliza-se na prosa. O que eu gostava de saber mesmo é
como a realidade quântica se banaliza na realidade em que vivemos, e, em vez de
haver viagens de ida e volta entre passado e futuro, há apenas uma viagem que
não tem retorno? Gostava mesmo de saber qual é o momento em que nós, pobres
gatos de Schrödinger, abandonamos o paraíso onde estamos vivos apesar de
estamos mortos e caímos naquele mundo em que, quando morrermos, estamos definitivamente
mortos. Não podemos substituir a prosa determinista da mecânica newtoniana pela
poesia quântica?
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