Mariano Fortuny - The Choice of a Model (1874)
No Expresso (texto parcial) da semana passada havia um interessante artigo sobre a Educação na Finlândia. Estes artigos são interessantes mas perversos. A perversidade reside no facto de facilmente se descontextualizar a realidade e fazer comparações com coisas incomparáveis. Uma comparação perversa não tardou a surgir num artigo de opinião do Observador. O autor aproveita o exemplo finlandês para derramar um conjunto de banalidades, a malvadez de se ser contra municipalização do ensino, contra o actual tipo de avaliação de professores, etc., não esqueceu mesmo de sublinhar a natureza tenebrosa dos sindicatos de professores e outros lugares comuns. O que me interessa, contudo, é o núcleo central do argumento do articulista. Diz, então, assim: na educação, o que nos separa da Finlândia é fruto das nossas escolhas, não de um qualquer fatalismo cultural.
O problema deste argumento é que ele, como qualquer aluno do 11.º ano sabe, é falacioso. Comete a chamada falácia do falso dilema. Não há, como também qualquer aluno do 11.º ano sabe, apenas a escolha livre e o fatalismo que nos impõe um destino. Se o articulista tivesse humildade suficiente, pediria a um aluno de 11.º ano que lhe explicasse que outras alternativas existem para além deste dilema entre a escolha livre e o fatalismo determinista. Talvez o aluno tivesse paciência e lhe ensinasse que pode haver escolhas livres mas que são determinadas, ao mesmo tempo, por factores culturais. E se o aluno fosse mesmo muito paciente diria que esse factores culturais, não anulando a nossa liberdade, condicionam aquilo que escolhemos.
O autor do artigo quer vender a ideologia da escolha livre e quer ver nas opções existentes em Portugal e na resistência que os professore portugueses fazem a propostas idênticas ao que existe na Finlândia uma forma de servidão. Para isso, não hesita em usar uma argumentação falaciosa. A ideologia é mais forte que o rigor lógico. Dou dois exemplos que mostram o sem sentido e a perversidade de nos quererem tomar por finlandeses.
Os professores na Finlândia são contratados pelos directores das escolas. Não há concurso nacional. Imagine o leitor que tem um filho que fez a formação de professor, que foi um excelente aluno e tem uma excelente preparação. Há um concurso para uma escola. Ao concurso apresenta-se o seu filho e um outro candidato, de nota medíocre e com pouca propensão para o ensino. Tem contudo um pai amigo - nem falo do director - do Presidente da Câmara lá do sítio. Quem acha o leitor que ficaria com o lugar? Acha que seria o seu filho? Quer, o leitor, um concurso nacional sem intervenção humana ou um concurso de escola?
Um outro exemplo. Na Finlândia, ao contrário de Portugal, não há inspecção nem exames, a não ser no 12.º ano. O leitor acha que isto seria bom para o ensino português? Acha que o esforço no ensino seria o mesmo caso não houvesse exames? Acha que o comportamento de todos os agentes educativos, em Portugal, seria irrepreensível caso não existisse inspecção? Eu, que sou professor, acho que seria uma catástrofe, para o sistema educativo português, o fim dos exames do ensino básico e o fim da inspecção. Deixemos os finlandeses serem finlandeses e olhemos para os nossos problemas e para aquilo que efectivamente somos e não o que, abstractamente, desejávamos ser.
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