sexta-feira, 31 de maio de 2013

Este futebol que nós...


No Domingo passado, foi feito o lançamento do livro Este futebol que nós amamos, uma iniciativa do João Carlos Lopes que reuniu uma dúzia de textos sobre o futebol. A sessão correu entre o divertido e o nostálgico. De certa maneira, todos temos nostalgia de um futebol que já não conhecemos. Sempre me lembro de o futebol ser profissional, de haver grandes questões em torno dos contratos dos atletas, para não falar de cenas rocambolescas à volta de jogadores disputados por vários clubes. Nunca conheci aquele futebol puro do qual sinto saudade. 

Desde que o futebol nasceu e começou a implantar-se, houve uma metamorfose, talvez lenta, mas que o levou a mudar de face. O futebol espalhou-se nas massas populares como resposta à necessidade de representação sentida pelas populações expulsas dos campos devido às revoluções industriais. Esta necessidade de representação inventou memórias, impôs fidelidades e descobriu, na liberdade de mudar de emblema, traições inomináveis. 

A grande capacidade de atracção do fenómeno, porém, fez nascer dentro dele uma outra função que vai muito para além da representação de massas errantes, de gentes que perderam a comunidade de origem, e encontram na fraternidade dos adeptos do mesmo clube uma compensação da pátria perdida. O futebol tinha, como se percebe já há bastante tempo, uma grande capacidade de simbolizar. De simbolizar o quê? A própria sociedade naquilo que ela tem de essencial. O futebol não é uma brincadeira nem uma alienação da realidade. Ele é um processo muito eficaz de educação simbólica das massas para os valores das sociedade contemporâneas. 

As nossas sociedades são altamente competitivas. Nelas, como no futebol, não há lugar nem para velhos nem para fracos. As solidariedades são geridas em conformidade com os interesses. Toda a espécie humana está em guerra nesse grande estádio da vida que é o mercado. Cada produto que a concorrência vende representa para mim uma perda. O lugar melhor que o outro ocupa é um lugar que eu não posso ocupar, a não ser que o derrote. Quando trabalho numa empresa tenho um dever de solidariedade com os meus colegas, embora também concorra com eles por melhores avaliações e prémios, mas quando vou trabalhar para a concorrência os meus ex-colegas passam a inimigos que tenho o dever de derrotar. 

Querem melhor símbolo de tudo isto que o futebol? Por isso se compreende a nostalgia. Imaginámos um futebol que nos representava enquanto seres que perderam as raízes ancestrais e que nos dava imaginárias solidariedades e confrontamo-nos com um futebol que simboliza na perfeição o martírio a que a espécie humana se entrega diariamente.

2 comentários:

  1. Quer queiramos ou não, o futebol é um fenómeno incontornável que alia a beleza estética dos movimentos individuais e colectivos a estratégias previamente delineadas e explanações tácticas que podem ser perfeitas, quando existe uma simbiose de todos os seus elementos.
    Lamentavelmente, não raro, surge como indutor de catarses colectivas, sobretudo em épocas de grande desencanto ou de tensão psicológica e social.
    Isto digo eu, que embora assuma o meu clubismo “congénito” já me esqueci do último jogo a que assisti in loco (talvez há 25 anos) em Portugal.
    O último foi em 2006 um Dinamarca 4 Portugal 2, no estádio do  Brøndby nos arredores de Copenhaga, em que eles eram vinte mil e nós vinte mas foi um divertimento e uma manifestação única de fair play em que o único excesso foi a cerveja...

    Abraço

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    1. Gosto de futebol, mas não tanto quanto já gostei. Muito raramente vou a um estádio e, apesar de fiel ao meu clube do coração, confesso que não tenho já qualquer "clubite". As suas derrotas, mesmo trágicas como neste final de época, não me deprimem, as suas vitórias não me exaltam.

      Abraço

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