A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
No Domingo passado, foi feito o lançamento do livro Este futebol que nós amamos,
uma iniciativa do João Carlos Lopes que reuniu uma dúzia de textos
sobre o futebol. A sessão correu entre o divertido e o nostálgico. De
certa maneira, todos temos nostalgia de um futebol que já não
conhecemos. Sempre me lembro de o futebol ser profissional, de haver
grandes questões em torno dos contratos dos atletas, para não falar de
cenas rocambolescas à volta de jogadores disputados por vários clubes.
Nunca conheci aquele futebol puro do qual sinto saudade.
Desde que o futebol nasceu e começou a implantar-se, houve uma
metamorfose, talvez lenta, mas que o levou a mudar de face. O futebol
espalhou-se nas massas populares como resposta à necessidade de
representação sentida pelas populações expulsas dos campos devido às
revoluções industriais. Esta necessidade de representação inventou
memórias, impôs fidelidades e descobriu, na liberdade de mudar de
emblema, traições inomináveis.
A grande capacidade de atracção do fenómeno, porém, fez nascer
dentro dele uma outra função que vai muito para além da representação de
massas errantes, de gentes que perderam a comunidade de origem, e
encontram na fraternidade dos adeptos do mesmo clube uma compensação da
pátria perdida. O futebol tinha, como se percebe já há bastante tempo,
uma grande capacidade de simbolizar. De simbolizar o quê? A própria
sociedade naquilo que ela tem de essencial. O futebol não é uma
brincadeira nem uma alienação da realidade. Ele é um processo muito
eficaz de educação simbólica das massas para os valores das sociedade
contemporâneas.
As nossas sociedades são altamente competitivas. Nelas, como no
futebol, não há lugar nem para velhos nem para fracos. As solidariedades
são geridas em conformidade com os interesses. Toda a espécie humana
está em guerra nesse grande estádio da vida que é o mercado. Cada
produto que a concorrência vende representa para mim uma perda. O lugar
melhor que o outro ocupa é um lugar que eu não posso ocupar, a não ser
que o derrote. Quando trabalho numa empresa tenho um dever de
solidariedade com os meus colegas, embora também concorra com eles por
melhores avaliações e prémios, mas quando vou trabalhar para a
concorrência os meus ex-colegas passam a inimigos que tenho o dever de
derrotar.
Querem melhor símbolo de tudo isto que o futebol? Por isso se
compreende a nostalgia. Imaginámos um futebol que nos representava
enquanto seres que perderam as raízes ancestrais e que nos dava
imaginárias solidariedades e confrontamo-nos com um futebol que
simboliza na perfeição o martírio a que a espécie humana se entrega
diariamente.
Quer queiramos ou não, o futebol é um fenómeno incontornável que alia a beleza estética dos movimentos individuais e colectivos a estratégias previamente delineadas e explanações tácticas que podem ser perfeitas, quando existe uma simbiose de todos os seus elementos.
ResponderEliminarLamentavelmente, não raro, surge como indutor de catarses colectivas, sobretudo em épocas de grande desencanto ou de tensão psicológica e social.
Isto digo eu, que embora assuma o meu clubismo “congénito” já me esqueci do último jogo a que assisti in loco (talvez há 25 anos) em Portugal.
O último foi em 2006 um Dinamarca 4 Portugal 2, no estádio do Brøndby nos arredores de Copenhaga, em que eles eram vinte mil e nós vinte mas foi um divertimento e uma manifestação única de fair play em que o único excesso foi a cerveja...
Abraço
Gosto de futebol, mas não tanto quanto já gostei. Muito raramente vou a um estádio e, apesar de fiel ao meu clube do coração, confesso que não tenho já qualquer "clubite". As suas derrotas, mesmo trágicas como neste final de época, não me deprimem, as suas vitórias não me exaltam.
EliminarAbraço