Fernand Khnopff - Memórias (1889)
No quadro político e social desenhado na sequência da Revolução francesa, a memória sempre foi uma faculdade ligada à direita, aos sectores ditos reaccionários e saudosistas. Por exemplo, um livro - ou filme - como O Leopardo, de Giuseppe Tomasi de Lampedusa, lida com esse momento em que, com o triunfo da burguesia, a vida aristocrática se começa a transformar em pura memória. Don Fabrizio, príncipe de Salina, simboliza, com a dignidade de um velho senhor, já essa memória de uma antiga ordem que desaparece. A memória era o recurso nostálgico que restava a uma aristocracia destroçada pela iniciativa das classes mercantis. Era sempre uma memória reactiva e, segundo o linguajar da vida política do século XX, reaccionária, uma memória de uma ordem do mundo que fora desfeita pelas revoluções do século XVIII e XIX.
A novidade dos tempos que vivemos reside na mudança de coloração política da memória. A memória, na Europa ocidental, tornou-se uma prerrogativa da esquerda. Os tempos das amplas classes médias, das sociedades europeias reguladas pela combinação dos ideais de liberdade e igualdade, da possibilidade da mobilidade social são tempos que andam, nos dias de hoje, à procura do seu Don Fabrizio. O ideal de uma sociedade equilibrada, da harmonia social, da cooperação interclassista - apesar dos conflitos sociais; estes faziam parte dessa cooperação -, tudo isso está-se a transformar em pura memória, tragado pela voracidade das revoluções tecnológica e financeira e pela dominação incontestada das elites económicas. Pela primeira vez na história, a esquerda política tem um passado que lhe pode servir de ideal regulador e de horizonte nostálgico.
Contudo, a experiência histórica não é favorável a essa reminiscência. A derrota da aristocracia em 1789, apesar de uma efémera restauração monárquica no século XIX, representou o ruir de toda a cosmovisão aristocrática. As guerras napoleónicas foram fatais para os regimes aristocráticos europeus. A primeira guerra mundial, no século XX, liquidou o que restava. A rememoração aristocrática nunca teve peso impulsionador para colocar em questão o novo mundo trazido pela economia de mercado e pela ascensão da burguesia liberal. Também nos dias de hoje é previsível que a memória da sociedade europeia da segunda parte do século XX seja impotente para restaurar sociedades politicamente equilibradas e socialmente menos injustas. A memória metamorfoseia-se, mas nunca deixa de ser impotente perante o activismo das elites económicos.
Contudo, a experiência histórica não é favorável a essa reminiscência. A derrota da aristocracia em 1789, apesar de uma efémera restauração monárquica no século XIX, representou o ruir de toda a cosmovisão aristocrática. As guerras napoleónicas foram fatais para os regimes aristocráticos europeus. A primeira guerra mundial, no século XX, liquidou o que restava. A rememoração aristocrática nunca teve peso impulsionador para colocar em questão o novo mundo trazido pela economia de mercado e pela ascensão da burguesia liberal. Também nos dias de hoje é previsível que a memória da sociedade europeia da segunda parte do século XX seja impotente para restaurar sociedades politicamente equilibradas e socialmente menos injustas. A memória metamorfoseia-se, mas nunca deixa de ser impotente perante o activismo das elites económicos.
Nesse caso, será preciso que «tudo mude para que tudo fique na mesma», ou seja, que se restaure nessa memória de Esquerda, de sociedades politicamente equlibradas.
ResponderEliminarEsse é o meu e o nosso desejo. Mas duvido que assim seja. Também era esse o desejo do sobrinho de D. Fabrizio, mas na vida real não foi isso que aconteceu. Mas não haverá mal que nunca acabe...
Eliminarhttp://leblancseing.blogspot.pt/2012/09/referencias-2.html
ResponderEliminarAbraço
Um filme extraordinário. Contrariamente ao que acontece muitas vezes, romance e filme são duas enormes obras de arte. Visconti é um realizador extraordinário.
EliminarAbraço