segunda-feira, 27 de maio de 2013

Meditações dialécticas (9) - A técnica

Ferdinand Hodler - Triunfo da técnica (1897)

Em muitos de nós existe uma estranha nostalgia, a de um mundo destituído de técnica. Duas ideias concorrem para este sentimento nostálgico. Por um lado, aquela que nos mostra que a técnica implica um ruptura com o mundo natural e uma existência pura e ingénua. Por outro, aquela que vê na técnica não apenas um instrumento de dominação (ao serviço dos dominadores, claro) mas o próprio dominador. Sob estas ideias residem aspirações profundas do ser humano, aspiração a uma existência mais autêntica e o desejo de uma vida completamente emancipada. A técnica seria o grande inimigo destas aspirações profundas da alma humana. 

O que não compreendemos, contudo, é que mesmo essas aspirações nostálgicas são já um produto da própria técnica e o resultado de um longo convívio do homem com os dispositivos técnicos, com os quais foi fabricando a sua vida e os seus sonhos de pureza e de autenticidade. Não se trata apenas de constatar que a vida humana sem os dispositivos técnicos seria um horror, sempre sob ameaça da própria natureza. A técnica, na verdade, protege-nos da natureza tal como ela é e, ao mesmo tempo, permite-nos sonhar com um mundo natural sem mediação da técnica, mundo que nós inventámos a partir do uso dessa mesma técnica.

2 comentários:

  1. Sou um homem dado a (inexplicáveis) nostalgias. Nada de ódio ao tempo presente nem uma excessiva valorização do que já foi. Nostalgia de sensações, talvez de pureza de sensações. Não de um tempo sem "dispositivos técnicos", mas de uma ou simplicidade que, admito, tenha sido morta pelos dispositivos técnicos... Dei por mim a pensar no seu texto, o que se afigura o melhor elogio que poderia fazer.

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    1. Só mais uma coisa. Sem a técnica e os seus dispositivos nem sequer esta troca de palavras seria possível. Num dos livros do físico Werner Heisenberg - já não sei bem qual - é citado um texto chinês, aliás um belíssimo texto, onde se pretendia que o uso da técnica pervertia o coração dos homens. Quando li há mais de 30 anos, o texto agradou-me. Mas depois compreendi o essencial. Não é a técnica que perverte o coração dos homens. É o coração dos homends que perverte a técnica.

      Abraço

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